Lula Marques/Agência BrasilArthur Lira: presidente da Câmara teve de adiar votação de projeto

O PL das Fake News e a pressa exacerbada

Projeto é um subterfúgio para Lira pressionar o Palácio por mais espaço e desnuda falta de coesão na base do governo
27.04.23

Existe um princípio no direito americano que versa basicamente o seguinte: “Hard cases make bad law”. Ou, traduzindo: casos complicados geram leis ou jurisprudências ruins ou com falhas.

O Parlamento brasileiro é pródigo na elaboração de leis ruins, muitas das vezes incentivado por casos de grande repercussão, dando soluções populistas a temas extremamente complexos. E, se isso não fosse o suficiente, ainda há as chamadas leis de ocasião”, que são utilizadas basicamente como instrumentos de recados do Congresso ao Palácio do Planalto.

O PL das Fake News — cuja urgência foi aprovada na terça-feira, 27, e o mérito deve ser votado na semana que vem — conseguiu o feito de reunir estes dois problemas: pode ser votado no calor do momento (o Planalto aproveitou dois massacres em escolas de São Paulo e Santa Catarina para reacender o tema), sem o debate necessário sobre a temática e, de quebra, vem sendo usado por integrantes do Congresso Nacional como um indicativo da falta de base parlamentar do governo federal neste início do governo Lula.

Ao longo desta semana, chamou a atenção de vários parlamentares a pressa com a qual o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), resolveu simplesmente tirar o projeto do bolso. Para ver a urgência aprovada (por 238 votos a 192), Lira evocou o art. 154 do regimento interno da Câmara e contou com uma reunião de líderes em que os próprios parlamentares não entenderam bem o rito de tramitação da proposta.

Lira pretendia aprovar a urgência por acordo e com votação simbólica. Foi voto vencido. A manobra veio à tona no próprio plenário, denunciada até mesmo por aliados como o líder do PL, Altineu Côrtes (PL-RJ). Irritado, Lira desabafou aos colegas: “Na próxima reunião de líderes, haverá ata”.

Deputados admitiram a Crusoé que a pressa de Lira tem uma razão: tentativa de demonstração de força e poder junto ao Palácio do Planalto.

O grupo de Lira tem dado vários recados ao ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, de que é necessário destravar cargos de segundo e terceiro escalão na Codevasf, no Departamento Nacional de Obras contra as Secas, o Dnocs, na Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste e no DNIT.

O apetite, porém, não se atém a isso. Lira também tem ficado incomodado com o governo federal em relação a outros assuntos. Um é o MST: o grupo tem tentado rifar o superintendente do Incra em Alagoas, César Lira, que é primo do presidente da Câmara; um segundo diz respeito à uma disputa para sete vagas do TRF-1. Nove nomes foram indicados e justamente o que havia sido indicado por Lira, o desembargador João Carlos Mayer Soares, ficou de fora.

Para complementar a ira de Lira, ele ficou incomodado com a postura do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, em relação à sua base de apoio na Câmara, já que o ex-senador não vinha atendendo prontamente aos pedidos de reunião, principalmente com os parlamentares da bancada ruralista. Resultado: nesta semana, Lira ameaçou pedir a cabeça de Fávaro ao Palácio do Planalto às vésperas da votação do PL das Fake News.

Diante de tantas demandas, o PL das Fake News tem sido visto por deputados e senadores como meio não somente de Lira pressionar o Palácio por mais espaço – por isso seu empenho – como também desnuda ao governo federal que sua base está longe de ser tão coesa quanto o Planalto imagina. E os números dizem isso.

Dos três partidos do Centrão que detém cargos no governo, o MDB foi mais fiel. Mesmo assim, doze dos 33 parlamentares votaram contra o PT e foram contra a urgência. A situação é pior em PSD e União Brasil. No PSD, dos 31 deputados, 15 foram contra o projeto; no União, 28 dos 59. Em bom português: metade dos deputados do PSD e do União tendem a votar também contra o governo no mérito da matéria.

