Foto: Hamilton B. Furtado/Wikimedia CommonsVista da região da Cidade Universitária da USP, às margens do rio Pinheiros, na capital paulista

Quanto mais moradias em São Paulo, melhor

Quando se fala em limites do zoneamento, deve-se dissociar o interesse de quem vive em bairros nobres do interesse da cidade e do meio ambiente
04.08.23

São Paulo está na iminência de outro frenesi. Após o barulhento debate sobre a revisão do Plano Diretor, parte-se para o debate sobre o zoneamento (Lei de Uso e Ocupação do Solo).

Algumas áreas da maior metrópole da América Latina possuem mais ou menos flexibilidade para expansão e adensamento, e tudo isso depende, de maneira mais ou menos arbitrária, do que define a lei que está pautada para ser discutida na Câmara Municipal de São Paulo neste segundo semestre.

Quando se fala em limites do zoneamento, é preciso dissociar o interesse dos moradores atuais do interesse da cidade de São Paulo e do meio ambiente. É de se questionar quem, fora dos grupos de interesse dos próprios moradores, estaria disposto a defender a manutenção do status de exclusividade dos melhores serviços da cidade de São Paulo para um pequeno punhado de paulistanos, quando se pode popularizar tudo isso via adensamento.

A simples proposta de mais moradias próximas às principais rotas de transporte público, empregos e infraestrutura existentes em grandes cidades reduz a expansão urbana, preservando o habitat da vida selvagem nos seus arredores, e evita megacomutações. Então, se há riscos climáticos, uma das necessárias alternativas é a permissão do adensamento urbano.

Não apenas isso: as mudanças anteriores feitas no Plano Diretor e no saneamento foram pouco ambiciosas na intensificação do adensamento. Tanto é verdade que os aluguéis mantiveram-se relativamente estáveis, mas é certo que ações mais agressivas poderiam ter levado a ganhos maiores.

Os moradores de Pinheiros, Butantã, Jardins, Itaim Bibi e Moema certamente são um grupo de interesse muito poderoso, por se tratar da área mais nobre da cidade mais rica no estado mais rico do país. É certo que o alcance e o barulho de sua indignação vão ser maiores. Porém nenhum contrato pode restringir o que os outros moradores nos arredores, ou algum divergente no meio, querem fazer com suas próprias residências. Se é do interesse de vizinhos venderem suas próprias propriedades para construtoras, que assim seja permitido pela nova regulamentação.

Áreas movimentadas é que trazem mais vida e brilho aos bairros, tanto metaforicamente quanto realisticamente. O fato de o bairro ser mais movimentado diminui drasticamente a sensação de insegurança. Não à toa, áreas com edificações de uso misto (com estabelecimentos comerciais no térreo e residenciais nos pisos superiores) devem ser fortemente incentivadas.
É certo e pleonástico que grupos de interesse vão buscar seus próprios interesses, e é natural que lutem por eles. Ora, a menor oferta eleva o valor de mercado das residências nos bairros mais nobres de São Paulo, e é claro que haverá resistência ao usufruto por parte de novos moradores, que compartilhariam das excelentes localização e qualidade de serviços urbanos — e, por que não dizer também, qualidade de vida.

Em contraponto ao senso comum, a maior oferta de moradias é sempre a melhor opção para o ecossistema urbano. Maior oferta próxima aos centros comerciais significa diminuir os custos urbanos. Isso faz parte de um dos maiores consensos da ciência econômica.

Ao mesmo tempo, a melhor opção para as cidades não é a melhor opção para certos grupos de interesse impactados. Assim, a atuação desses grupos de interesse sob risco de perder privilégios habitacionais, agindo para garantir interesses próprios, é outro consenso, mas da ciência política. Com maior oferta em bairros nobres, antigos moradores perderão o status de exclusividade e, certamente, serão um grupo de interesse barulhento para aumentar regulações e impedir construções que possam interferir no status quo.

O debate, no entanto, não deve ceder a essas pressões, sobretudo de moradores dos bairros mais nobres da cidade de São Paulo. É melhor lidar com as dores da verticalização do que com os prejuízos do espraiamento.

 

Izabela Patriota é advogada formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), com mestrado em Direito Constitucional na UnB e doutoranda em Direito Econômico e Economia Política na USP. É diretora de Relações Internacionais no LOLA Brasil

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  1. Não considero propriamente qualidade de vida morar em enormes prédios colados uns nos outros, sem verde nem boa insolação, ainda que isso reduza os custos e os impactos ambientais. Os bairros afastados é que deveriam receber mais serviços, comércio, centros empresariais, linhas de transporte público e segurança, pra reduzir congestionamento e concentração nas zonas mais centrais. Opinião de moradora de um bairro distante.

  2. Prezada Sra. Patriota, o que a Sra. está propondo é «Nivelar por baixo» que significa estabelecer uma meta que corresponde ao nível dos que estão embaixo, numa classificação (quanto a qualidades, riqueza, capacidade etc.) (Dicionário Houaiss). Não discordo do argumento básico, mas deve se buscar uma solução urbana para "nivelar para cima", a fim de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos "por baixo" e não dizer que deve-se eliminar os "privilégios" da qualidade de vida dos "de cima".

  3. Não sei… as pessoas cada vez mais estão saindo das cidades grandes e adensamento só me lembra engarrafamento e desassossego. Acho que a autora repetiu os argumentos, mas mostrou poucas evidências.

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