Ichiro Guerra/PTFesta de 43 anos da sigla: eles acham que as condições subjetivas para uma guinada à esquerda estão reunidas

O PT voltou

O partido não vai trilhar o caminho da recuperação democrática. Vai insistir no que sabe fazer. Um abismo puxa outro abismo
31.03.23

O Brasil Voltou” é o lema da propaganda oficial. Claro que, depois do desastre que foi Bolsonaro em todas as áreas (sobretudo na pandemia), qualquer governo normal seria visto com bons olhos pelo mundo civilizado. Mas o marketing lulista é grandiloquente. Anormal.

O Brasil é um parceiro importante, mas não é o grande arquiteto da paz universal, o principal player de um novo mundo multipolar, a potência ambiental que vai salvar a espécie humana da extinção. Soa sempre ridículo querer se meter de pato a ganso.

O mundo civilizado começou a desconfiar do governo Lula a partir das suas besteiras repetidas sobre a Ucrânia, de que Volodymyr Zelensky era tão responsável pela guerra quanto o invasor Putin. Objetivamente, isso foi encarado, pelas democracias liberais, como uma posição pró-Rússia.

Agora Lula quer oferecer o Brasil como aliado da ditadura chinesa para alterar a correlação de forças no cenário internacional a favor das autocracias e contra os Estados Unidos e as democracias liberais da Europa. Além de estar errada é uma posição megalômana.

O Brasil não tem esse tamanho, nem essa importância no cenário internacional. E não pode querer se apresentar como o que não é chantageando seus aliados democráticos históricos em nome de uma ideologia anti-imperialista mofada e de um projeto pirado de Sul Global.

Um país democrático deve manter relações comerciais com todos os países (a menos quando há sanções internacionais por razões humanitárias ou democráticas). Do ponto de vista político, isso não pode ser desculpa para se aliar a ditaduras ou não condenar autocracias. Democracias têm de defender democracias.

O Brasil defende as democracias? Não! O governo Lula não tem como seus principais aliados políticos os países com regimes democráticos liberais ou de democracia plena.

Quais são esses países? Democracias liberais (segundo o V-Dem 2023, da Universidade de Gotemburgo) são: Alemanha, Austrália, Barbados, Bélgica, Chile, Costa Rica, Chipre, República Tcheca, Dinamarca, Espanha, Estônia, EUA, Finlândia, França, Islândia, Irlanda, Israel, Itália, Japão, Letônia, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Reino Unido, Seicheles, Eslováquia, Coréia do Sul, Suécia, Suíça, Taiwan, Uruguai.

Quem não concorda com os critérios classificatórios do V-Dem, pode verificar a lista das democracias plenas (as full democracies, segundo a The Economist Intelligence Unit 2022): Alemanha, Austrália, Austria, Canadá, Chile, Coreia do Sul, Costa Rica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Islândia, Japão, Luxemburgo, Maurício, Noruega, Nova Zelândia, Reino Unido, Suécia, Suíça, Taiwan, Uruguai.

Existem cerca de vinte países cujos regimes aparecem nas duas listas (democracia liberal do V-Dem 2023 e democracia plena da EIU 2022). Sobre seu status democrático, portanto, não há dúvidas.

Mas tais não são os aliados preferenciais da democracia eleitoral brasileira parasitada pelo lulopetismo, que usa o biombo dos interesses comerciais e das razões geopolíticas para esconder suas predileções por autocracias fechadas ou eleitorais (como China, Rússia e Índia). Como união comercial, não há problema com os Brics. Como biombo político para ensejar a articulação de um bloco de uma segunda Guerra Fria, só há problema.

E o governo Lula ainda acrescenta, aos interesses comerciais e às razões geopolíticas (de realpolitik), argumentos sentimentais, apelando para seu histórico de alianças com ditaduras amigas (como Cuba, Venezuela, Nicarágua ou Angola – sem dizer que parte da sua militância namora, confessada ou inconfessadamente, com Palestina e até com a Síria, quando não admira o Hamas e o Hezbollah).

Houve, porém, uma mudança recente.

Antes muitos petistas defendiam ditaduras de esquerda com alguma discrição. Havia até um laivo de vergonha de fazer isso. Agora não. A questão não é por que Lula e os dirigentes e militantes petistas continuam defendendo ditaduras e sim por que perderam toda a vergonha de fazê-lo.

