Tiago Queiroz/Estadão ConteúdoO movimento em uma rua comercial de São Paulo: o Brasil já não é um país jovem

É a demografia, estúpido 

Enquanto discutimos o regresso ao crédito subsidiado como grande estratégia de crescimento, corremos o risco de nos tornar um país velho e pobre
17.02.23

Quando George H. W. Bush venceu a guerra no Iraque, repelindo a invasão do Kuwait por Saddam Hussein, sua taxa de aprovação chegou a incríveis 89%, a maior da história dos presidentes americanos até então. Este número viria a ser superado apenas em 2001, na presidência de George W. Bush, em meio aos atentados de 11 se setembro.

A presidência de Bush pai foi marcada por alguns dos eventos mais relevantes do século, como o colapso da União Soviética e o massacre da Praça da Paz Celestial, na China. Ainda assim, mesmo surfando com o fim da guerra fria, Bush viria a perder a eleição de 1992, por um motivo em especial: a economia.

Um dos três slogans de campanha adotados por Bill Clinton, viria a ser o famoso “É a economia, estúpido!”, uma criação de seu marqueteiro de campanha, James Carville.

Nesta única frase de efeito, cunhada para ser um slogan interno entre os trabalhadores que apoiavam o partido Democrata, a campanha de Clinton traduziu o sentimento americano em meio a uma recessão econômica iniciada em 1991.

Ideologias à parte, os americanos estavam mais preocupados com seu poder de compra derretendo do que em vencer a Guerra Fria.

Desde então a, a frase tornou-se célebre por traduzir em uma linguagem culta e “semi-ofensiva” (ou até mesmo educada, quando comparada a uma hora no trânsito de qualquer capital brasileira), um sentimento comum.

Em se tratando de Brasil, poucas coisas traduzem melhor nossa economia do que uma outra palavra: a demografia.

Imagine por exemplo que entre 1997 e 2017 o Brasil cresceu pífios 2,3% ao ano. Desse valor, cerca de 1,7% veio de apenas um fator: o aumento populacional.

O restante tem origem na produtividade, um fator relegado e que não registra crescimento há quase cinco décadas.

De fato, se excluímos a produtividade do setor primário, veremos uma queda na produtividade. Isso explica, por exemplo, o motivo de entre 1985 e 2017 o salário real do trabalhador brasileiro ter caído 4%. Sim, em quase 3 décadas, o valor que um brasileiro recebe por seu trabalho caiu. 

Para piorar a situação, nossa demografia sabidamente não tem colaborado, ou melhor, começa a jogar contra. O crescimento da população tem se aproximado de zero (algo que se estima deva ocorrer em 2031), o que reduz o crescimento “natural” do país para cerca de 1% neste momento, devendo chegar a 0.5% ao final da década, se nada for feito.

É este o país que Lula e seu partido assumiram em 2023, um país que luta para evitar um fim trágico: se tornar um país velho e pobre.

Imagine por exemplo que em 1965, a população brasileira possuía uma idade média de 18,5 anos. Duas décadas depois, ainda éramos um país jovem, com 21,4 anos de média de idade. Na virada do século, quando Lula tornou-se presidente a primeira vez, tínhamos em média de 26,4 anos. Por fim, em 2022, chegamos a 34 anos.

O país que Lula assumiu em 2023 é, portanto, um país quase 8 anos mais velho.

O impacto disso, claro, se espalha para diversas áreas. Uma população mais idosa implica mais custos com saúde, uma população ativa que contribui para a previdência menor, além de gastos sociais maiores com aposentadorias, pensões e outros benefícios.

Ainda assim, diante deste cenário mais do que conhecido por qualquer pessoa que tenha estado por aqui em meio à discussão da reforma da previdência em 2019, a insistência da equipe econômica é apostar nesta fórmula: mais crédito.

Não há dúvida que crédito para investir a juros menores é algo importante para uma economia, mas não há crescimento apenas por causa disso.

Se as regras do jogo forem as mesmas, pouco importa a disponibilidade de crédito. O empresariado brasileiro continuará organizando sua produção com base em melhores benefícios fiscais ou na contratação de mais pessoas, em vez de ampliar a produtividade do trabalhador.

Para o governo, isso pode ser “bom”, na medida em que a abertura de mais vagas de trabalho parece algo positivo per se. O problema, claro, é que mais empregos pagando os mesmos salários reais de 1985 não vão resolver a vida de ninguém.

Como se fosse pouca complicação, a maneira como o governo tem buscado isso é algo que joga contra. Ao criar conflitos e aumentar gastos públicos, o governo eleva os juros cobrados.

