ReproduçãoO presidente chileno Gabriel Boric: a "onda vermelha" reflui na América do Sul - mas a direita também encontra dificuldades

Que se vão todos

Insatisfação com inflação, violência e impasse entre os poderes leva latino-americanos a rejeitarem os governantes
11.05.23

A vitória de Lula em outubro de 2022, quatro meses após a conquista de Gustavo Petro na Colômbia, primeiro esquerdista a governar o país, fez analistas destacarem a chegada de uma “onda vermelha” ao continente. Além de Brasil e Colômbia, também Chile, Argentina, Bolívia e Peru haviam eleitos presidentes de esquerda, dando uma perspectiva de homogeneidade quanto à existência de uma fórmula de governo que estaria funcionando na região. No entanto, essa perspectiva não passa de uma miragem.

Entre os países que viraram à esquerda, apenas no Brasil o líder tem um saldo positivo no índice de aprovação. Há situações verdadeiramente dramáticas, que indicam não apenas perda de popularidade, mas sinalizam crises de legitimidade, como são os casos de Peru (rejeição de 77%), Argentina (69%), Chile (64%), Colômbia (61%) e Bolívia (50%). Na base da insatisfação estão a inflação, indicadores de violência e algum tipo de impasse entre os poderes.

No último domingo (7), por exemplo, a oposição chilena venceu com larga vantagem a eleição para a composição da nova Assembleia Constituinte, deixando o processo nas mãos do partido que é contra ele. Na Colômbia, Petro chegou a fazer um chamamento à população para que defendesse as reformas propostas e finalmente conseguiu aprovar um plano de ações, embora bastante desidratado em relação à versão inicial. No Brasil, Lula não conseguiu construir uma maioria e adia o envio de sua agenda ao Congresso por falta de suporte. No Peru, a presidente Dina Boluarte, que assumiu após a prisão de Pedro Castillo, se segura a duras penas.

Mas as dificuldades também são enormes à direita. O Paraguai recém elegeu o economista Santiago Peña que, apesar de pertencer ao Partido Colorado, que governa o país quase ininterruptamente desde 1947, pertence a um grupo de oposição interna a Mario Benitez, que deixa o poder com 81% de rejeição. Nesta semana, o Congresso equatoriano abriu pedido de impeachment contra o ex-banqueiro Guillermo Lasso, eleito em 2021 e que é desaprovado por 85% da população. Ele tem à sua disposição o uso do artigo da “morte cruzada”, que lhe permite dissolver o parlamento ao mesmo tempo em que renuncia, convocando novas eleições gerais. Apenas o Uruguai tem um saldo positivo com uma aprovação de 45%.

O aspecto de crise generalizada envolve falta de consensos econômicos e sociais, que acaba se traduzindo em impasses institucionais, criando um ciclo vicioso de instabilidade e resultados ruins. A falta de avanços estimula líderes impacientes a culparem as regras, os poderes e outros atores para fugir do peso da insatisfação popular. A instabilidade dificulta a recuperação econômica e assim está criada uma armadilha que empobrece e divide.

A realização de eleições e a alternância de líderes, inclusive com a redução de espaços de partidos tradicionais, como ocorreu no Brasil em 2018, está prestes a acontecer na Argentina e é a realidade do Peru, do Chile, da Colômbia e do Equador, não têm conseguido resolver os impasses. Em parte, o problema se dá por causa de um defeito congênito das democracias do continente, excessivamente delegativas, nas quais a escolha de um presidente praticamente encerra a participação da população no processo – população que passa a se posicionar como “cliente” e mobiliza-se pouco para continuar dando suporte ao eleito. Muito cedo o presidente vê o apoio eleitoral se dissipar e fica sem sustentação para a agenda de reformas para o qual foi eleito, tendo que compor com o status quo, diminuindo a ambição da sua agenda, ou partindo para o confronto paralisante. Daí para o populismo é um pulo.

Mas há também falta de alternativas econômicas em si. Quase sem exceção, esses países dependem da exportação de commodities e são muito sensíveis a flutuações externas de preços. Há pouca chance de reindustrialização e inserção nas cadeias globais de comércio, sendo também quase impossível a emulação do que ocorreu em países asiáticos. Modelos de desenvolvimento estatistas e liberais já foram tentados à exaustão e as pessoas se mostram cansadas até do debate. Novos caminhos, como energia verde ou crédito de carbono, sempre ligados aos recursos naturais existentes, ainda são etéreos para a população em geral e vão depender também de investimentos externos para acontecer. Para o curto prazo, há o caminho de tentar algum ganho pertencendo à zona de influência de alguma potência (especialmente China).

A América do Sul oscila, hoje, ao sabor do calendário eleitoral. A onda vermelha recente tem chance de ser substituída por outra azul proximamente, mais pela dinâmica das rejeições, principal fenômeno político atual, do que pela construção de visões e planos nacionais em torno de agendas de desenvolvimento, suscitando um forte sentimento de que todos, com exceção da “ilha” uruguaia, estão à deriva.

Leonardo Barreto é cientista político

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  1. Concordo plenamente com esse vai e vem: Esquerda ou direita? Tanto faz. Tivemos Bolsonaro por 4 anos e deu no quê? A mesma vergonha passo hoje com Lula. Em cada discurso que faz nos países desenvolvidos mais denigre e empobrece o Brasil. E metade da nossa população ainda aplaude.

  2. O sistema político montado em nosso país dificilmente proporcionará as mudanças necessárias para que um projeto de país seja consolidado e produza o bem estar da população. O patrimonialismo dos políticos é o que impera e nas eleições apenas as moscas mudam ( se revezam ).

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