Esse, inclusive, foi outro recado importante dos deputados ao Planalto. Os 238 votos obtidos na urgência não garantiriam a aprovação da matéria, que depende de maioria absoluta (257 votos). Mais uma dor de cabeça para o governo federal e mais uma chance para Lira mostrar a sua importância ao Palácio do Planalto. Por essa razão, não há garantias que, de fato, o projeto irá ser votado na semana que vem como projetou Lira. Ele indicou a líderes partidários que a proposta somente irá à votação caso o presidente da Câmara tenha certeza de sua aprovação.

Para tentar garantir que o PL das Fake News passará em plenário, o relator do projeto, Orlando Silva (PCdoB-SP), conversou ao longo da semana com 12 bancadas temáticas. As maiores resistências vêm das bancadas ruralistas e evangélica. As duas respondem por aproximadamente metade da Câmara.

Apesar de entenderem que são necessárias regras para as redes sociais e para a divulgação de conteúdos em massa, há um receio nas chamadas bancadas temáticas de que o projeto seja utilizado para censurar conteúdos na internet. O medo maior é dos parlamentares evangélicos. Eles argumentam que após a proposta eles não poderão tocar em temas sensíveis que são abordados nos textos bíblicos, como, por exemplo, a preservação da unidade familiar tradicional: homem, mais mulher e crianças. Nem poderiam se manifestar contra determinadas bandeiras da comunidade LGBTQIA+.

Apelidado de Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet pelo relator, deputado Orlando Silva, o PL das Fakes News começou a tramitar no Congresso em 2020. O texto foi elaborado com a função inicial de coibir a propagação de notícias falsas na internet. Dentro deste escopo, passou a propor legislações capazes de regular big techs que atuam no Brasil, como o Facebook, o Twitter e o Google.

O ponto central das divergências, no entanto, é a quem caberia esta regulação. Esse aspecto tem dificultado a tarefa do relator que até o final da tarde da quinta (27) não havia chegado a um consenso. Dentre as funções dessa possível agência reguladora estaria a possibilidade de aplicar multas, sanções e restringir conteúdos sob alegação de propagação de notícias inverídicas.

Após pressão da bancada evangélica, Orlando Silva resolveu tirar do substitutivo o trecho que previa a instituição de uma “entidade autônoma de regulação” da internet. Esse item também era temido por deputados bolsonaristas, que classificavam a instituição de uma agência como uma espécie de censura prévia do governo federal.

A decisão foi tomada na noite desta quinta-feira, durante reunião entre Silva e Lira, na residência oficial da Presidência da Câmara. Outra alteração que foi feita em virtude da pressão dos evangélicos diz respeito às vedações para a livre prática de expressão religiosa. A bancada da Bíblia chegou a classificar a proposta, antes da mudança, de uma tentativa governamental de se instituir a “cristofobia”.

Você que é da fé, que é da mesma igreja que eu sou, sabe que, nós da Igreja Universal especialmente, os evangélicos em geral, fomos vítimas de fake news a vida inteira. Você que é do bom senso, do equilíbrio, sabe que precisa ter alguma regra. Qual regra? Vamos discutir. Até o momento só vejo muita falácia de gente que não conhece do que está falando”, disse na quinta, 27, o presidente do Republicanos, Marcos Pereira, deputado federal e bispo licenciado da Igreja Universal.

As plataformas também têm reagido. Durante reunião com parlamentares na sede da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, diretores do Google, Meta, TikTok, em uníssono, declararam que o novo texto do PL das Fake News representaria uma ameaça para a internet livre como a conhecemos hoje. Os executivos, um por vez, explanaram os motivos pelos quais a urgência do projeto, que vem sendo debatido na Câmara dos Deputados há três anos, deveria ser rechaçado naquela casa legislativa. O motivo: o tema precisa ser debatido por mais tempo.

