Raul Baretta/ Santos FC.O zagueiro Eduardo Bauermann, do Santos: pressionado por apostador para receber cartão amarelo

Os jogadores

A manipulação de resultados é o fim do futebol — e também das apostas esportivas
11.05.23

O Botafogo ganhou do Santos por 3×0 no dia 10 de novembro do ano passado, pelo Campeonato Brasileiro. Após o apito final, o zagueiro santista Eduardo Bauermman foi descontar a frustração pela derrota no árbitro Braulio da Silva Machado, que lhe mostrou o cartão vermelho. O jogo e a expulsão moravam no rodapé da crônica esportiva nacional até o mês passado, quando o Ministério Público de Goiás botou na rua a Operação Penalidade Máxima II, que levantou uma suspeita cruel, muito cruel sobre a manipulação de resultados em partidas da Série A.

Até então, essas suspeitas tinham chegado apenas até a segunda divisão nacional. A primeira fase da Penalidade Máxima, deflagrada em fevereiro, revelou que o volante Romário, do Vila Nova, aceitou 150 mil reais para cometer um pênalti em jogo contra o Sport. Ele chegou a receber 10 mil reais de forma antecipada — o restante viria após consumar o combinado. Como não seria relacionado entre os titulares, Romário tentou convencer colegas a participar do esquema e a história acabou vazando, levantando dúvidas sobre mais jogadores e partidas.

As casas de aposta permitem testar a sorte sobre quase tudo que acontece dentro de campo, desde os placares até a quantidade de escanteios marcados para um time. Mesmo um detalhe aparentemente irrelevante, como um tiro de meta ou um cartão amarelo forçados, é capaz de manchar o esporte inteiro — e também o trabalho dos sites de aposta, que ainda atuam no Brasil em condição improvisada, com sedes no exterior, porque não foram regulamentados.

“De início tudo me pareceu sujo, repulsivo. Não falo dos rostos inquietos que se comprimem às dezenas, às centenas, ao redor das mesas, já que não vejo nada de sujo no desejo de ganhar com os menores meios a maior soma possível”, reflete O Jogador (L&PM Pocket), de Dostoiévski. Para Alexei Ivânovitch, narrador do romance, a vulgaridade do apostador está no desejo de ganhar, que o impede de apreciar o divertimento do jogo, o teste da sorte.

Nas mensagens enviadas pelo apostador que pressionava o zagueiro Bauermann a manipular resultados, chama a atenção uma em específico, endereçada à namorada: “Eu nunca estive tão perto de ficar rico, amor. Você não está entendendo”. O autor da mensagem, mais um Romário entre os tantos que frequentam o futebol brasileiro, tinha um acordo com o jogador santista para ganhar uma aposta de 800 mil reais num jogo contra o Avaí. Bastaria Bauermann receber um cartão amarelo. O defensor não conseguiu e, para remediar a situação, tentou buscar um vermelho contra o Botafogo, mas falhou de novo — a expulsão após o fim da partida não conta para apostas.

Denúncias de fraude no futebol brasileiro não são novas. Um esquema  para combinar resultados da Loteria Esportiva foi denunciado em 1982. Em 2005, Edilson Pereira de Carvalho se tornou o símbolo do juiz ladrão, ao protagonizar a Máfia do Apito, que levou à anulação de 11 partidas no Campeonato Brasileiro daquele ano. Mas nunca houve tanta gente envolvida com apostas no país como hoje, graças aos jogos online. Esses sites estampam, com patrocínios, as camisas dos principais clubes de futebol do Brasil.

O governo Lula está de olho nos 15 bilhões de reais que calcula ser possível apurar ao tributá-los. A medida provisória que pretende regulamentar as casas de aposta, que atuam num limbo desde 2019 no Brasil, foi apresentada ao público nesta quinta-feira, 11, mas ainda falta passar por alguns ministérios antes de ser e caminhada ao Congresso Nacional. Os parlamentares, por sua vez, se preparam para entrar em campo com uma CPI na Câmara e uma apuração no Senado liderada pelo ex-jogador Romário (PL/RJ) — a Polícia Federal também já se apresentou, com uma investigação própria.

Do ponto de vista do dinheiro, as empresas de aposta são as principais interessadas em evitar fraudes. Quem vai arriscar os investimentos em partidas que não seguem minimamente a lógica maluca do futebol? Esses sites têm travas contra manipulação, que respondem a movimentações atípicas no fluxo de apostas. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) também toma seus cuidados, por meio de um contrato com a suíça Sportradar, que monitora os mesmos indícios de irregularidade. Em março último, foram detectadas “fortes apostas” em que o Adesg não venceria o Andirá por dois ou mais gols pelo Campeonato Acreano — venceu por apenas 2×1.

Antes de as mensagens de seu celular serem reveladas, Bauermman negou “qualquer envolvimento com apostas esportivas ou esquema fraudulento de manipulação em partidas de futebol ou qualquer outro esporte”, em postagem nas redes sociais. Ele foi apenas um dos oito jogadores afastados de clubes como Fluminense, Athlético-PR e América-MG nesta semana, por suspeitas de atuar para beneficiar apostadores.

O motivo da expulsão de Bauermann após o jogo contra o Botafogo foi detalhado pelo árbitro Braulio da Silva Machado na súmula desta forma: “Após o termino da partida expulsei de forma direta o jogador Eduardo Bauermann, do Santos, por se dirigir aos membros da equipe de arbitragem proferindo as seguintes palavras de maneira hostil repetidamente: ‘Vocês tão de palhaçada, és um sacana, vocês estão sempre ferrando a gente, a arbitragem sempre prejudica o Santos’. Informo que me senti ofendido com tal atitude”.

Estamos todos ofendidos, Braulio.

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  1. Onde há dinheiro há corrupção. Legalize-se o jogo, regulamente-se o setor, dê meios para a polícia investiga e puna-se quem cometer crimes. É o melhor que se pode fazer

  2. Basta expulsar os fraudadores do esporte. Só a punição resolve. O Brasil não tentou respirar sem corrupção após a prisão do luladrão? Deu uma esperança, mas o jogo é bruto. O preço da liberdade é a eterna vigilância. Tropeçamos com o careca e a omissão dos covardes de lá

  3. Para um país que tem um descondenado na presidência, um congresso repleto de delinquentes, um judiciário contaminado e promiscuído não é de estranhar que a estrutura social abaixo disso também seja contaminada. Infelizmente.

    1. Verdade, os maus exemplos vindos de cima são mais contagiosos que pestes e pragas…

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