Agência BrasilRoberto Campos Neto: um "homem sozinho" responsável por "juros genocidas"

A frase mais lulista que Lula já disse

Na já cansativa guerra dos juros, o presidente se apresentou como a encarnação do país e, no mesmo lance, converteu Roberto Campos Neto em "inimigo do povo" 
11.05.23

Sempre recauchutando programas implementados no início do século, o terceiro governo Lula parece uma dessas nostálgicas emissoras FM que de duas ou três vezes por dia tocam Every Breath You Take, do The Police. Na semana passada, vimos o retorno do Conselhão, esse grande clube de influencers da economia e dos movimentos sociais que ninguém sabe para que serve – algo assim como True, do Spandau Ballet: não só é impossível entender porque as pessoas ainda querem ouvir essa canção hoje, como também é incompreensível que ela tenha feito sucesso no passado.

No primeiro encontro do Conselhão, o presidente aproveitou o palanque para de novo atacar os juros de 13,75% ao ano mantidos pelo Copom. Sei que isso já é notícia velha, quase tão antiga quanto Just the Way You Are, de Billy Joel. Mas não me sai da cabeça uma frase que Lula disse então: “Ninguém fala de juros, como se um homem sozinho pudesse saber mais do que a cabeça de 215 milhões de pessoas”.

Alguém dirá que não há nada de novo aqui, que é só Lula mais uma vez espicaçando Roberto Campos Neto, nominalmente citado pouco antes no discurso. E é verdade: nada de novo se ouvirá de Lula. Ainda assim, essa frase guarda a singularidade de condensar, em duas dezenas de palavras, os vícios renitentes do pensamento lulista. Da retórica polarizante ao elogio demagógico da ignorância, da arrogância personalista à ambição totalitária, está tudo aí.

Deve estar claro que o “homem sozinho” é o presidente do Banco Central. Nas afirmações que antecedem a frase-síntese, Lula afirmou que neste país pode-se falar de tudo, menos de juros, sugerindo assim que a palavra de Campos Neto converteu-se em uma ortodoxia inquestionável. E fez chamados às federações da indústria e do comércio que tinham representantes no evento para que participassem da discussão proibida.

O fato, porém, é que a crítica, o ataque e até a ofensa às posições e à pessoa de Campos Neto são livres. Outro dia, Gleisi Hoffmann, deputada, presidente do PT e guerrilheira digital, foi ao Twitter perguntar até quando o presidente do BC manterá os “juros genocidas” que quebram empresas e destroem famílias (os ingênuos ainda acham que o coringa hipócrita da defesa da família só existe no baralho bolsonarista), e ninguém veio dizer que esse tuíte constitui um ataque às instituições do Banco Central e do Copom. Como podem atestar Google e Meta – que por acaso ou ironia têm representantes no Conselhão –, criticar o PL das Fake News em termos civilizados custa bem mais caro.

PT e Lula são contra a autonomia do Banco Central aprovada pelo Congresso em 2021, e essa posição é direito deles. Só que a independência do BC já era uma condição estabelecida quando Lula entrou na corrida presidencial. Eleito, ele sequer pode alegar surpresa, pois o Copom já vinha mantendo uma política de juros rígida no governo anterior. O bombardeio contínuo a Campos Neto serve para o PT conservar um resto de sua mística de “partido do contra” – a oposição no poder, ainda que seja oposição a um homem só.

A vilanização do homem singular já é uma distorção da realidade: há nove membros no Copom. Mas a impostura maior da fala de Lula não está no modesto número que ele finge ignorar, mas no número colossal que ele menciona: 215 milhões. Então o Brasil todo está com o PT contra a política de juros do Banco Central? Não se via tamanha unanimidade nem naquelas eleições iraquianas das quais Saddam Hussein sempre saía vencedor.

Desconfio que, no mundo real, o consenso desenhado por Lula não existe nem no Conselhão – que, afinal, abriga representantes dos grandes bancos. Mesmo entre os que discordam das decisões do Copom, podemos supor avaliações as  mais diversas, com divergências sobre quando e o quanto a taxa Selic deve baixar. Mas o pensamento petista não comporta nuances. Vale o já consagrado nós contra eles. Ou, na fantasia de Lula, o nós contra ele, Campos Neto.

