Antonio Cruz/Agência BrasilLula assina a concessão da usina de Belo Monte, em 2010

A tragédia e a farsa

O presidente está disposto, ao que tudo indica, a repetir o equívoco de Belo Monte
25.05.23

Em busca de emular o passado, Lula dá voz a Marx quando ele dizia que “A história se repete, primeiro como tragédia, segundo como farsa“.

Carlos Luís Napoleão Bonaparte foi eleito presidente francês em 1848. Cerca de três anos depois, deu um golpe de Estado que o coroou imperador, em 2 de dezembro de 1851. A data escolhida marcava os 47 anos da coroação de seu tio, Napoleão Bonaparte.

Em 1799, Napoleão havia dado um golpe de Estado, no dia 9 de novembro, conhecido como o “18 brumário” no calendário da revolução francesa, que o levaria a se autocoroar imperador em 2 de dezembro.

Foi a ascensão de Napoleão III em 1851, porém, que inspirou Karl Marx a escrever um de seus livros mais famosos, o “18 brumário de Luís Bonaparte“.

Marx inicia o livro citando outro filósofo alemão, Friedrich Hegel, quando ele diz “todos os grandes personagens da história do mundo ocorrem duas vezes“. Em sua própria anotação, Marx completa Hegel ao apontar que “na primeira vez, a história ocorre como tragédia, na segunda como farsa“.

Essa, entretanto, é apenas parte da ideia do 18 de brumário, o livro. Como tese central, Marx aponta que a despeito de escreverem a história, os agentes históricos ainda são limitados por ela, ou melhor, pela “realidade“.

Ainda que Napoleão III quisesse emular a pompa da coroação de seu tio, recriou apenas uma farsa que, não fosse o parentesco, o tornaria um ditador qualquer.

Saindo das teorias marxistas e voltando à realidade, não há como negar que esse olhar histórico seja bastante curioso e tentador. De fato, Marx foi um grande historiador, ainda que em se tratando da realidade a sua volta, tenha ficado conhecido por fraudar números que apontavam melhoria na situação das classes mais pobres em meio à Revolução Industrial, além de ter projetado questões que não se concretizaram.

No Brasil de hoje, a realidade difere, e muito, daquela do início do século, ainda que certas pessoas estejam pouco dispostas a aceitar.

O Brasil é hoje um país mais velho, com problemas demográficos graves em um mundo que cresce menos. Desde 2003, a média de idade dos brasileiros avançou incríveis oito anos. O número de idosos dependendo de uma renda da previdência pública quase dobrou. A população economicamente ativa segue crescendo cada vez menos, sem que a produtividade consiga compensar.

É curioso portanto que estejamos diante de um governo que busca apelar ao passado, como se as condições materiais fossem as mesmas.

No repertório de medidas lulistas vemos uma série de políticas sendo repetidas. Políticas essas que nos legaram a tragédia da Grande Depressão de 2014-2016, e que hoje contribuem para a farsa política de que basta vontade política para que o pobre “volte” a comer picanha.

O Lula que governa o país hoje ainda é o mesmo Lula que governava em meio à bonança do boom de commodities. É um presidente que viaja para o resto do mundo se passando por um grande estadista.

Dentro de casa, porém, a situação é outra. O Parlamento possui mais poder do que nunca, graças aos anos Temer e Bolsonaro. O Congresso não é mais um agente passivo dominado pela popularidade estrondosa do presidente.

O Congresso hoje é capaz de derrubar mudanças que o presidente impõe, como no marco do saneamento, simplesmente porque quem criou as regras foi o próprio Congresso.

O mesmo podemos dizer da privatização da Eletrobras. Como Lula pretende reestatizar uma empresa que o próprio Congresso definiu como e quando seria privatizada?

Emendas parlamentares, o poderoso instrumento de outrora, já não têm o peso ameaçador. O Congresso aprovou o Orçamento Impositivo ainda em 2019. Demorou, mas nossos parlamentares descobriram que é sua função cuidar do Orçamento, cabendo ao Executivo executar.

