Foto: DivulgaçãoO advogado André Marsiglia Santos, que nesta edição se despede da sua coluna na Crusoé

Todo ciclo acaba, este não

Esta é minha última coluna na Crusoé. Não sou jornalista nem escritor: sou um advogado que atua na defesa das liberdades de expressão e imprensa
28.07.23

Uma das primeiras crônicas que li na vida foi de Paulo Mendes Campos. Um texto curto que trazia uma verdade óbvia — mas não vulgar —, a de que o amor precisa sempre acabar para que se reinicie. José Saramago fez o mesmo raciocínio no livro As Intermitências da Morte. Quando no romance — que já li bastante mais velho, ainda bem — todos param de morrer, a vida fica insuportável pela quantidade sem fim de pessoas desejando, consumindo. Os ciclos precisam terminar, ou nada mais se move.

Paulo Mendes, em sua crônica, fala da necessidade de acabarem os ciclos porque assim exige o amor. Saramago, em seu romance, fala da necessidade de finitude dos ciclos porque assim é a vida. Sou menos ambicioso e mais prosaico: falo da necessidade de os ciclos se fecharem porque este texto é o último que escrevo para minha coluna na Crusoé.

Não sou jornalista nem escritor. Sou um advogado que há muitos anos atua na defesa das liberdades de expressão e de imprensa no Brasil. Conheci Mario Sabino e Diogo Mainardi nesse contexto burocrático. Enquanto com uma mão fundavam o site O Antagonista e, mais tarde, a revista Crusoé, com a outra se protegiam das inumeráveis tentativas de censura que logo de saída lhes bateram à porta.

As publicações cirúrgicas criaram de imediato uma angústia na classe política, que passou a nutrir desejo profundo de retirar a todo custo as reportagens do ar ou obter delas direito de resposta. Inicialmente, os dois procuravam meu pai, Lourival J. Santos, que sem dúvida alguma é uma das maiores autoridades do país em liberdades de expressão e de imprensa. Assim os conheci.

Em abril de 2019, a censura estava tão quente para os lados da revista que a Crusoé praticamente estreou os hoje famosos inquéritos sigilosos do Supremo Tribunal Federal (STF), ao ser acusada de propagar fake news com a famosa capa “O amigo do amigo de meu pai”, de Rodrigo Rangel e Mateus Coutinho. Lourival e eu, incrédulos, fomos acompanhar Sabino à Polícia Federal, para que explicasse seu jornalismo competente. Após recursos de nosso escritório, o STF revogou a evidente censura, mas até hoje não reconheceu seu erro, justificando a medida por meio de malabarismos e muito trololó.

Quem me levou para esta vida de escrever na imprensa foi Sabino. Eu escrevia esparsamente por aí, mas, a seu convite, passei a escrever regularmente para as publicações da casa: inicialmente para O Antagonista, depois para a Crusoé. Foram muitos os textos. Cheguei a escrever artigo para a capa de uma das edições da revista, junto a Carlos Graieb e Sabino: “Liberdade de expressão: modo de usar”.

Lembro-me de Mario certa vez me dizer: “Caro, você tem repertório, fale também de temas ocorridos na semana”. Fui me soltando e comecei a tratar não apenas de liberdade de expressão, sempre recebendo ótimas dicas de temas do grande Duda Teixeira, mas também de política, de Judiciário e, vez ou outra, de coisas amenas, como de ciclos que se fecham e acabam. Acabam todos, menos este.

“Este qual?” — pergunta, aflito, o meu leitor inventado. O da escrita, o que me faz sair de um labirinto para me perder em outro. O que me faz dizer aos leitores: me aguardem, e até muito breve.

 

André Marsiglia é advogado especialista em direito digital e pesquisador de casos de censura. @marsiglia_andre / linktr.ee/marsiglia_andre

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  1. Obrigado por colocar nos textos a clareza necessária sobre as diferenças entre liberdade de expressão e censura . Nesses tempos sombrios da ditadura do Judiciário.

  2. Primeiro foi o Diogo, em seguida foi o Mário Sabino, depois o Cláudio Dantas, agora sai o André Marsiglia. Quem ficar por último não de esqueça de apagar a luz.

  3. O Sistema Corrupto/advogados “garantistas” estão conseguindo seu intento, nos deixando sem as pessoas que, sempre, nos forneceram informações isentas e, verdadeiramente, republicanas.

  4. Paulo Mendes Campos, José Saramargo....🤔🤔🤔... óbvia ""inspiração"" (digamos assim) é no livro da Simone de Beauvoir "Todos Os Homens São Mortais". Volte logo, ANDRÉ MARSIGLIA SANTOS, enquanto isso, sentiremos muita falta do seu ótimo trabalho. Da ausência do DIOGO E DO SABINO, jamais nos recuperaremos.

  5. Lamento muito seja este o seu último texto na revista, mas entendi que a razão deve ser algum outro projeto. Espero voltar a lê-lo de qualquer outra forma. Seus textos são muito francos e dizem muito em poucas linhas.

  6. Que pena!! Gosto muito de O Antagonista e da Crusoé , mas eles vivem dando “perdidos” na gente. Cada hora sai um querido. Espero que nenhuma “otoridade” tenha lhe pedido a valiosa cabeça.

  7. Lamento a interrupção na publicação dos seus artigos. Gosto do tema e torço pra que continue militando no jornalismo e pela liberdade de imprensa, tão perseguida nesse país . Sucesso

  8. Obrigada por tão lindos textos, tantos assuntos provocativos, por compartilhar conosco seu talento jornalístico e literário. Até breve!

  9. Que pena André... só espero que a defesa a liberdade de expressão continue... ler suas colunas era um alívio para mim... ver com detalhes as atrocidades cometidas para nos tirar a liberdade... Sucesso no novo ciclo!

  10. Pena! Gosto muito de seus textos. Já pensou em seguir paralelamente à carreira de advogado a de jornalista especializado? A primeira para garantir o pão nosso de cada dia, a segunda pra alegrar seus leitores. Talento o doutor tem. Aguardamos sua volta, até breve.

  11. Só temos que agradecer ao Dr. Marsiglia por tantas vezes ter elucidado conceitos que entendíamos de modo errado. Sempre cirúrgico e cuidadoso, deu aulas completas sobre liberdade de expressão. Desejamos todo sucesso onde quer que vá e que possamos continuar a acompanhá-lo em outras paragens.

  12. Até breve mesmo! Fico no aguardo. Continuo seguindo o Sabino, até o lindo cachorro do Diogo eu assisto nadar 😂😂 boa sorte!

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