Dessa maneira, corremos o risco de voltar à situação do início da última década, quando o único a disponibilizar crédito barato era justamente o governo.

O resultado disso já sabemos de cor e salteado. São investimentos ruins, uma prática incentivada por juros fora da realidade.

O custo do dinheiro (os juros), existem por uma razão. Ele é uma troca entre poupadores e investidores, na qual os poupadores devem ser remunerados, o que demanda investimentos de qualidade e que gerem retornos saudáveis.

Ao tomar para si a prerrogativa de conceder crédito, em especial com o endividamento público, o governo distorce o mercado, favorecendo investimentos ruins.

Um estudo da FGV chegou a calcular o impacto disso. A chamada “misllocation”, ou a má alocação de capital, se corrigida, poderia fazer o brasileiro ser 146% mais rico. É um número quase quatro vezes maior do que na China e Índia.

E toda essa questão em torno de qualidade dos investimentos nos faz retornar à urgência de corrigir a produtividade e garantir um crescimento saudável, que não se resuma apenas a agregar mais trabalhadores ao mercado.

Essa urgência deverá ser endereçada sob diversas formas. A longo prazo, é uma questão de aumentar a eficiência e qualidade do ensino público, já a curto prazo (algo como uma década), envolve mudar os incentivos na produção, ou seja, uma reforma tributária.

A proposta para mudar isso está na mesa, de fato, desde 2008. A reforma tributária articulada por Bernard Appy, atual secretário do ministério da economia, envolve, por exemplo, desonerar investimentos.

Significaria dizer que empresas que adquirem máquinas para aumentar a riqueza gerada por trabalhador, pagariam menos impostos por isso.

Em março, possivelmente ainda em clima de guerra com o Banco Central em torno dos juros, e na ânsia de retomar o crédito subsidiado em bancos como BNDES, Lula irá a China, outro país cuja demografia é um tema central, inclusive para o Brasil.

Em 2022, pela primeira vez desde os anos 60, em meio ao caos instaurado por Mao Tsé Tung, a China viu sua população diminuir.

Com mais chineses morrendo do que nascendo, a demanda do país por alimentos e minério de ferro para construir imóveis novos diminui drasticamente, afetando assim os únicos setores da economia brasileira que ainda crescem.

Sem resolver os incentivos internos, corremos o risco de ver esse mesmo resultado da China, uma queda populacional, nos levar a problemas graves, como idosos sem recursos e um peso cada vez maior recaindo sobre a população em idade ativa. 

Lula não irá revolucionar o crescimento econômico repetindo a dose do que fez Dilma Rousseff, a mãe da grande depressão brasileira, nem mesmo conseguirá fazer cócegas no crescimento projetado para os próximos anos, haja vista que em 2022, com a máquina pública destinando incentivos por todos os lados, além de uma alta de commodities, tivemos um resultado pífio de 2,9% no PIB.

A única esperança, portanto, reside em mudanças estruturais na economia, algo difícil de acreditar vindo de um partido que se opôs à reforma da previdência e aos marcos regulatórios.

 

Felippe Hermes é jornalista

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  1. Não sei qual é o critério para dizer que um aumento de 2,9% do PIB é pífio. Os bancos centrais do resto do mundo incentivaram a atividade econômica mais do que aqui, com taxas de juros bem menores, e mesmo assim crescemos mais do que a china e boa parte do mundo. Não é honesto tirar o mérito das conquistas do governo anterior para justificar o fracasso previsível do governo da ptzada.

  2. Quando Keynes o maior economista em séculos pregou a intervenção do Estado na economia era para que os Estados oferecessem condições ao desenvolvimento acelerado e foi isto que os militares fizeram e em vinte anos saimos de um PÍB de 507bi para 1.840bi ou 350% maior ... isto foi feito com empréstimos externos hoje pagos e subsídios setorais ou a pequenas e médias empresas sendo estes ainda necessários a economias em desenvolvimento ... feito de forma certa o subsídio é salutar e bom para todos.

  3. Não existe solução sem dor. Mas nenhum governo populista quer assumir esse ônus que a população, em sua maioria, semi-alfabetizada entende…Produtividade? Reforma tributária? Janela demográfica? Não há liderança no Brasil que queira mostrar que todos devem trabalhar e se sacrificar pelo futuro do país. Por isso é mais falar sobre “picanha e cerveja”. O povão vai entender mesmo sendo uma ilusão..