Essa questão é chave para entender a disposição atual do PT. O organismo, autocentrado, tendo como principal imperativo sua própria sobrevivência, acha que errou ao apostar num pacto pluriclassista e ao transigir com a democracia liberal (que encara, intramurus, como “burguesa“).

Isso teria desfibrado o partido para resistir ao golpe das elites, ficando vulnerável a tantos reveses no período 2013-2018. Não querem mais cometer esses erros. E acham que, com a eleição de Lula, têm a chance de ouro de retomar sua estratégia de se delongar no poder.

Ou seja, eles acham que as condições subjetivas para essa guinada à esquerda estão reunidas. E, como pensam a partir de variáveis ligadas à manutenção do próprio organismo, estão pouco se lixando para a falta de condições objetivas para tanto. É agora ou nunca, pensam.

Pensam errado. Há uma fratura social extensa e profunda no Brasil que não poderá ser resolvida pelo voluntarismo do organismo de se afirmar como centro hegemônico da política. Só a pacificação poderia fazer o PT recuperar seu status de player legítimo e reconquistar a admiração de uma maioria expressiva da população.

O PT, entretanto, não vai trilhar esse caminho da recuperação democrática. Vai insistir no que sabe fazer. Um erro, não raro, leva a outro erro. Um abismo puxa outro abismo.

Quando muitos brasileiros dizem temer que Lula nos leve a um governo comunista, eles não estão se referindo ao comunismo stricto sensu, quer dizer, à utopia marxista do reino da liberdade e da abundância, numa sociedade sem Estado (e sem política – o que é um horror, mas vá-lá). Não. Estão se referindo aos regimes da Venezuela, Nicarágua ou Cuba. Claro que estão errados. É muito improvável que isso aconteça no Brasil (dada a complexidade de nossa sociedade) e, inclusive, que tal seja o propósito do PT. O partido quer apenas se delongar no governo indefinidamente. Para quê mesmo? A falta de resposta para essa pergunta deveria, ao contrário de nos tranquilizar, disparar um alerta. Hannah Arendt (1951), estudando as maiores experiências autoritárias do século 20 (em Origens do Totalitarismo), concluiu que “um objetivo político que constitua a finalidade do movimento totalitário simplesmente não existe”.

O perigo é que – de volta ao governo – o PT possa nos levar, por tolice ou “natureza” (de escorpião), a um cenário peruano de guerra civil fria permanente. É o que ele sabe fazer: praticar a política como uma continuação da guerra por outros meios, na base do “nós” contra “eles”.

Explica-se. O PT é fruto da Guerra Fria. Mesmo com o fim da primeira grande Guerra Fria (1960-1990), não conseguiu sair do ambiente tóxico por ela criado. Tanto é assim que não viu passar os anos 90, aquela maravilhosa janela que permaneceu aberta, por uma década, para a humanidade poder respirar, até que fosse fechada pelo atentado às torres gêmeas do World Trade Center. Quando chegou ao poder, na onda do florescimento dos populismos de esquerda, no dealbar do século 21, o PT retomou sua maneira de ver e interagir com o mundo dos anos 80, antes da queda do muro de Berlim.

Sim, a situação mudou, mas o PT não. Voltou dizendo-se pronto a lutar contra o fascismo. Fascismo?

As duas grandes ameaças à democracia do século 20 foram o comunismo e o fascismo. A rigor, não existem mais no século 21 – a não ser vestigialmente. Seus sucedâneos são o neopopulismo (o populismo de esquerda) e o populismo-autoritário (de extrema direita).

Para alimentar a Guerra Fria, o comunismo se justificou como uma luta contra o fascismo que já havia sido derrotado na Segunda Guerra. O muro de Berlim, erigido em 1961, se chamava Antifaschistischer Schutzwall (Muro de Proteção Antifascista).

Os populismos do século 21 continuam justificando-se como uma luta contra o fascismo (que, repita-se, a rigor, não existe mais). Putin, um misto de populista-autoritário com neopopulista, caracteriza sua invasão militar da Ucrânia como uma luta contra o fascismo.

O conglomerado de grupos de esquerda chamado Antifa (tentando ressuscitar o nome do Antifaschistische Aktion do KPD – Partido Comunista Alemão de 1932) se propõe a lutar contra o capitalismo, o racismo, o sexismo e a LGBTfobia, mas na verdade se opõe às democracias liberais.

Não há nada de revolucionário nisso. O PT é um partido reacionário, que volta para retomar sua trajetória interrompida pelo impeachment e para se vingar daqueles que imagina que foram os responsáveis por bloquear seu glorioso caminho. Só assim se explica sua sanha destruidora de quem não se ajoelha diante do seu Príncipe para lhe prestar vassalagem.

