O economista argentino Javier MileiJavier Milei: candidato sui generis em um país sui generis - Foto: Agustin Marcarian/Reuters

A Argentina e sua última esperança de voltar a ser rica como um argentino

Mostrando que possui baixa capacidade de fazer analogias, a imprensa brasileira segue tratando Javier Milei como uma cópia do sindicalista de milico que presidiu o Brasil entre 2018 e 2022. Um engano imenso
24.08.23

Rico como um argentino foi por décadas uma forma de os europeus se referirem a alguém com muito dinheiro.

A então 6ª maior economia do mundo viveu seu apogeu no final dos anos de 1890. Há, porém, alguns mitos em torno dessa riqueza Argentina.

De fato, Buenos Aires era uma província rica, com renda, educação e elevado patrimônio cultural. Do restante da Argentina, porém, há pouco o que dizer.

Ao contrário dos EUA, a Argentina não fez uma reforma agrária, permitindo que a concentração de terras se estendesse pelo interior do país. Os fazendeiros concentravam sua riqueza na capital, onde residiam, deixando pouco ou nada acumulado no interior.

Um estudo publicado por pesquisadores latinos em Harvard, chamado O Paradoxo Argentino, vai além e descreve que, comparadas a empresas americanas que negociavam em Chicago (onde se situa a Bolsa de commodities dos EUA), as empresas agrícolas argentinas possuíam até 70% menos capital por trabalhador.

Em suma, a Argentina já foi um país rico, mas a queda de preço das commodities e alimentos ao longo do século 20, fruto de uma revolução agrícola global, reduziu as vantagens do país.

Esse conjunto de fatores levou o economista Simon Kuznets, o criador do conceito de PIB e da economia nacional, a formular a seguinte ideia: existem 4 tipos de países no mundo, os desenvolvidos, os subdesenvolvidos, a Argentina e o Japão.

O Japão, que há 30 anos vive uma estagnação econômica, completa a lista ao lado da Argentina, que há 80 anos continua caindo.

Esse país sui generis poderá em breve eleger um presidente sui generis.

O economista Javier Milei ficou em primeiro lugar nas prévias gerais e é forte favorito a levar a eleição em outubro deste ano.

Milei é uma figura controversa. Seu cabelo e costeletas que emulam as de grandes figuras históricas argentinas chamam atenção, bem como seu jeito duro de defender suas ideias.

Há quem diga que Milei é um Bolsonaro argentino. Trata-se, porém, de uma comparação injusta. Milei é um economista com boa formação intelectual, ideias consistentes, que a despeito do ceticismo de alguns, se sustentam de forma geral.

Milei, ao contrário do sindicalista de milico que presidiu o Brasil, é um devoto fervoroso do livre mercado, da redução do Estado e de valores liberais-libertários. Não há necessidade de um posto Ipiranga que supra Milei com alguma ideia original, como no caso do político brasileiro.

Entre suas ideias, possivelmente a mais relevante seja sua defesa de uma dolarização da economia.

As razões para isso são relativamente simples. Os argentinos possuem dólares em grande volume. Quem não possui dólares é o governo argentino, dono de uma moeda que perdeu 90% do seu valor nos últimos 4 anos.

Por qual razão então se deveria defender que a moeda do governo, e não a da população, seja forçada a circular na economia local? Nenhuma. Apenas razões políticas.

O peso é, segundo Milei, a moeda do fracasso político argentino. E é justamente o combate a ele que torna Milei popular.

Há inúmeras ideias do candidato que podem se enquadrar como extremistas, como sua negativa da existência de um aquecimento global (ou mudanças climáticas). Também não há dúvidas que essa posição seria bastante prejudicial às relações comerciais da Argentina.

Há também contradições de Milei, que diz defender o livre comércio, mas alega que não pretende fazer comércio com a China. Ora, governos não fazem comércio, empresas fazem. É portanto uma contradição frente ao seu discurso libertário, e que mais uma vez poderá gerar problemas para a Argentina.

Como brasileiros, porém, podemos admirar uma qualidade do candidato: Milei não quer aderir aos BRICS e não pretende continuar o périplo de mendicância que Alberto Fernandez iniciou, vindo ao Brasil em busca de dinheiro para amenizar a crise em seu país.

Milei também é a favor de um ajuste fiscal rigoroso, o que pode lhe custar apoio, seja no Congresso ou junto à população.

Convém lembrar que hoje 76% da conta de luz dos argentinos é paga pelo governo. Isto custa cerca de 4% do PIB ao ano em subsídios. Reverter esses subsídios, porém, poderia elevar a conta de luz paga pela população em até 400%. É uma tarefa necessária, mas bastante difícil politicamente.

Por fim, vale destacar que Milei tem feito aquilo que a Democracia Liberal o obriga a fazer: acenos ao centro.

O candidato “extremista”, está buscando votos na ala ligada ao ex-presidente Macri, salientando que gostaria de colocar o próprio Macri em um cargo diplomático. Uma boa ideia. Macri, apesar de ter fracassado em sua presidência, foi bastante bem sucedido em política externa.

Para que o leitor tenha noção, Macri convenceu investidores a comprar títulos de dívida Argentina com prazo de 100 anos. Um feito extremamente relevante, dado que qualquer pessoa sensata se questionaria se a Argentina conseguirá resistir mais 100 anos no mesmo ritmo do último século.

A eleição de Milei pode mudar as coisas no Brasil e no tal “Sul Global”. A Argentina segue sendo uma potência responsável por alimentar 1 em cada 20 pessoas no mundo, um país com potencial para se tornar grande novamente, a depender da disposição da população em fazer sacrifícios.

Felipe Hermes é jornalista

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  1. Tomara que o Milei emplaque na presidência. Pelo visto, as propostas atendem às necessidades da Argentina. Não ser populista já é um bônus

  2. Tomara que Milei haja corretamente e a Argentina livre-se de populistas e peronistas e, seguindo a cartilha liberal, cresça para a felicidade de seu povo e mostre o caminho para o Brasil se livrar de Lula, Bolsonaro e Cia.

  3. Seria interessante para os leitores um debate do articulista com o também articulista Alberto de Franco, que não considera a Argentina uma democracia liberal (e sim apenas eleitoral) e parece não avaliar Milei nesse mesmo tom.

  4. ... e serão de novo A Suiça da América e certamente sob as bênçãos do FMI que já enviou para lá $7,5 bilhões de dólares e um monte de exigências que nenhuma cumprirão ... é não pegar emprestado dos ingleses que já levaram as Malvinas que agora com nome de bacana é Falkland pois se não pagarem os vikings desembarcam em Buenos Aires pois sabem que eles não darão um tiro.

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