Marcelo Cortes/CRFGabigol celebra após marcar gol na partida de disputa pelo terceiro lugar no Mundial de Clubes

Em busca do título perdido

Ganhar o Mundial de Clubes está tão difícil que a armadilha de buscar no passado uma chance de ser campeão vai se tornando irresistível
17.02.23

Os jogadores do Flamengo firmaram um pacto: serão campeões da Libertadores mais uma vez, para poderem voltar a disputar o Mundial de Clubes da Fifa. Isso não garante que eles vão conseguir o bicampeonato continental, muito menos que ganharão o Mundial — que terá 32 times em vez de seis e será ainda mais difícil —, mas o que você diria depois ser eliminado pelo inexpressivo Al Hilal diante do mundo inteiro? Ganhar o Mundial de Clubes se tornou tão difícil para os brasileiros nos últimos anos que a armadilha de buscar no passado uma chance de ser campeão vai se tornando irresistível.

O Palmeiras ainda tenta convencer todo mundo de que o triunfo na Taça Rio (ou Torneio Internacional de Clubes Campeões) lhe rendeu o primeiro mundial interclubes da história, em 1951. Mas o modelo e as condições do torneio não se encaixam no que hoje se considera um mundial — os representantes brasileiros foram os campeões de São Paulo e Rio de Janeiro, e não de um campeão nacional, muito menos continental; além disso, vários dos maiores campeões europeus, como o inglês Tottenham e o espanhol Atlético de Madrid, não participaram da disputa, por problemas de agenda.

O Fluminense também ganhou a Copa Rio, de 1952, e também buscou seu reconhecimento como mundial, em 2021. Nada feito. A mobilização para recuperar o título perdido começou em 2012, quatro anos depois do trauma de perder a final da Libertadores em casa para a LDU, nos pênaltis. O Botafogo é outro que pleiteou, em 2020, o reconhecimento das conquistas da Pequena Taça do Mundo, em 1967, 1968 e 1970. É de se imaginar confrontos épicos no Triangular de Caracas, que era disputado na Venezuela. Em 1967, os botafoguenses bateram o Barcelona e o Peñarol. No ano seguinte, superaram Benfica e a seleção argentina. No tricampeonato, venceram a seleção soviética e o Spartak Trnava. Mas a Fifa não se emocionou com a história.

Ainda na seara do “de volta para o futuro”, o Palmeiras se tornou formalmente, em 2010, o maior campeão brasileiro, ao lado do Santos, com oito taças cada, graças ao reconhecimento, pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), de seus títulos brasileiros anteriores a 1971 — desde então, ganharam mais três campeonatos brasileiros.

Como o Supremo Tribunal Federal (STF) comprovou na semana passada, ao aprovar a cobrança retroativa de um imposto já descartado, até mesmo o passado é incerto no Brasil. A sorte dos clubes é que, dentro de campo, isso não faz lá tanta diferença. Como diria Rubem Braga, os maiores times do Brasil são fruto de suas histórias, inclusive — e principalmente — de seus piores momentos.

A moda agora é considerar mundial de clubes apenas as competições organizadas pela Fifa desde 2000 — apenas Corinthians, São Paulo e Internacional teriam alcançado a glória entre os brasileiros. Pois a Fifa poderia desconsiderar todos os campeões do mundo até essa data, que não apagaria aquela madrugada de 1993 em que eu, aos 10 anos de idade, me tornei bicampeão do mundo para, na manhã seguinte, acordar sem saber o que era sonho ou realidade. Meus delirantes murros no travesseiro — que eram mais como um abraço carinhoso em Müller — continuarão a ecoar silenciosos ainda que a federação opte por negá-los.

Um troféu não se compara a um sentimento e muito menos à recordação de um momento que volta sempre no replay daquele gol de costas, que é a minha mais saborosa memória futebolística, o prazer delicioso sem noção da sua causa, que nos coloca em contato com nossa própria essência, nos liberta da mediocridade e nos torna imortais ou qualquer outra coisa que Proust tenha escrito para descrever o momento em que comia seu bolinho com chá. Não tem CBF ou Fifa que mudem isso, nem eu preciso que elas me digam se minha lembrança está em posição legal.

Os clubes que buscam reconhecer a firma de suas glórias em cartório têm lá suas razões mercadológicas, mas caem numa armadilha do presente e desrespeitam o próprio passado ao pensar no futuro. O Flamengo tinha o melhor time de 1987, mas o STF deu ganho de causa para o Sport na disputa pela Copa União. Os rubro-negros pernambucanos têm todo o direito (legal) de celebrar o título — e os rubro-negros cariocas também, especialmente os que viram o Flamengo de Zico superar o Internacional de Amarildo, porque isso foi coisa julgada pela história e pelo sentimento de quem viu. É a coisa jogada.

O mesmo podem alegar os corintianos sobre o mundialito de 2000 — ou talvez, nesse caso, seja exagero demais. O resto é história.

 

Rodolfo Borges é jornalista

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  1. Os títulos de 50 e 60 devem ser valorizados por si só, pois eram, de fato, relevantes, não se podendo comparar a meros torneios amistosos como são os mesmos tipos de torneio atuais, que não têm mais valor do que de preparação de pré temporada. Tentar equipará-los a mundiais é infrutífero, inútil e anacrónico.

  2. Esse "ceara" pegou mal mesmo. Espero que os redatores corrijam logo essa falha, mas não me impede de comentar sobre a ideia de que o brasileiro ainda acredita que o Brasil é a melhor Seleção do Mundo. Faz tempo que não fazemos valer este título.

    1. Subscrevo seu comentário: "ceara" é do caramba... Vamos ter mais cuidado com última flor do Lácio!

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