O almoço foi a última cartada antes da aprovação, pela maioria simples da Câmara, da tramitação em caráter de urgência da matéria. O pavor das big techs é que ocorra aqui no Brasil o que aconteceu na Europa, que aprovou a Lei de Serviços Digitais, conjunto de regras estabelecidas pela União Europeia, que se tornou referência no tema e inspiração para o PL 2630/2020 de autoria do senador Alessandro Vieira (PSDB-SE).

Durante a conversa com deputados, majoritariamente da direita, todos os diretores foram unânimes em dizer que apoiam a regulação das plataformas e que querem um ambiente mais saudável. Mas questionaram a remoção de conteúdo supostamente falso, com desinformação ou discurso de ódio. “Traz exigências severas caso as plataformas tomem alguma medida que seja posteriormente questionada e revertida”, diz trecho da carta publicada em conjunto pela Mela, Twitter e Mercado Livre na última terça (25).

As empresas se mostram receosas com uma possível “enxurrada de processos judiciais” que levará as plataformas a atuarem com menor rigor na “moderação de conteúdo”, o que tornaria o ambiente “desprotegido do discurso de ódio e da desinformação”.

A moderação de conteúdo on-line é uma tarefa que exige que as plataformas tomem medidas rápidas diante de novas ameaças. Por isso, precisamos de flexibilidade para poder agir para remover conteúdo nocivo. O texto, no entanto, traz exigências severas caso as plataformas tomem alguma medida que seja posteriormente questionada e revertida”, diz a publicação coletiva.

Na reta final até a votação do PL na Câmara, as big techs vêm atuando para sensibilizar usuários contra a nova legislação. Nessa estratégia, TikTok e Google convocaram influencers para atuar nas redes numa campanha por mais debate. Representantes do Twitter se reuniram virtualmente nesta quinta-feira com os deputados Nikolas Ferreira (PL-MG) e Caroline di Toni (PL-SC) após postagem do parlamentar mineiro na rede do passarinho dizendo que a democracia do Brasil está em risco. Até Elon Musk curtiu o tweet.

O risco exato é difícil de medir por antecipação, mas ao menos seria mais prudente ampliar e prolongar a discussão em um tema tão novo e complexo. Ao avançar em um projeto de lei no intuito de enviar uma demonstração de força ao Planalto, Arthur Lira coloca toda a sociedade brasileira na posição de cobaia de um experimento incerto, que pode impactar nos direitos e liberdades dos brasileiros.

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  1. Excelente matéria. Imagem perfeita do ridículo que é nossa política. Há de tudo: chantagem por cargos, atropelo regimental, falta de cumprimento do acordado, infidelidade partidária, chantagem por cargos, proposta de lei estapafúrdia. Enfim, um microcosmos do que temos que aturar entra legislatura, sai legislatura

  2. Uma legislatura de baixíssimo nível moral e intelectual unida a um desgoverno autocrático esquerdista representa um enorme perigo à nossa já combalida democracia.

    1. E o PT malandramente colocou no projeto a transferência dos recursos de publicidade, que iriam para o produtor independente, diretamente para a velha mídia decadente, e assim tem conseguido o apoio cínico dela.

  3. Boa reportagem. Esse tema precisa ser muito discutido com os diversos segmentos mas não deve se prolongar devido aos rápidos acontecimentos que surgem na sociedade. Liberdade com responsabilidade! Quem tem?

  4. Grandes conglomerados de comunicação querem arrancar dinheiro da nova imprensa. O Google e youtube quebrariam se fosse pagar o que as TVs querem por direitos de imagem

  5. Resumindo: A PRESSA É INIMIGA DA PERFEIÇÃO… a criação de leis no atropelo é fonte de injustiças e de destruição do convívio democrático!

  6. E a grande imprensa super feliz com o alívio que a grana que esse PL vai render, por outro lado, o PT finalmente conseguirá definir os assuntos que podem ser tratados livremente pelas pessoas.

  7. LIRA O FICHA SUJA DO PP DE CIRO NOGUEIRA .OS 🐀🐀 SEM CARA TER FORAM OS QUE CORRERAM ASSINAR .SÓ ESCO RIAS

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