Foto: ReproduçãoRoberto Carlos, o autor de "Ilegal, Imoral ou Engorda" (em parceria com Erasmo Carlos): são tantas decisões, bicho!

Ilegal, imoral ou engorda

12.05.23

Vejam que tedioso seria se nós vivêssemos num país em que a coisa julgada não pode ser desjulgada e os ministros da Suprema Corte “só falam nos autos”: nesta semana, os magistrados do nosso Supremo Tribunal da Farofa capricharam no fornecimento de matéria-prima para a minha coluna. Primeiro, foi Gilmar Mendes no Roda Viva dizendo que Curitiba tem o “germe do fascismo”: perderam, playboys da República de Weimar, aqui é Brasil! Depois, tivemos Edson Fachin dando provas de grande coragem ao arremessar a batata quente daquele processo sobre a Vaza Jato para as mãos cuidadosas de Dias Toffoli.

Mas quem mandou bem mesmo foi Alexandre de Moraes, nosso Lex Luthor do bem, Encarnação da Justiça e Defensor Inquebrantável da Democracinha, assim em maiusculas. A decisão dele, na última semana, de mandar o Telegram apagar seu “manifesto” contra o PL das Fake News e publicar uma retratação em que o app de mensagens diz “sim, atentamos contra o Congresso, o Judiciário, o Estado de Direito e a democracia” é uma lasanha com várias camadas de absurdo — vendida como normal porque o ministro do STF, afinal, está “do lado certo”.

Aqui sou obrigado a abrir aquele clássico parágrafo de disclaimer: não sou a favor de “regulação zero” para as redes sociais, não acho que as big techs sejam comandadas por anjinhos (nem mesmo os “anjos tronchos do Vale do Silício” que Caetano Veloso cantou recentemente), não acho aceitável que o Telegram se recuse a colaborar com investigações policiais — negando-se, por exemplo, a fornecer dados de grupos neonazistas. O caso em questão é outra conversa: ao que parece, uma empresa não tem mais o direito de opinar sobre um projeto que afeta diretamente a sua operação. O Telegram foi estridente e alarmista com o papo de que o PL “matará a internet moderna”? Sem dúvida. Mas o que Moraes fez foi exatamente fornecer um CQD — como queríamos demonstrar — a quem o acusa de censura. E as pessoas nem sempre são tão burras quanto o ministro supõe: sabem que o app é parte interessada e podem muito bem achar o manifesto uma besteira sem precisar da tutela dos defensores da democracinha.

A decisão monocrática de Moraes, aliás, é um show de exclamações e uso de CAPS LOCK no lugar de argumentos, porque obviamente quem exclama muito e usa bastantes palavras em maiúsculas está MUITO MAIS CERTO! “Liberdade de expressão não é liberdade de agressão!” “AS REDES SOCIAIS NÃO SÃO TERRA SEM LEI!” (tá bom, ministro, concordo, não precisa gritar). Há um trecho em que ele acusa o Telegram de “tentar impactar de maneira ILEGAL e IMORAL a opinião pública e o voto dos parlamentares”. Eu sinceramente fiquei esperando o argumento de que ser contra o PL das Fake News também ENGORDA. E tudo isso, claro, dentro do inquérito das fake news — aquele mesmo em que o STF é vítima, acusador e julgador, que começou há quatro anos e não tem data para acabar e que teve como um de seus primeiros efeitos a censura a esta Crusoé. É o inquérito Bom Bril: tem mil e uma utilidades. Com a diferença de que a gente sabe o que está dentro da embalagem de Bom Bril (geralmente, palha de aço).

E nem falei no trecho em que Moraes, com outras palavras, vetava o uso de VPN (rede privada virtual, na sigla em inglês) para acessar o Telegram se o aplicativo fosse retirado do ar. É como tentar trancar a internet com uma chave: não faz o menor sentido, a não ser que você seja secretário-geral do PC chinês ou alguém com muita inveja dos poderes dele. Mas, claro, é tudo pela democracinha e pelo nosso bem: o STF sabe muito mais o que é melhor para nós do que nós mesmos. Pai Goiaba prevê que os poderes constituídos continuarão usando os imbecis bolsonaristas do 8 de janeiro como bicho-papão útil para, como direi?, cuidar de nós cada vez mais. Quem manda vocês aí só gostarem do que é ilegal, imoral ou engorda? (Se bem que a luta contra a gordofobia me libertou: vou aderir ao movimento body positive, e ai de quem ousar me chamar de gordo safado.)

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A GOIABICE DA SEMANA

Eu imaginava que o humor a favor, essa vergonha nacional, fosse voltar com tudo uma vez que Sua Lulidade tivesse sido reinstalado no Palácio do Planalto; convenhamos, ser “crítico” com Jair Bolsonaro e seus seguidores não requer prática nem tampouco habilidade (um cérebro com pelo menos dois neurônios ativos já dá conta do recado). A realidade, porém, não cessa de me espantar: outro dia, li um texto de “humor” que bajulava Flávio Dino a ponto de fazer Dilma Bolada parecer não só opositora ferrenha do governo petista como engraçada. Não há a menor hipótese de que o humor a favor — de quem quer que seja — tenha alguma graça. Mas estamos no Brasilzão, onde o puxa-saquismo é uma tradição secular: todos querem ser cortesãos, ninguém quer ser bobo da corte.

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AVISO DE FÉRIAS

Vou ali fazer um breve detox do Bananão e já volto. Comportem-se, crianças.

Flávio DinoFlávio Dino, o titular da pasta da Justiça; ministro, se o senhor espirrar, saúde
 

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  1. Em nome do bem se está cometendo absurdos criminosos. E os que antes aplaudiam o cavaleiro de armadura dourada já estão abrindo os olhos. Isso do inimigo do meu inimigo é meu amigo saiu pela culatra

  2. O cabaretier Momo que se auto intitula como um Vingador é na realidade um Tartaruga Ninja ou um Obelix. Sem graça alguma e autoritário afinado com o ministro escalvado.

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