Divulgação"O Porto de Santos tem em caixa 1,8 bilhão de reais. Esses recursos são suficientes para os investimentos"

Quem falou em privatização?

Sérgio Aquino, presidente da federação que reúne as empresas privadas que operam nos terminais brasileiros, afirma que o Porto de Santos precisa reduzir a burocracia e acabar com as nomeações políticas, mantendo a administração pública 
17.02.23

Há cinquenta anos, Sérgio Aquino começou a trabalhar como empregado na Companhia Docas de Santos, a administradora e concessionária do maior porto do Brasil. Desde então, passou a maior parte do tempo no setor empresarial portuário. Atualmente, Aquino é o presidente da Federação Nacional das Operações Portuárias, Fenop, que congrega as empresas que operam e investem nos terminais brasileiros.

Apesar de ser um representante da iniciativa privada, Aquino não defende a privatização do Porto de Santos. Segundo ele, esse modelo não foi bem-sucedido no resto do planeta. Em vez disso, ele pede a desburocratização dos processos, a descentralização, a recuperação dos conselhos de autoridade portuária, o envolvimento dos governos estaduais na gestão e mudanças na legislação do trabalho portuário. “O problema que temos em Santos é que funções fundamentais, como a de fazer um plano de desenvolvimento, decidir projetos de investimentos ou realizar licitações para arrendar áreas e definir as tarifas dependem de funcionários lotados em Brasília”, diz ele. Com formação em administração e direito, Aquino conversou com Crusoé pelo telefone.

 

No governo de Jair Bolsonaro, um projeto de privatização do Porto de Santos avançou com a promessa de 20 bilhões de reais em investimentos e 60 mil novas vagas de trabalho. Como estão as coisas agora?
É inadequado falar em privatizar o Porto de Santos. Quando se fala nisso, a impressão é que um processo estaria sendo iniciado, mas não. Desde 1993, com a lei 8.630/93, é a iniciativa privada que movimenta as cargas, investe e opera os terminais. Então, é preciso desmistificar isso. A proposta do governo anterior (de Jair Bolsonaro) era privatizar a administração portuária, que explora a atividade por meio dos arrendamentos, realiza o planejamento e a prestação dos serviços condominiais, como fazer as dragagens e melhorar os acessos. Mas esse não é o modelo mundial. Como regra geral, os grandes portos do planeta são administrados pelo poder público. O único país que fez aquilo que o Brasil estava caminhando para fazer é a Austrália, que enfrentou sérios problemas por causa disso. Tanto que nenhum outro país seguiu o exemplo dos australianos. Todos os portos da América do Norte, da Ásia e da Europa — exceto na Inglaterra, que somente tem portos privados — são de administração pública. 

A Fenop chegou a se manifestar contra esse projeto de privatização?
A Fenop não se opôs. Nós apenas sinalizamos que o caminho no resto do mundo tem sido outro. Porém, uma vez que o governo havia se decidido, atuamos para propor melhorias. Nossa lógica era evitar problemas e fazer aquilo que fosse possível. Mas o Tribunal de Contas da União, TCU, parou o processo de privatização e o novo governo federal (de Lula) vai repensar o tema. Nós então sugerimos que isso ocorra sem ideologia partidária. Temos problemas no sistema portuário e precisamos resolver.

DivulgaçãoDivulgação“Em outros portos do mundo, é comum que os diretores fiquem no cargo por 20 ou 30 anos”
A administração pública em Santos é eficiente?
A legislação brasileira prevê duas formas de exploração da atividade. Uma é o porto privado, em que não há interferência pública no negócio, pois todos os bens são privados. A outra é o do porto de propriedade pública, que na prática é uma parceria público-privada. Nessa modalidade, o poder público é dono da área e faz as licitações de arrendamento. A iniciativa privada investe no terminal e realiza a operação. O problema que temos em Santos é que funções fundamentais, como a de fazer um plano de desenvolvimento, decidir projetos de investimentos ou realizar licitações para arrendar áreas e definir as tarifas dependem de funcionários lotados em Brasília. Uma medida provisória editada pela presidente Dilma Rousseff, em 2013, centralizou tudo na capital federal e engessou o sistema. Com isso, o modelo brasileiro vai na contramão das melhores práticas mundiais, que garantem a autonomia administrativa e financeira local para os seus portos e permitem que questões estratégicas sejam definidas por conselhos locais.

É um problema generalizado?
Na maior parte, sim, pois a legislação é nacional. Porém alguns portos, mesmo com administração pública, como Paranaguá, Suape e Itaqui, são mais eficientes e têm sido premiados. Isso ocorre porque eles estão sob o controle dos estados. Como a administração fica mais próxima, as decisões são mais ágeis e a comunidade local é mais atuante. Mas todos no Brasil precisam lidar com alguns obstáculos. Um deles é a nomeação de diretores baseada em questões político-partidárias. Com exceção do segundo mandato de Lula, do primeiro governo de Fernando Henrique e do de Jair Bolsonaro, tivemos administrações muito influenciadas pela política. Diretores foram escolhidos por partidos, por um deputado ou por um senador. Outro fator de reclamação é a questão laboral. Há trabalhadores avulsos, que atuam em alguns períodos, quando querem, e funcionários permanentes. Acontece que, quando uma empresa quer contratar pessoas em regime permanente, a legislação a obriga a oferecer as vagas exclusivamente para os avulsos. Se esses últimos rejeitam a oferta por qualquer motivo, a companhia não pode recrutar outras pessoas no mercado. É um contrassenso em um país que precisa gerar empregos.

Por que as nomeações políticas são indesejáveis?
Quando o governo muda, toda a diretoria é trocada. Com isso, perde-se todo o planejamento que tinha sido feito. Não há continuidade. Para evitar isso, a Fenop propõe que as nomeações de diretores dos portos dependam do parecer de um conselho composto por representantes da comunidade empresarial, dos entes públicos e dos trabalhadores. Isso geraria constrangimento e evitaria trocas meramente políticas. Em outros portos do mundo, é comum que os diretores fiquem no cargo por 20 ou 30 anos. No Brasil, não é assim.

E aqueles investimentos prometidos com a privatização, de 20 bilhões de reais?
Nas discussões que ocorreram no passado, não se constatou que efetivamente era necessário fazer a privatização para que esses investimentos ocorressem. Um porto eficiente dá resultado e lucro, que pode ser reinvestido em benefício da operação e da comunidade. Hoje, o Porto de Santos tem em caixa 1,8 bilhão de reais. Esses recursos são suficientes para os investimentos que se mostraram necessários. A malha ferroviária já foi equacionada com a implantação de uma nova empresa consorciada privada. Na parte de dragagem, é preciso garantir as profundidades necessárias e seguir com os estudos para aprofundar o canal. E há dinheiro para isso. Há problemas na acessibilidade terrestre, mas aí contamos com o governo federal para construir viadutos. Dentro do porto, o que precisamos é de eficiência de gestão e desburocratização. 

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  1. Interessante que nenhuma referência à ineficiência e à corrupção, que tanto desperta o interesse político no porto, foi feita. Parece uma visão mais corporativa do que gerencial.

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