ReproduçãoJair e Eduardo Bolsonaro, à frente, Gilson Machado e Tercio Arnaud Tomaz, em comitiva para o CPAC

Você foi enganado: Trump e Bolsonaro não são conservadores

Os dois ex-presidentes são caracterizados pela imoderação, imprudência e irresponsabilidade
03.03.23

A participação dos ex-presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro no CPAC (Conferência de Ação Política Conservadora, na sigla em inglês) no início de março contribuiu para ratificar um grande equívoco: a de que ambos seriam conservadores. Ledo engano. Os dois representam outro tipo de ideia.

Para começar, é preciso enfatizar que cada país tem a sua própria tradição política conservadora. Por essa razão, não é possível considerar o conservadorismo como sendo uma mesma coisa em todos os países ocidentais. É um fenômeno distinto, portanto, do que com o que acontece com o liberalismo clássico e com o socialismo marxista, os quais têm uma identidade global. Cada conservadorismo está necessariamente vinculado à história, às tradições, à cultura social e política de cada nação. Sem esses fundamentos que vinculam a posição política conservadora ao país de origem, não há conservadorismo.

Apesar da exigência desse vínculo local que singulariza cada tradição conservadora, há fundamentos comuns e essenciais que vinculam os vários conservadorismos no Ocidente. São elementos que atribuem natureza, forma e conteúdo ao conservadorismo e servem de parâmetro para definir se um movimento, partido ou indivíduo é ou não é conservador.

Alguns dos principais fundamentos do conservadorismo são o tradicionalismo, organicismo, ceticismo, prudência. Em resumo bem resumido:

1) o tradicionalismo é o respeito que o conservador tem pelo passado, entendido como um sábio conselheiro, e pelas tradições virtuosas que nos foram legadas, e não toda e qualquer tradição, o que faz com que o conservador seja contrário à revolução, no sentido moderno do termo;

2) o organicismo é a visão conservadora do indivíduo não como um ser individualista e atomizado, mas como ser humano social que vive, identifica-se e relaciona-se socialmente com as outras pessoas tendo como vínculo comum a história, tradições, cultura, idioma, costumes, hábitos, normas, instituições;

3) o ceticismo conservador é baseado na ideia de que o conhecimento político que se pode adquirir é limitado, que esse conhecimento também deve ser prático e não exclusivamente teórico, e que está fundamentalmente vinculado à vida concreta em sociedade. Não pode o conservador, portanto, formular e tentar implantar teses políticas idealizadas, abstratas e desvinculadas da experiência real da comunidade da qual faz parte;

4) a prudência, no conservadorismo, é uma combinação da concepção de Aristóteles sobre a virtude intelectual e virtude moral, ou seja, a prudência entendida como a virtude da boa deliberação e da escolha dos instrumentos adequados para garantir a retidão dos meios e dos fins pretendidos.

Feita essa explicação e cotejando os elementos fundamentais e comuns dos conservadorismos com o histórico político de Trump e Bolsonaro, é possível perceber por que eles não podem ser considerados conservadores. A dissociação torna-se ainda mais profunda quando analisamos postura, linguagem, retórica e atos políticos de ambos usando como parâmetro as tradições conservadoras americana e brasileira.

Tomando como base dois livros importantes para a compreensão do conservadorismo americano, nem com muito boa vontade é lícito qualificar Trump como conservador, seja a partir dos dez princípios conservadores explicados por Russel Kirk em A Política da Prudência (É Realizações, 2013) seja pela impossibilidade de localizá-lo dentro da história do conservadorismo americano descrita por George H. Nash em O Movimento Intelectual Conservador na América – Desde 1945 (LvM/Clube Ludovico, 2023).

Ideologicamente, nem sei se é possível qualificar Trump. Com uma atribulada trajetória empresarial, o americano sempre foi um hábil e agressivo negociador, e assim se comportou como presidente. Ao perceber que havia uma lacuna política no Partido Republicano e no seio de seu eleitorado mais pobre, Trump construiu uma agenda política baseada no “Make America Great Again”, slogan que foi copiado dos conservadores ingleses, o “Make Britain Great Again”, usado na eleição de 1950.

O interesse de Trump, no entanto, parece ser sobretudo em ter e exercer o poder político. Talvez quem melhor o tenha definido foi o conservador William F. Buckley Jr., que, num artigo publicado no ano 2000 pela revista Cigar Aficionado, descreveu Trump como demagogo e narcisista. E, na histórica edição em 2016, a revista National Review posicionou-se contra a eleição de Trump e o descreveu como um oportunista que destruiria, com seu populismo, “o amplo consenso ideológico conservador dentro do Partido Republicano. A revista estava certa.