  4. E o pior é que isso se torna um ciclo, pois pessoas ganhando menos e com menos tempo para cuidar da família, vão pensar duas vezes antes de ter um filho pra sustentar. Também existe a questão do tempo dedicado à empresa (ex: viagens). Em outros tempos, o cuidado com os filhos era exclusividade da esposa-mãe-dona de casa, que era sobrecarregada com a tarefa. Hoje, com pai e mãe trabalhando integralmente (quando empregados), isso não é mais possível e a criança perde conexão com a família.

  5. Velho e Pobre. Frase duríssima. Similar ao primeiros governos de Lula - estímulo ao consumo e endividamento no âmbito estatal e privado - A receita populista será mais uma vez aplicada e as consequências mais Pobre e Velho reforçada.

  6. O caminho das soluções passa por aceitar a realidade. A diminuição da população da Terra é um fato, um dado concreto. A pressão por aposentadorias e custos com saúde, também. O que as vezes não é avaliado é que pessoas com eu, com 73 anos me considero no auge da minha produtividade intelectual e laboral. Pago minhas despesas de saúde e vivo bem. O envelhecimento da população é um fato, deve ser visto como oportunidade.

  7. Ou seja, voltamos à Idade Média, ou, nunca saímos dela. Pobre país governado eternamente por populistas ignorantes, corruptos, mente captos e lad rões conde nados.

  8. Muito oportuna a matéria! Às vezes tendo a acreditar em destino e neste caso, não vejo nosso país com boas perspectivas …

  9. O Capitalismo no Brasil é o de favorecer empresário, principalmente os que não são bons administradores; administrar bem, por que, se meus amigos deputados ajudam, trazendo obras superfaturadas, ajudando nos aumentos de preços,(energia elétrica, p ex)? Massa salarial alta significa $$$ rodando e fazendo a Economia crescer, mas empresário topa?

  10. As promessas de campanha já mostravam que Lula não traria novidades. Nenhuma grande proposta para mudar os rumos de nossa economia. Foi aquela conversinha de sempre: Lula pai dos pobres, reforço nas esmolas, promessas de mais comida na mesa (vinda do céu). Reedições das 2 outras gestões petistas, sem dúvida. Viva Lula, viva Janja, viva José Dirceu, Viva Odebrecht e outros beneficiários.

  11. Concordo, Difícil de acreditar de mudanças estruturais na economia no governo Lula. Será tudo como dantes. Nada mudou. A receita é a mesma de sempre "Gastar para crescer."Predomina o pensamento dinossauro.

  12. No desgoverno ptralha não há competência e nem interesse para atacar os reais problemas que temos. Vão repetir o passado colhendo o mesmo fracasso. E nós sofreremos as consequências mais uma vez.

  13. O Brasil é a Ilha do Doutor Moreau do PT: nela, experimentos para melhorar, aprimorar, aperfeiçoar a sociedade e a democracia brasileiras produzirão as distorções de sempre, celebradas como avanço civilizacional, pelos bajuladores de primeira hora...

  14. O Brasil é enorme e rico por natureza, mas décadas de má gestão fatalmente cobrariam seu preço. O irónico é que o castigo virá pela demografia, sendo que nunca de duvidou da capacidade do brasileiro em se reproduzir. A solução todos sabemos há décadas. Mesmo assim nada foi nem será feito. Seguimos alegremente rumo a cova

  15. Imagino um país no futuro em que os candidatos a presidente discutam essas questões e não qual deles é mais desprezível....só que não no brasiu. Isso aqui eu não verei, talvez meus bisnetos depois do país perder 80% de sua população numa guerra fraticida!

  16. Felippe, gostei do seu artigo. As ideias contidas nele não são inéditas e faltam ser mais explicitadas. Saliento uma para reflexão: o que fazer para melhorar a educação no Brasil? Existem "n" propostas. Sem a melhora na educação vamos para o desastre como foi dito. Qual proposta implementar? Quanto a reforma tributária, parece que existe uma maioria apoiando a do Bernard Appy. A minha sugestão é que se diminua impostos também para aquisição de conhecimento científico como feito no caso Embraer.

  17. Acho praticamente impossível que esse governo que está aí venha a fazer as reformas necessárias para consertar tanta coisa errada! Vamos andar para trás...

    1. Vivemos numa Cleptocracia que a cada ano é aperfeiçoada por leis e decretos que a permita usurpar cada vez mais o nosso dinheiro com a maior impunidade possível. !!! Prisão em 2a instância Já !!!

    2. Esse governo que está aí não tem interesse nenhum no Brasil. Querem mesmo é se enriquecerem ainda mais ao custo do sofrimento da sociedade.

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