ReproduçãoFotograma do filme mudo "Os Óculos do Vovô", de 1913: produções digitais vão durar tanto?

Uma geração sem memória

Um celular ou HD perdido, roubado ou danificado pode levar imagens de uma vida inteira
11.05.23

Escrevi no livro O Cinema Sonhado um fato digno de nota: as fotos da infância do meu avô, o cineasta Pedro Teófilo Batista, estão mais bem conservadas do que as minhas fotos de infância, apesar de serem 70 anos mais velhas. É que as dele foram feitas em chapa de vidro, que tem muito mais qualidade do que película, e foram impressas em preto e branco, que contêm sais de prata. As minhas foram feitas com película colorida pequeno formato, numa impressão barata que existia na época. Várias camadas de cor se perderam.

De lá para cá as coisas ainda pioraram: muitas crianças que nasceram na era digital não têm fotos impressas. Os pais mantêm os arquivos em computadores ou celulares. Só que os arquivos digitais se corrompem, as mídias quebram, são danificadas. As fotos impressas podem ser danificadas também, mas elas são mais duráveis, se bem conservadas. Na verdade, nós não sabemos quanto dura uma mídia digital. Os sites que hospedam arquivos também podem sair do ar. Ou pode-se perder o acesso a eles. Um celular ou HD perdido, roubado ou danificado pode levar memórias de uma vida inteira.

Há quem armazene fotos em redes sociais. Isso também tem problemas, e o principal é: as redes diminuem os arquivos das imagens. Muita gente, principalmente entre os mais pobres, imprime fotos direto das redes sociais, o que diminui drasticamente a qualidade – fica pixelado.

Sebastião Salgado, grande fotógrafo brasileiro, deixou a fotografia analógica após 2001, quando os aeroportos começaram a exigir que toda bagagem passasse pelo raio X, o que danifica filmes fotográficos. Ele desenvolveu então uma técnica em que a foto – originalmente digital – é impressa e vira uma espécie de negativo fotográfico. O objetivo é a conservação.

O problema da conservação é extremamente relevante. A digitalização crescente da vida, se por um lado facilita a troca e compartilhamento de informações, por outro pode dificultar a preservação dos registros e bens. Não é à toa que os estúdios de cinema têm conservado filmes, inclusive aqueles filmados em digital, em películas de preservação.

Cerca de 75% dos filmes mudos se perderam, segundo estimativa da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. O Japão perdeu 95% dos filmes mudos, destruídos em desastres naturais ou bombardeios na Segunda Guerra Mundial. E mais, quando há uma mudança de um suporte para outro, uma parte dos filmes se perdem – cerca de 15% ou 20%, segundo o arquivista e produtor cinematográfico Jan-Christopher Horak.

A ficção mais antiga produzida no Brasil é Os Óculos do Vovô, de 1913, preservado na Cinemateca Brasileira. O filme de Francisco Santos sobreviveu aos quatro incêndios na Cinemateca e hoje é possível vê-lo no Youtube. Será que os filmes produzidos atualmente, em digital, vão durar tanto?

É hora de pensar em suportes duráveis para a conservação, tanto das nossas memórias pessoais, como de filmes e registros que têm importância histórica. Hoje é possível imprimir fotos com papel museológico que tem grande durabilidade – uma alternativa que não é tão cara. É importante também guardar os arquivos originais das fotos, tanto feitas com câmeras quanto com celulares, de preferência em vários lugares – nuvem, HDs externos, etc.

Talvez voltemos ao registro analógico para fins de conservação no mundo digital.

Na verdade, o compartilhamento de arquivos digitais também ajuda – talvez vejamos no futuro arqueólogos digitais buscando arquivos aparentemente perdidos, desenterrando preciosidades. Analógico e digital são importantes para preservar bens culturais de valor.

 

Josias Teófilo é cineasta, escritor e jornalista

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. Faço vários backups. Mas algumas coisas não têm jeito. Músicas e filmes em streaming não trazem qualquer informação extra pra quem tem curiosidade em saber mais sobre aquela obra, o que antes os cds e dvds traziam em seus encartes. Letras, nomes dos músicos e arranjadores, entrevistas, história da criação da obra. Cds e dvds antigos podem ser guardados com esse fim, mas lançamentos novos simplesmente inexistem em mídia física. E não adianta procurar no google. É incompleto e tem erros.

  2. Realmente já pensei muitas vezes sobre meus arquivos de fotos, pior, só pensei mas não fiz muito (estão no computador e alguns pendrives). Vira e mexe eu penso sobre isso pois tenho um álbum de fotos que fiz de uma viagem para Itália. Nesta época ainda se revelavam fotos! Mas, minha 1ª viagem ao exterior não sobrou quase nada. Não existia celular, quem tinha boas máquinas e entendia das técnicas não estavam todo tempo ao nosso lado. Sobraram cartões postais e lembrancinhas de lojas p/ turistas

Mais notícias
Assine agora
TOPO