Apenas um exemplo atual: a campanha de destruição de Sergio Moro. Os democratas liberais ou plenos (quer dizer, não populistas) nada temos a ver com Moro (que, de resto, é um analfabeto democrático). Mas as investidas de cerco e aniquilamento de Moro promovidas pelo PT não vão salvar Lula da falsa acusação de que a operação da PF contra o PCC foi armação do ex-juiz. Por maior que seja o ataque destrutivo, não apagará o que Lula fez. Há acusação com provas de que a ação da PF foi armação de Moro, como Lula falou? É disso que se trata. Se Moro rouba ou mata desde criancinha é outro assunto. Se faz isso tem que ser punido pelos órgãos competentes, observando-se o devido processo legal. Não somos da polícia, do MP ou do Judiciário.

O comportamento do PT, neste e em outros casos, é uma mostra alarmante do que o partido é capaz de fazer contra os que contrariam seu Duce. Neste exato momento, está promovendo swarm attacks para destruir pessoas, de maneira semelhante ao que faz a extrema direita, aqui e alhures. Vai se revelando assim uma força maligna, muito perigosa para a democracia posto que não aceita qualquer oposição.

O que sabemos até agora é que “O PT Voltou“. Um Brasil mais democrático, livre da guerra civil fria que joga uma parte da nossa população contra outra, disposto a se juntar à coalizão de democracias liberais contra as autocracias, ninguém sabe quando voltará.

 

Augusto de Franco é escritor

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  1. O PT deveria ter acabado quando se descobriu mensalão e petrolão, tido seu registo cassado e considerado organização criminosa. Não acontecendo isso, deveria ter feito uma auto-crítica e emitido um mea culpa a sociedade. Não tendo feito nada disso, arrogante, cometerá os mesmos erros de antes, pelos quais pagaremos todos.

  2. Excelente! #lulaebolsonarosaobandidoslesapatria #bolsopetismoélixo Zeus nos livre dessa gente na próxima eleição. Sou #lavajato !

  3. Logo no início do texto já me dá preguiça ler o resto, porque sei que será parcial em alguma medida. Falar que o Governo anterior foi ruim, ou é ignorância ou mau caráter. Se falasse que a figura do Bolsonaro é uma caricatura boquirrota, concordo plenamente, mas daí confundir a pessoa com o Governo, só demonstra o quão rasa é a análise. Todos governos tem erros e acertos, isso é inexorável, mas o Governo anterior, no balanço geral (economia, emprego, segurança, balança comercial) foi muito bom

  4. Se o senhor considera Moro um analfabeto democrático, deveria escrever um texto explicando o porquê. Não me parece que um homem que abandona um cargo de ministro de Estado porque o chefe estava interferindo em uma instituição seja um analfabeto democrático. Essa afirmação é mais um argumento ad hominem do que referente ao que o senador alega defender.

  5. Pra mim, além de inviabilizar o Bozo (justa e merecidamente), querem inviabilizar o Moro e assemelhados, pois são os que podem fazer frente a ele na disputa eleitoral. Com isso vão deixando o eleitor sem opções, somente com uma "oposição" fraca. Como já disse um deputado, deus me livre ser oposição! Por isso sou parlamentarista. Isso reduz o populismo e só tem governo com maioria. Perdeu a maioria, o primeiro ministro cai, muda o governo e vida que segue. Não é perfeito, mas topo tentar.

  6. Um Pustsa resumo da situação. Quem dera eu escrevinhasse um texto igual a esse. Juro que escrevo sem ironia, é só inveja mesmo.

  7. O PT voltou, então o amor venceu e a luta contra a burguesia continua. É isso o que eles pensam, e é com base nisso que agem. Não vai dar certo!

  8. O lulopetismo é ainda pior que Bolsonaro. Como você mesmo disse, Augusto, o PT é um "organismo". (E Bolsonaro é só um: o Bozo).

  9. O que o PT não entende ou esconde, é que num universo de 156 milhões de eleitores ele teve 61 milhões de votos. Pouco menos de 39% do eleitorado. E venceu a eleição com uma margem de menos de 2%. Some-se aí quem nele votou apenas para se livrar de Bolsonaro. Pacificar o país seria bom pra eles eleitoralmente. Mes preferem continuar apostando e investindo na divisão. Vai dar MERDA.

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