Lula Marques /Agência PTPetista escreve "Fora Temer" em muro: patrulha e intolerância

Como o petismo contribuiu para o surgimento do bolsonarismo

Irritação com o patrulhamento, com a incapacidade de reconhecer os próprios erros e com a condenação moral que o PT promove dos seus críticos deu força à antítese do partido
11.05.23

As pessoas ainda não entenderam bem o que foi o surgimento do bolsonarismo. Tem todas as características de uma revolução social, embora uma revolução para trás, reacionária. Não foi um movimento conservador e sim retrógrado.

Mas talvez tenha sido a transformação mais ampla e mais rápida de nossa história de uma população politicamente passiva (PPP) em população politicamente ativa (PPA). Ao converter uma quantidade enorme de eleitores e espectadores (PPP) em agentes políticos (PPA), o bolsonarismo produziu uma mudança profunda no país.

Desgraçadamente, a ativação desses novos atores (sem qualquer mediação e educação políticas) trouxe consigo a lama que estava decantada no fundo do poço da cultura patriarcal. Preconceitos e conceitos, que estavam presentes no subsolo das consciências — e que se esperava já sepultados pela vida cívica e pela convivência democrática modernas — também foram revivescidos.

Aí apareceram, não se sabe de onde, legiões de zumbis atacando os direitos humanos, defendendo o armamentismo popular, elogiando a ditadura militar e a tortura, pregando o extermínio de adversários (comunistas ou globalistas), reforçando antigas discriminações (de gênero, raça, etnia ou cor, credo, nacionalidade, condição física ou psíquica etc.) e levantando as bandeiras de Deus (e da religião), da família tradicional (monogâmica) e da pátria (nacionalista).

Essas pessoas não foram bem convertidas intelectualmente e sim capturadas emocionalmente a partir do seu ressentimento por não serem levadas em conta para nada e por não serem reconhecidas pelo sistema político como sujeitos válidos. Entraram no movimento para “dar o troco” àqueles que sempre as desprezaram. Vingança e revanche, ódio, cólera e intolerância, alimentaram esse emocional guerreiro que se instalou.

E vieram então com suas opiniões retrógradas — que antes só eram admitidas ou toleradas em ambientes privados, nas conversas com amigos e colegas de trabalho, nas mesas de jantar de suas casas, nos botecos e nas filas de ônibus, nas cadeiras de barbeiro e nos salões de beleza e de bilhar — poluir o espaço público. Em outras palavras, tomaram a coragem de proferir tais opiniões cruas no espaço público, desafiando os constrangimentos impostos pela cultura cívica da modernidade.

Vieram sem qualquer educação política, achando que a política é uma espécie de religião ou de torcida organizada de clube, em que o principal é desqualificar e retirar a legitimidade do outro (o inimigo) para exterminá-lo.

Por isso, o bolsonarismo, antes de ser uma ameaça política, foi uma ameaça social, quer dizer, à vida humana em sociedade, à aceitação do outro como um legítimo outro na convivência, à convivência amistosa e prazerosa com o diferente, à colaboração e, sobretudo, aos valores e às normas liberais do modo de vida democrático.

Mas tão extensa e profunda foi essa revolta dos desprezados (majoritariamente das camadas médias da sociedade) que pode-se dizer que a ascensão do bolsonarismo teve as características de uma revolução social molecular, uma alteração nos fluxos interativos da convivência social, ainda quando não tenha se concretizado como uma revolução política (na medida em que não conseguiu mudar o regime político).

Esse fenômeno da ascensão do populismo-autoritário (ou nacional-populismo), dito de extrema direita, aconteceu no mundo inteiro e não apenas no Brasil.

No Brasil, porém, a ascensão da extrema direita populista teve causas particulares. O bolsonarismo nasceu — juntamente com uma insatisfação com o sistema — do antipetismo, depois cavalgado pela extrema direita. Há ainda muito antipetismo (e ele é maior do que o bolsonarismo-raiz). Mas só há antipetismo porque houve (e há) petismo. É o óbvio, que entretanto precisa ser repetido. Pois bem. O que é o petismo? E por que uma extensa parcela que se tornou politicamente ativa da população rejeitou esse tipo de comportamento político chamado de petismo?

Podemos listar oito fatores “alergênicos” que explicam por que o petismo irritou as pessoas a ponto de deixá-las vulneráveis ao bolsonarismo: o espírito militante patrulhador e a intolerância (com quem pensa diferente); a condenação moral de quem não segue o partido; a incapacidade de reconhecer os próprios erros; o hegemonismo; o tratamento instrumental dos aliados; a contradição evidente de se dizer democrata, mas apoiar ditaduras (ditaduras amigas, de esquerda – mas não só); o caráter iliberal (ou não liberal) do projeto petista; e, resumindo tudo, a estratégia do neopopulismo lulopetista, que visa mudar homeopaticamente o genoma do regime democrático, prevendo estabelecer uma hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado controlado pelo partido com o fito de nunca mais sair do governo (ou nele se delongar indefinidamente).

