Foto: Marcelo S. Camargo/Governo do Estado de SPO governador Tarcísio de Freitas; chefes do Executivo federal e estadual medem eficácia da polícia por total de mortes

Cadáveres não nos deixam mais seguros

Já passou da hora de nossos governantes deixarem de tomar o número de mortos como critério de sucesso para uma operação policial
04.08.23

Estava em um leito de hospital, na segunda-feira, quando a GloboNews começou a transmitir o pronunciamento de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, sobre as operações policiais do fim de semana na Baixada Santista. Tive uma incômoda sensação de déjà vu, que de início atribuí à baixa hemoglobina. Em seguida, porém, lembrei onde havia ouvido coisa parecida antes — e a acidez de duas úlceras no duodeno juntou à fala de Tarcísio outros três pronunciamentos sobre segurança pública:

1. Em julho de 2007, uma operação policial na favela carioca do Complexo do Alemão deixou 19 mortos. Lula, em seu segundo mandato como presidente, aprovou a operação, dizendo que a polícia não pode “enfrentar a bandidagem com pétalas de rosa ou jogando pó de arroz”.

2. Em setembro de 2012, em Várzea Paulista, a Rota interrompeu um “tribunal” do PCC que julgava um homem acusado de estupro. Nove pessoas foram mortas — inclusive o homem sob julgamento, que não tinha antecedentes criminais. “Quem não reagiu está vivo”, disse o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.

3. Em maio de 2022, uma ação policial na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, deixou 25 mortos, entre eles Gabrielle Ferreira da Cunha, 41 anos, atingida por uma bala perdida em sua casa. No Twitter, o então presidente Jair Bolsonaro parabenizou os “guerreiros” da polícia que “neutralizaram” marginais. Lamentou a morte de uma “vítima inocente”, sem citar seu nome.

4. Em Guarujá, na sexta-feira passada, Patrick Bastos Reis, soldado da Rota, foi assassinado ao deixar uma favela. Em retaliação, a Polícia Militar detonou a Operação Escudo, que no momento em que escrevo já deixou 14 mortos. Tarcísio de Freitas declarou que não houve “excesso” nas ações e elogiou o “profissionalismo” dos agentes da lei.

Nos quatro casos, detentores do Poder Executivo estadual ou federal exaltaram ações policiais cujo resultado principal foram pilhas de cadáveres. Também atestaram a lisura de operações letais no calor da hora, antes que qualquer investigação houvesse sido realizada. Na coletiva de imprensa em que falou do profissionalismo da polícia, Tarcísio chegou a dizer que todos os procedimentos da operação serão examinados — mas no mesmo fôlego garantiu que não houve excessos, o que transmite a impressão de que os resultados do inquérito já estão dados a priori. Nesse ponto, ele seguiu a linha de seu antecessor tucano (hoje convertido ao socialismo) no governo de São Paulo: Alckmin também deu a entender que investigações seriam feitas para confirmar que só morre quem resiste.

Todos os quatro políticos parecem acreditar que a matança é a única estratégia possível de combate ao crime. A eficácia de uma operação se mede em primeiro lugar pelo número de mortos. Que PCC, Comando Vermelho e assemelhados continuem prosperando em suas atividades ilícitas depois de sucessivos tiroteios e matanças não parece balançar a confiança na truculência como método.

Na pequena amostra que compilei da resposta oficial brasileira à violência urbana, temos quatro políticos de diferentes partidos, cobrindo boa parte do espectro ideológico. Embora a esquerda costume rejeitar a retórica do “bandido bom é bandido morto”, as declarações de Lula em 2007 e Bolsonaro em 2022 diferem mais em grau do que em substância. Em sentido estrito, aliás, Lula está correto: não se trata a “bandidagem” com flores. Por óbvio, há casos em que um policial não só pode como deve atirar contra um criminoso. Mas 19 mortos em uma única ação no Complexo do Alemão não é um número razoável. A malandragem retórica do petista está em fazer supor que só existem essas duas alternativas extremas: ou a polícia dá rosas para os traficantes, ou mata algumas dezenas.

