ReproduçãoJanja: ministra do telefone presidencial

A eminência parda do populismo sem povo

Sem voto, pasta nem experiência em gestão pública, Janja da Silva ocupa no quinto desgoverno petista lugar de Dirceu, Gushiken e Palocci
06.07.23

Muita gente que votou em Lula da Silva no segundo turno da eleição de 2022 apostou no encerramento do desgoverno fascistoide de Jair Bolsonaro e em mais um arquivamento dos devaneios autoritários dos saudosistas da ditadura militar de 1964-68. Em vez de apostar em eventual terceira via democrática, que se perdeu na fumaça dos bombardeios ideológicos de uma campanha em que muito se apostou na democracia, mas muito pouco de democracia se praticou no debate eleitoral, na discussão política e até nos círculos íntimos de família.

Quem se deixou iludir pela lorota pseudodemocrática dos populistas de esquerda que inventaram a chapa Lula-Alckmin – incluindo o experiente autor destas linhas – caiu no conto do vigário progressista, ora, bolas. O Lulinha de verdade – do João Ferrador ou do marketing do Duda Mendonça – sempre professou uma fé oportunista de seu herói fardado Ernesto Geisel, autor remoto na contraditória democracia relativa, transportada das casernas pátrias para os bivaques de inspiração pseudomarxista do “bolivariano” coronel venezuelano Hugo Chávez. Assim como os olavistas de ocasião, Lula não tem a menor ideia de quem foi Antonio Gramsci, principal formulador do comunismo universitário italiano. Dos credos políticos ou religiosos que pratica com fervor o favorito é o da prática matrimonial. Morta Marisa, a pragmática, a substituiu por Janja, militante de todos os costados que passou a exercer no terceiro mandato marital o poder que ninguém mais exerceu nos anteriores.

No exercício da presidência perpétua instalada pelo antecessor e ex-aliado Fernando Henrique Cardoso ao aprovar a reeleição sem eira nem beira, chegou ao ápice do isolamento autocrático dispensando a posse de um telefone celular particular para adotar a censura da militante de porta de cadeia com quem se casou. Esse detalhe é de submissão total à seleção das mensagens abertas por uma eminência parda inédita na história das tiranias mais absolutistas da história do povo unido jamais será vencido. Não há registro de postura similar nem no Gaspar de Francia, Eu, o Supremo, do genial romancista paraguaio Augusto Roa Bastos. Ou nos caprichos da rainha guilhotinada do império francês de Luís 16, Maria Antonieta. Serviçais históricos, como o fotógrafo particular do chefe, Stuckert, tiveram de se adaptar a novas exigências de identificação. Assim como os antigos frequentadores dos botequins do passado foram forçados a conviver com novos hábitos de consumo de líquido, caso da água mineral on the rocks. No lugar dos botijões de pinga com Cambuci do reino dourado da nonna.

O presidencialismo dos velhos companheiros de piquetes e conchavos de gabinetes e assembleias sindicais, como o clube privado de amigos de botecos, foi substituído pela monarquia do rei sem telefone pessoal. Quem pudesse imaginar que o sonho de um eventual quarto mandato promoveria modos mais apropriados para quem jurou governar para todos, e não apenas para velhos prosélitos dos tempos das reuniões em prédios sob o reinado de Roma, agora percebe que ainda precisa ser elaborado um manual de bajulação do monarca que não atende e, portanto, não fala ao telefone, sem nenhuma experiência histórica para imitar com razoável chance de êxito. O reino desencantado do eu sozinho e sem celular foi reduzido a um salão republicano de um trono só ocupado pelo casal que nele se assentou.

Discípulos de Norberto Bobbio, cultivadores de Voltaire, leitores de Locke e nostálgicos de José Bonifácio, Hannah Arendt, Camus, Victor Serge e Maquiavel devem tratar logo de espanar a poeira das capas que contêm lições mais pragmáticas de Hobbes, Plínio Salgado, d’Annunzio e Eugênio Gudin. Quem sonhou com o fim da polarização instaurada pelo eu contra eles do PT que reelegeu Lula pela primeira vez contente-se, antes da decepção total com a monocracia da condenação da réplica e a filosofia da peripécia. Neste verdadeiro mundo novo até a remissão do arrependimento tem lá seus limites.

No país onde quem manda abre mão da própria privacidade de um aparelho celular, quem adere ao “livre pensar é só pensar” do gênio Millôr deve estar disponível para  a pena por ousar dispor de privilégio de que el Rey em pessoa se livrou como de um pecado maior. No Brasil da democracia relativa à venezuelana nada pode ser absoluto, nem mesmo a propriedade individual de portar tanto o medo quanto a coragem. Preparem-se todos! Dias ainda mais aziagos podem estar à espreita na própria encruzilhada vigiada pelos anjos caídos formados em legiões, como as dos antigos romanos do general Caio Júlio Cesar. Se a liberdade de dissentir não pode mais ser casual, pessoal e intransferível, é o caso de subordinar o livre arbítrio, não à vontade soberana do rei, mas à férrea vontade do grão-vizir no populismo sem povo.

José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor

 

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  1. A palavra do jornalista e poeta, José Neumanne Pinto, corta como uma navalha e desnuda a hipocrisia política que assola o nosso sofrido Brasil. Continue Neumanne, você é um patrimônio do jornalismo nacional.

  2. Ñ entendi. Como se deixou iludir p/lorota dos q inventaram a chapa Lula-Alckmin? Ñ foi vc q há mtos anos escreveu 1 ou 2 livros "O que sei de Lula" e o acompanhou diariamente durante 6 meses? Estranho. Qto a atual 1a.dama vc poderia ter dito a verdade.Ela ñ era militante (novo nome?), era amante. Segundo Valter Sâmara, amigo íntimo de Lula há 25 anos, eles eram amantes dsd os tempos de Marisa ainda viva. Acredite se quiser: https://www.tiktok.com/@boraconversarpolitica/video/7220064263631572230

  3. só você mesmo, Nêumanne, pode escrever de forma tão poética a desgraça em que nos encontramos agora. O que virá pela frente? Te digo, tenho muita fé que Lula não aguente até o final do mandato. Que não seja por impeachment pois dará um tremendo "gás" para a esquerda Janjista. Que descubram mais e mais roubos, de forma que não possam mais serem cobertos por Gilmares da vida. Amém!

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