Dentro da farsa Lulista em sua ânsia por recriar o passado, poucos assuntos chamam mais atenção do que seu apego ao século 20 na economia.

Que algum marqueteiro tenha convencido Lula a repetir clichês sobre transição energética em sua campanha, é plenamente compreensível.

Lula disputava contra Bolsonaro, o presidente que abordou Al Gore (o ex-vice-presidente de Clinton conhecido pela sua agenda ambiental), para convidá-lo a explorar minérios na Amazônia.

Mas longe do marketing de campanha, Lula parece pouco disposto a peitar os desejos de ampliar a produção de combustíveis fósseis, ainda que envolva a foz do Amazonas.

Lula está disposto, ao que tudo indica, a repetir a tragédia de Belo Monte. A usina construída em formato de fio d’água ao custo de 20 bilhões de dólares e que, em meses de seca, gera apenas 3% de sua capacidade.

Belo Monte, o maior crime ambiental do Brasil neste século, motivou a saída de Marina Silva do governo Lula II. Agora, a exploração de petróleo na região do Amapá parece ser a forma como a farsa de presidente empenhado em reconstruir a imagem de preocupação ambiental irá acabar.

Isso, claro, para não falar do desejo de repetir a tragédia dos preços de combustíveis subsidiados. Em 2023, a década onde países começam a impor um prazo limite para os veículos a combustão, o governo brasileiro aumenta sua aposta em subsídios para veículos e combustíveis.

E note, não é preciso concordar com Marina ou o Ibama, e ser contra explorar petróleo a 500 km da Foz do Amazonas para entender que o viés ambientalista a lá Joe Biden (que vetou a ampliação de oleoduto para importar petróleo do Canadá, além de retirar a permissão de produção de petróleo em parques nacionais), é uma farsa. De fato, como opinião pessoal, não sou.

A margem equatorial possui 10 bilhões de barris de petróleo. Em 2022, cada um dos 3 milhões de barris de petróleo produzidos por dia no Brasil gerou 120 reais em royalties e participações. Estimando uma produção de 1 milhão de barris por dia, estaríamos falando de receitas superiores a 30 bilhões de reais aos seis estados que compõem a margem equatorial (considerando a parte que cabe à União).

Para efeito de comparação, Amapá, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte possuem um PIB de 633 bilhões de reais. Em suma, é muito dinheiro, que certamente ajudaria a melhorar a vida da população nesses estados e garantir mais recursos para a proteção ambiental.

Mas, feito esse disclaimer, é interessante notar que Lula quando se depara com uma escolha entre aumentar o PIB ou seguir técnicos da área ambiental, segue a primeira escolha.

Em certos casos, como Belo Monte, a ideia nos legou uma tragédia. Sim. E é necessário que não se esqueça.

Mas Luís Inácio, seguindo o que se dizia sobre seu xará, Luís XVIII, quando do retorno dos monarquistas à França pós-revolução, “não aprendeu nada, não esqueceu nada“.

 

Felippe Hermes é jornalista

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  1. O maior, ou antes, os maiores desastres ambientais do século no país foram os rompimentos das barragens de Mariana e Sobradinho.

  2. Lula é um septuagenário e, como tal, é um socialista de ideário da primeira metade do século passado. Nada se pode esperar de suas ideias que não algo mofado. Sem o poder da corrupção ele não passa de um retrógrado lelé.

  3. Com exceção dos luloafetivos, todos estamos vendo que Lula vive no passado. Não acho que seja só apego às diretrizes ideológicas antiquadas. Acho que é incompetência mesmo. Ele não está conseguindo fazer nada! E, para fugir das responsabilidades. Só que lá fora ele está perdendo o seu lugar de destaque, como tantos países um dia deram a ele. Essa última reunião do G7 foi ótima para abrir os olhos do mundo sobre o nosso presidente e suas teorias para salvar a humanidade. Socorro!!!!!

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