Há que considerar também que as convicções de Lula oscilam com as alianças de ocasião: em 2007, o Rio de Janeiro era governado por seu amigo Sérgio Cabral. Não se ouvirá Lula falando em rosas ou pó de arroz para defender Tarcísio, governador da oposição bolsonarista (embora sua relação com Bolsonaro pareça estremecida). Flávio Dino, o mais falante dos ministros de Lula, já criticou a ação da polícia paulista na Baixada Santista.

Em todo caso, não se encontra na conversa média de Lula sobre segurança pública qualquer proposta consistente. No mesmo discurso em que disse que flores e maquiagem não combatem o crime organizado, ele recorreu ao chavão progressista do “mais escolas, menos prisões”. A qualidade das escolas e as condições humanas das prisões continuam aquelas de sempre.

Não tenho ideia do que se pode fazer para tornar o Brasil um país menos violento. Desconfio até que não se encontrará solução para a criminalidade do Rio de Janeiro nas três ou quatro décadas que espero ter pela frente. Mas eu posso me permitir tamanho desalento: sou apenas um jornalista miseravelmente proibido de beber porque recém passei por uma endoscopia e uma transfusão de sangue. Aos eleitos para cargos executivos, qualquer que sejam suas condições de saúde, não é dado o luxo de se acomodarem na melancolia: eles têm de propor soluções, e repetir estratégias que já fracassaram em governos anteriores não conta como tal.

No pedaço do pronunciamento de Tarcísio veiculado pela GloboNews na segunda-feira, o governador de São Paulo celebrou, com justiça, a prisão do homem que teria dado o tiro fatal no soldado Patrick Bastos Reis. Não citou, porém, o número de mortos das operações policiais. Esse pudor hipócrita diante de fatos brutos e brutais talvez seja um avanço em relação à bravata sobre criminosos “neutralizados”.

Na próxima vez em que um presidente ou governador vier a público para falar de uma ação policial que produziu dezenas de cadáveres, ele poderia dar um passo além, mostrando-se compungido porque dezenas de pessoas morreram — sim, mesmo que essas pessoas sejam bandidos acostumados a matar e torturar e estuprar, pois assim se marca a diferença entre civilização e barbárie. Também pode admitir que seu governo fracassou, pois letalidade policial nunca foi sinônimo de eficácia.

Não será o suficiente para que o Brasil fique menos violento. Talvez sirva para que o país fique um pouco mais decente.

 

Jerônimo Teixeira é jornalista e escritor

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  1. POXA SR. JERÔNIMO, SAI DA CASINHA E VENHA PARA O ASFALTO. DEIXE SEUS CONVESCOTES, CHAMPANHES, CANAPÉS E OUTRAS COISAS DE RICO E CAIA NA REAL. ENTRA NUMA FAVELA PARA TENTAR RECUPERAR UM CARRO ROUBADO (POR EXEMPLO). VAI SAIR DE LÁ MAIS FURADO QUE PENEIRA. ACORDA COLUNISTA.

  2. Agradeço que ainda temos policiais com coragem, que todos os dias colocam suas vidas em risco pela maioria da população. Parece que não são somente os bandidos que não respeitam os policiais, em toda a guerra sempre há inocentes que infelizmente perdem suas vidas e esta guerra não será vencida pelos bandidos

  3. Ridícula a posição deste colunista. Bandidos morreram porque reagiram. O governador faz muito bem em incentivar está operação, chega de cinismo.

  4. Lula e seu amigão Nicolás Maduro são reais protagonistas de histórias antiliberais, antidemocráticas e corruptas. Comungam ideais q não condizem c/ nossa Constituição. Toneladas de fatos comprovados atestam o q afirmo neste comentário. Analisando os governos Lula e Dilma passados e o atual, percebo que são tempos perdidos. Em vez de fazer coisas positivas, afirmativas da liberdade, democracia e integridade de caráter, fica aí no trololó como no antigo programa do Jô: tá todo mundo enrolando?