No caso de Bolsonaro, a mentira do político “conservador” começou a ser disseminada publicamente com maior visibilidade na campanha eleitoral de 2018. O próprio Bolsonaro citou poucas vezes a palavra conservador e não lembro se alguma vez ele tenha se definido como tal, mas o crescimento avassalador do número de apoiadores fez com que o termo ganhasse amplitude para qualificar a ele e quem o apoiasse, mesmo que ignorassem o que é ser conservador.

Bolsonaro não é conservador não apenas porque seus posicionamentos e atuação política não se enquadram nos fundamentos do conservadorismo, nem na tradição do conservadorismo brasileiro que existiu no século 19. Bolsonaro e seus apoiadores não guardam qualquer identificação com as bases e ideias dos conservadores brasileiros da nossa tradição apresentadas no livro Os Construtores do Império, de João Camilo de Oliveira Torres, e no ensaio Evolução Histórica do Conservadorismo no Brasil, de autoria de Alex Catharino e publicado como posfácio à edição brasileira do livro A Mentalidade Conservadora: de Edmund Burke a T. S. Eliot, de Russell Kirk (É Realizações, 2020).

Bolsonaro também não é conservador porque representa uma mescla de positivismo militar do início do século 20, do jacobinismo florianista daquele mesmo período e do tipo de populismo criado por Steve Bannon. Sendo uma combinação dessa curiosa mistura ideológica, Bolsonaro jamais poderia ser conservador.

Portanto, a cosmovisão política radical de Trump e Bolsonaro, como uma resposta às ideologias revolucionárias e grupos radicais contra os quais eles se insurgem, não tem qualquer resquício de conservadorismo, pelo contrário. A imoderação, imprudência e irresponsabilidade de ambos na vida política são o contrário do que é ser conservador e agir politicamente de forma conservadora. No fundo, ambos pensam e comportam-se politicamente como o produto reverso dos seus inimigos revolucionários e não segundo uma disposição e perspectivas conservadoras.

De fato, Trump e Bolsonaro têm suas semelhanças e foram elas que os aproximaram. Mas, repito, nada disso tem a ver com conservadorismo. Que eles, fora do poder, se encontrem no CPAC é explicável: o evento, que já foi conservador, converteu-se num satélite do trumpismo e, por essa razão, permitiu que sua edição brasileira fosse concebida e realizada para ser bolsonarista. Não vejo problema nisso, desde que o CPAC e os apoiadores de Trump e Bolsonaro não enganem a audiência ao usar o termo conservador para descrever o evento e aquilo que defendem.

 

Bruno Garschagen é cientista político, professor, autor dos best-sellers Pare de Acreditar no Governo e Direitos Máximos, Deveres Mínimos, e especialista em pensamento conservador

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  1. Apesar de ser um político de "longa data" o BOZO não tem nada de nada....ele não é CONSERVADOR...não é DIREITA....ele é apenas mais um ALOPRADO AUTORITÁRIO que se viabilizou por absoluta falta de uma liderança minimamente carismática e aí...resto da história deu no que deu. O LULOPETISMO o elegeu e o caricato BOZO devolveu a gentileza 4 anos depois conseguindo perder pra um "descondenado" que foi alçado a condição de elegível por quem sentia-se ameaçado pelas rompantes do BOZO...o JUDICIÁRIO.

  2. De fato, Bolsonaro não tem nada de conservador. O bolsonarismo surfou na onda do anti-petismo e se aproveitou da ignorância de uma enorme parcela da população que logo se transformou em massa de manobras. Difere do Trump apenas nos saldos patrimoniais. De resto existem muitas semelhanças. Ambos são fanfarrões e arrogantes e denonstram total desprezo as instituições

  3. Garschagen pulou fora do barco bolsonarista? Quando ele defendia incondicionalmente o mito, seria incapaz de assinar um texto desses. Volátil, não?

  4. Muito bom artigo! Só gostaria que esse passado fosse enterrado de uma vez. Lamento a volta de Lula ao poder, porém esse louco, tem lugar próprio para ele se instalar para todo o sempre, chama-se Manicômio.

    1. Muito bom esse artigo. Como pode-se notar por quase nenhum comentário, como o conservadorismo é desconhecido nesse país. Sem educação, sempre caminharemos pelo populismo de araque que vivenciamos há pelo menos 20 anos.

  5. Excelente artigo. Como sempre. Grande Bruno. Você sim deveria encabeçar um Instituto Conservador, para o real aperfeiçoamento do assunto é propagação dos princípios na vida pública.

  6. Isso é irrelevante para o público, que ignora o que é ser conservador. Outra característica de ambos que é completamente contrária ao conservadorismo é o seu ímpeto revolucionário (na ânsia de manutenção e/ou ampliação do poder próprio, claro).

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