Costuma-se dizer que todo brasileiro é um técnico de futebol. Embora o Brasil historicamente tenha péssimo desempenho no ensino de matemática básica, Lula desenha um país em que todos são economistas (ao que parece, formados pela Unicamp). Eis aí a apologia da ignorância que Lula já havia feito quando declarou que todos os livros de economia estão superados: as qualificações de Campos Neto e demais integrantes do Copom nada valem contra a sabedoria popular. Nessa mesma linha, Lula vem pintando seu inimigo como um tecnocrata sem coração, que mantém juros altos para alegria dos rentistas enquanto dá uma banana para o povo esfomeado. Apaga-se aqui, mais uma vez, o desastre produzido por tecnocratas petistas como Guido Mantega e Arno Augustin. Sobre as famílias destruídas e as empresas falidas da era Dilma, Gleisi nada disse.

O mais espantoso é a empáfia de Lula ao se tomar como voz de 215 milhões, quando chegou ao Planalto com apenas 60 milhões votos. Certo, na função de chefe de Estado, ele de fato representa, em sentido formal e restrito, todos os brasileiros, incluindo até os golpistas e arruaceiros da Horda Canarinha. Mas a frase que recortei de seu discurso vai além da mera representação: Lula se apresenta como a encarnação do Brasil autêntico. Reparem em como o petista opõe a petulância de Roberto Campos Neto, esse inimigo do povo, a um país de pensamento tetricamente único: o presidente do Banco Central acha que entende mais de juros do que “a cabeça de 215 milhões”. Só faltou dizer que a cabeça singular do Brasil é aquela instalada no pescoço do filho de dona Lindu.

“Ninguém fala de juros, como se um homem sozinho pudesse saber mais do que a cabeça de 215 milhões de pessoas.” No fim das contas, a frase pouco diz sobre economia. Sobre liberdade de pensamento e democracia, diz muitas coisas – todas elas monstruosas.

 

Jerônimo Teixeira é jornalista e escritor.

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  1. Queira ou não, sempre se criticou a elevação dos juros neste país. Não é de hoje que a nossa economia anda aos trancos e barrancos. Sempre a peça principal desta mixórdia toda é a taxa de juros. Esteja a economia bem ou mal, sempre tratam a taxa juros como se fosse a única coisa possível a se fazer para melhorar a nossa combalida economia.

  2. Não é possível que 215 milhões de brasileiros estejam contra o excepcional Presidente do BC quando 700 milhões de brasileiros morreram de COVID. Não estude não, jovem, e sua matemática será como a do homem do agreste que nunca trabalhou mas que hj vive no fausto, viajando pelo mundo, aproveitando as delícias de hotéis de luxo e de cartões corporativos. Não se esqueça porém, jovem, q contos de fadas não costumam se repetir com frequência, sem estudo seu destino será o chão de fábrica (se tanto).

  3. PT é totalitário desde sempre. Os "democratas" que caíram na lorota desse partido têm mais é que se fu*. Pena é que nos levam pro buraco junto.

  4. O ex-presidiário corrupto agora está senil e com o cérebro degenerado pelo excesso de álcool consumido durante a vida. Provavelmente esteve abstêmio em Curitiba mas não curou a doença e agora deve estar tirando o atraso. Se não for o câncer espero que se afogue no banheiro em seu vômito

  5. O Descondenado comporta-se como todo sindicalista pois critica sem base, é ignorante, é mentiroso, é farsante e é autoritário. Quer, junto com a corja ptralha, levar o país para o abismo.

  6. Quem poderia imaginar que o Lula, criminoso, condenado, posto em liberdade por um capricho do stf, pudesse voltar a presidir o país. O pior que poderia acontecer, aconteceu. Duro será aguentar 4 anos de festival de ignorância que estão por vir.Bolsonaro e Lula foram uma sinuca de bico para escolha na última eleição.Não cai na armadilha de escolher o menos pior.Abstive-me de votar. Admirei a paisagem.

  7. Excelente! Quem dera tivéssemos educação nos país para que um número significativo de pessoas entendessem esse texto. Não precisava ser escrito. Está posto. Claro para qualquer um que não esteja alienado na dita polarização.

  8. Se prestar atenção na letra da música do The Police verá que ela é bem atual e deverá ser tocada por mais pelo menos + 4 anos. Ela tem referência ao livro 1984. ….. I’ll be watching you…

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