OrlandoTosetto
O país do facultativo compulsório
24.08.23Pode ser que nos livros dos historiadores do futuro o Brasil venha a ser conhecido como o país que defendeu primeiro a abertura democrática e já depois a própria democracia, na base do “prendo e arrebento”. Também pode ser o país do “é proibido, mas, se quiser, pode”, e também do “onde está escrito não, leia-se sim (e vice-versa)” – e disso eu me abstenho de dar exemplos, porque, se começar, não paro mais.
Em todo caso, eu tenho para mim que o certo mesmo seria o Brasil ser conhecido como a terra do direito obrigatório e do facultativo compulsório. Aqui, não esqueça o amigo, o direito de votar é obrigatório e o ponto facultativo é compulsório. E é com esse espírito que, pelo que leio nesta revista digital, o jamais assaz louvado senhor presidente quer recriar a “contribuição sindical”, que é, em apertada síntese, o direito que você tem de dar dinheiro na marra para o sindicato da sua categoria profissional. Ou, reformulando, o direito que o sindicato da sua categoria tem de pegar dinheiro de você.
Aliás, esse tipo de contribuição muito se assemelha àquelas que a gente faz quando dois jovens democratas nos abordam tarde da noite na rua a bordo de uma motocicleta, expondo, entre outras coisas, os apuros que passam por causa das injustiças sociais e fazendo-nos pedidos e ofertas que não somos capazes de recusar. Mas tergiverso, ó, tergiverso.
Como se trata de contribuição, talvez a lei nova facilite as coisas para quem queira – espanto dos espantos! – desistir de dar dinheiro ao seu sindicato. Não que antigamente o procedimento fosse complicado: bastava protocolar, na sede do sindicato, uma petição de próprio punho em dezoito vias, todas autenticadas e com firma reconhecida, mais cópias e originais (para conferência) dos documentos do peticionário e de todos os seus familiares próximos, mais as certidões cabíveis (nascimento, casamento, criminal, do SPC, quitação eleitoral), tudo a ser entregue entre as 17:22:35 e as 17:23:42 das terceiras quintas-feiras dos meses com 31 dias, desde que não fosse feriado, que o ano fosse ímpar mas não sucedesse a ano bissexto, e que o mês não coincidisse com períodos de férias parlamentares e/ou forenses, e não houvesse assembleia, greve, passeata, manifestação ou jogo da seleção na TV. Aceita a documentação, o sindicato tinha o prazo improrrogável de cinco anos para analisá-la, após o quê, estando tudo certinho, a cobrança cessava. No ano fiscal seguinte. Se a lei nova estender o horário de recebimento da petição até as 17:24:00 já vai ser uma mão na roda.
Não sei se a lei vem mesmo. Querê-la, querem-na muitos. Oremos. Milagres, quando deixam ou quando querem, acontecem.
* * *
Leio também nesta revista que a jamais suficientemente incensada supremíssima corte magna do Brasil “formou maioria” contra a internação compulsória de viciados em crack. Parece que o fundamento dessa posição é aquele artigo da Constituição, esqueci qual, que diz “fazer o quê, né?”. Ora, é verdade já demonstrada pela mesma embasbacante corte que esse negócio de maioria é que nem nuvem no céu ou amor de adolescente: muda muito, ora é, ora deixa de ser, ora vai, ora vem, e bora lá, meu bem. Mas, supondo que essa maioria seja maioria mesmo, não vejo mais motivo pros liberais brasileiros reclamarem tanto: ficará provado que o Brasil é o país mais liberal da face da terra. Porque garantir ao cracudo o direito de ser cracudo e de, por consequência, praticar cracudezas com plena e mui garantista liberdade só pode ser o grito, na avenida e no beco, do Grêmio Recreativo Escola de Samba Liberalismo Geral.
Porque o Brasil também é, e isso nenhum historiador negará, o país de quem samba na marra.
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É O EX-PRESIDIÁRIO METENDO A MÃO NO BOLSO DE TODOS OS BRASILEIROS. DEVERIA METER A MÃO SÓ NO BOLSO DE QUEM VOTOU NELE.
Parabéns, belo artigo. Eu sou contra a "contribuição" sindical. Não me representam.
Perfeito. Sem comentários.
Governar pelo espelho retrovisor coloca o país nesse saudosismo do que já era…
Alô Manés, entenderam porque o rabo de vocês tá ardendo? Lula prometeu e aí está picanha no fifofó de idiotas ... relaxem peguem suas 4gramas da sativa e boa lombra !!!
O sindicalismo é um câncer social e o sindicalista não vale o que defeca.
Excelente texto. Só disse verdades, infelizmente.
Acho que vou me lembrar desse texto pra sempre. Melhor, vou emoldurá-lo!!
Sindicatos e sindicalistas vivem do trabalho alheio, haja vista o presidente sindicalista eleito por 3 vezes. Reclamar do que?
Excelente! e muito bem escrito.