  5. Jerônimo Teixeira para Secretário de Segurança, assim os problemas criminais serão resolvidos com a civilidade que ele defende. Não dá, por motivos óbvios. Então, para Governador, Ministro da Justiça ou Presidente. Acho que não. Então vamos colocá-lo em uma viatura da PM. Sua úlcera não aguentaria. Ok, talvez na equipe de investigação para, só então, decidir o que fazer, com civilidade. Ah, poupe-nos. Cuide da sua úlcera. Deixe a polícia cuidar da criminalidade.

  6. Metaforicamente, se o combate à violência for uma escada, os cadáveres são degraus que temos, indiscutivelmente, de subir. Quanto ao Lula e Dino, são dois hipócritas inúteis que não têm nem estratégia nem vontade de combater a violência urbana.

  7. Já que "esqueceram" mortes violentas e famosas vamos a elas ... em 2001 morreu assassinado Toninho do PT e em 2022 Celso Daniel foi assassinado ambos torturados cruelmente e seus "crimes" foi não permitir que iniciassem a roubalheira em prefeituras do ABC e até hoje três idiotas executores foram condenados mas jamais chegaram aos mandantes como não chegaram ao mandante do atentado a Bolsonaro onde forjaram um psicopata (agora anos de cana é mesmo) e indícios mostram os mandantes . haja lixo!

    1. Mas Jerônimo cadáveres de ladrões, traficantes e assassinos nos deixam mais seguros sim ... a vida neste pardieiro tem de ser assim.

  8. Mais um escrevendo besteiras. Força Tarcísio! Força Polícia! Bandido armado confrontando a polícia tem que ser eliminado mesmo.

  9. Parece que o autor deste artigo vive na Suiça ou em um fantástico mundo de fantasias. Simplificou as coisas, não olhou para a complicada realidade. O combate ao crime no Brasil é uma guerra. E, numa guerra, não me venha a falar de flores. É melhor ficar quieto.

  10. O que prejudica ações policiais é a descontinuidade, as "operações morde e assopra". Tornem frequentes, quase diárias, que a necessidade de operações começará a decair, a bandidagem terá que esconder-se, deixar de assintosamente fazer demonstrações de força à luz do dia. Um século atrás, Al Capone e outros chefões evitavam matar um policial, a 1ª ação importante de pistoleiros do Sindicato do Crime foi matar um mafioso, Dutch Schultz, que queria eliminar um procurador de New York.

  11. Essa defensoria da bandidagem já deu! A lei é leniente e o bandido solto em 24h. Em vez de um chefe de família assaltado, baleado e morto fosse um lacrador da imprensa isso mudava

  12. Digamos que cada um dos 14 "anjos" neutralizados no Guarujá cometessem, numa média muito, muito conservadora, 2 delitos por semana. Em 10 anos, esses 14 bonitos vão deixar de cometer pelo menos 7.280 assaltos, furtos, estupros, golpes, homicídios, roubos, arrombamentos, sequestros, tráfico e uma lista enorme de outros crimes.

    1. A bandidagem no Guarujá está num grau intolerável. Fui atacada por ladrãozinho descarado, num domingo de sol, uma da tarde, em frente ao posto de bombeiros na Praia do Tombo, por uma medalhinha de nada, em maio último e ainda guardo dores e cicatrizes, pela queda de cara na calçada… Parabéns ao governador, ao secretário e à valorosa PM pela ação. A imprensa esquerdista faz o de sempre, boqueja!

  13. É fácil criticar atrás de um computador. As “comunidades” são áreas dominadas por facções paraestatais e não respeitam nenhum tipo de direito humano. O Estado Brasileiro deveria reconhecer que está em guerra com essas facções e parar de tratá-las como criminosos comuns.

    1. Penso como vc, Vanda ! Não gostaria que fosse assim mas é .

  14. A própria população anda tão farta de ver bandidos sendo presos e em seguida soltos, que aplaudem esses desfechos de operações. Não lhes tiro a razão.

  15. O problema é que no papel tudo dá certo mas na vida real é mito diferente. Ao combater a criminalidade com certeza haverá possivelmente excessos mas não vejo nunca por parte dos jornalistas que a polícia estava certa. Obviamente sou contra a violência mas neste momento não há outra alternativa.

    1. A imprensa, de alma esquerdista no geral, é contra ações da polícia e adota os marginais bandidos como seus afilhados e coitadinhos…

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