Bem… tudo isso irritou, contrariou e deixou ressentidas as pessoas que engrossaram o antipetismo. Ou seja, o antipetismo não caiu da árvore dos acontecimentos, nem veio de Marte ou de Vênus. Ele tem uma fonte inequívoca: o petismo! Irritadas, parte dessas pessoas aderiu a qualquer alternativa capaz de evitar a continuidade do petismo ou o seu retorno ao centro do palco. Como, num primeiro momento, não havia alternativa democrática, permaneceram contrariadas, algumas até negando a política. E, em alguma medida, ressentidas. Infelizmente, a alternativa antipetista que surgiu foi o lavajatismo seguido do bolsonarismo (é simbólico que a famosa República de Curitiba tenha virado, sem a menor cerimônia, comitê eleitoral de Bolsonaro). As pessoas ficaram então vulneráveis às alternativas antidemocráticas. Vulneráveis, elas se deixaram capturar.

 

Augusto de Franco é escritor.

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  1. E pra piorar, essas pessoas se dizem “de direita”, como se bastasse ser anticomunista pra isso, maculando a imagem da verdadeira direita liberal. Direita de verdade não é nacionalista nem militarista, e deixa os costumes e religiões por conta e risco de cada um.

  2. E pra piorar, essas pessoas se dizem “de direita”, como se bastasse ser anticomunista pra ser de direita. Isso macula a direita liberal. Direita não tem nada a ver com isso, até porque nem é nacionalista, não prega militarismo e deixa os costumes e a religião por conta e risco de cada um.

  3. Mais um texto da Foice de SP patrocinado por sabão em pó OMO. Incapazes de reconhecer-se corrupt0s por natureza, mamadores da teta pública, v@gabundos profissionais, gente mal intencionada, e parasitas dos pagadores de impostos a petralhada vem com essa groselha de “bolsonarismo” e blá-blá-blá tentando bestificar quem simplesmente sente ojeriza pelo PartidodosTrapaceiros e seus adeptos. Comentário patrocinado por Sininho e seus Blackblocs h0micidas.

  4. Não concordo com a banalização feita à lavajato, nomeada no artigo apenas como alternativa antipetista; faltou o devido valor aos louros da luta dessa corajosa operação.

  5. Nos fatores alergênicos dos antipetistas, no qual me incluo, a corrupção sistêmica ou a cleptocracia que o PT implementou, e que são substituídos por termos simpáticos como “ Erros do partido” como no texto em tela, para aliviar a tragedia que foi e continuará sendo, devido a intelectuais como o autor que não aceita uma oposição de verdade que o Brasil continuará descendo a ladeira democrática rumo a cleptocracia tão desejada pelo PT

  6. O senhor se referiu aos esquerdistas e não aos direitistas, fez uma análise errada da direita no pais. Não leio mais a sua coluna , somos pessoas educadas , esclarecidas , não queremos ditadura nem violência, etc. Já sei qual é o seu partido , é aquele que olha para trás nas questões econômicas e no presente para a licenciosidade. Vou cancelar a assinatura. Obrigada.

  7. Excelente texto! Tudo que se precisava saber sobre o que aconteceu para a ascensão do bolsonarismo. As pessoas realmente se deixaram capturar pelo anti petismo. O bolsonarismo é tão maléfico que o petismo.

  8. Excelente. Conseguiu explicar exatamente tudo aquilo que a gente intuía. Posso dizer que é o meu caso: antipetista mas não bolsonarista, e pelas razões apontadas no artigo.

  9. Excelente artigo. Excelente. Condensado, inteligente, esclarece o que se passa, mostra o Brasil político da sociedade das primeiras duas décadas do século XXI. Parabéns.

  10. Sou da República de Curitiba, e lavajatista sem medo de dizer. Mas isso não me tornou bolsonarista. A única coisa que vi foi a oportunidade de desmascarar os políticos que vira e mexe voltam ao poder, sem ter a mínima vergonha de terem sido presos, julgados, condenados, já que sabem as nossas leis e penalidades só servem para os cidadãos comuns. Ainda assim gostei do seu artigo pois ele resume bem o perfil da sociedade brasileira.

  11. Admirador de suas análises, permita-me dois questionamentos. Qual foi o sentido de usar a expressão "mudar homeopaticamte o genoma do regime democrático" que, a meu ver, pode reforçar a intensa propaganda subliminar contra essa especialidade médica? E como o lavajatismo, que foi revolucionário, pode ser associado ao primitivismo bolsonarista? O lavajatismo não teria sido, também, o contrário do primitivismo petista?

  12. concordo bastante com essa análise. O ápice da rejeição aos petistas talvez tenha começado quando eles começaram a debochar do que taxavam de "coxinhas". Ser coxinha era ser qualquer coisa que não fosse petismo. O país virou um grande fla-flu. Infelizmente, ainda não vi corrente alternativa alguma capaz de contrapor o bozismo e o petismo. Temo que fiquemos anos.. décadas.. sendo torturados por esses malucos no poder.

    1. Apoiadíssimo! Fui chamada de coxinha por dois sobrinhos, estudantes universitários (lógica e consequentemente esquerdistas como não poderia deixar de ser) por ter feito críticas ao Lula. Na época eu nem sabia quem era Bolsonaro. Um amigo me chamou de petista por eu ter uma veia meio social (sou liberal de direita). Quer dizer, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

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