Reprodução/Redes SociaisZico entre Bussunda (à esq.) e Beto Silva; hoje, o Tabajara Futebol Clube do Casseta & Planeta seria canceladíssimo

Vamos brincar de índex

10.02.23

Toda vez que vejo alguma problematização absolutamente ridícula nas redes sociais, tento me consolar dizendo o seguinte: não, isso não existe fora da internet. Nenhuma pessoa do mundo real, com responsabilidades e contas a pagar, perderia tempo debatendo isso a sério. É só me desconectar, que essa discussão cretina some e se torna um não assunto (aliás, que falta faz o hífen em “não-assunto”; maldita reforma ortográfica). Logo me dou conta do quanto estou sendo Pollyanna: essas coisas-absurdas-que-só-existem-na-internet já conseguiram chegar até à Presidência no Brasil supostamente real. Não adianta desligar o laptop, que a demência não desaparece: pelo contrário, as ideias imbecis tendem a se juntar umas com as outras e procriar feito coelhos.

Por que comecei a coluna com esse nariz de cera? Vocês sabem: no fim da semana passada, Alexandre de Moraes chamou aquela historinha de Marcos do Val sobre grampear o ministro do STF — aliás, historinhas, porque o glorioso senador da Swat contou pelo menos umas cinco versões diferentes — de “tentativa tabajara de golpe”. Todo mundo, ou a maioria, entendeu a referência às fictícias Organizações Tabajara do Casseta & Planeta, sinônimo de coisa tosca e malfeita (não sei se vocês sabem, mas a popularidade dos cassetas no fim dos anos 90 desmoralizou o nome da Faculdade Tabajara, aqui em São Paulo, e a obrigou a mudar; hoje, ela atende por Centro Universitário Ítalo-Brasileiro).

Mas é claro que, sendo a internet o que é, tinha de aparecer alguém para problematizar a fala do Xandão: se alguma coisa existe — qualquer, absolutamente QUALQUER coisa, por mais irrelevante —, ela pode ser problematizada. Logo apareceu no Twitter um escritor para dizer que não se pode usar a palavra (sim, um escritor colocando palavras no índex), porque um tabajara é um indígena e é preciso respeitá-los. Curiosamente, quem procurar a origem da palavra vai encontrar o tupi antigo “tobaiara”, que significa “inimigos”; ou seja, ao que parece, não era autodenominação, mas o modo como esse povo indígena era chamado por grupos rivais. Pena que essas considerações, em geral, não passem pela cabeça dos novos censores; alguns preferem ignorar etimologias reais e aderir a outras fantasiosas, como a de “criado-mudo”.

Pensam que parou por aí? Não, senhorxs. Surgiu em seguida uma pessoa concordando que “tabajara” não deve ser usado com sentido negativo e acrescentando: “Depois não sabem de onde vem o genocídio dos povos originários”. Vejam: neste momento mesmo, há yanomamis de verdade morrendo no mundo real, mas são as palavras “inadequadas” que matam — ou, no mínimo, dão o pontapé inicial num genocídio. “Nossa, não tem como isso ficar pior”, dirá o leitor inocente. Ô, se tem: alguém se lembrou da Orquestra Tabajara de Severino Araújo, um clássico da MPB, para dizer que “tabajara” como homenagem também NÃO pode, porque é apropriação cultural — tudo isso com o escritor-censor concordando, apesar de aparentemente nenhum envolvido na conversa ser tabajara ou mesmo de origem indígena. Como cereja do bolo, outra pessoa manteve o alto nível do debate dizendo que também não é correto xingar alguém de “palhaço”, esse artista popular tão importante para a cultura do Brasil.

Juro que o que eu escrevi no parágrafo acima não é fanfic: quem dera fosse. Conversei sobre o assunto com amigos e conseguimos prever com razoável precisão os próximos passos: não xingar ninguém de “burro”, porque é um bicho adorável, da maior importância para a nossa fauna. Muito menos de “anta”, porque temos de respeitar o maior mamífero da Amazônia. “Imbecil”, termo derivado de condição mental, também configura capacitismo e vai para o índex. Não consigo nem dizer que a polêmica é tabajara, porque ela chegou ao ponto de se tornar ofensiva até ao padrão de qualidade das Organizações Tabajara.

Já disse e repito: tenho fé que a evolução da sociedade nos levará a um estágio em que só nos comunicaremos com grunhidos e gritos, e frases como o “ó o auê aí, ô” daquela piada dos surfistas vão se tornar complexas demais para serem compreendidas. Aleluia, irmãos: a idiocracia é o nosso destino manifesto.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Randolfe Rodrigues quase arrebatou o troféu com seu tuíte indagando por que a Turquia, com uma inflação de 84%, tem uma taxa de juros menor que a nossa: vamos fazer como Recep Erdogan e segurar o juro, pra gente também conseguir uma inflação bonitona assim, acima dos 80%. Mas não teve jeito: o campeão foi o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, dizendo que, se a Uber sair do Brasil, é só chamar os Correios para criar um aplicativo e substituir. Mal posso esperar para pedir um carro que me leve de Pinheiros até a avenida Paulista e aguardar dez dias úteis porque ele passa pelo centro de distribuição de Curitiba no caminho.

Marinho, ministro do Trabalho e autor da brilhante ideia do “Uber dos Correios”

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  1. O centro de distribuição de Curitiba mantém cativos dois pacotes que enviei dos US para o Brasil há uns CINCO anos atrás. Tenho certeza que o Sedex Passenger será um sucesso. MS

  2. A verdadeira revolução ortográfica vai ser o banimento de centenas de adjetivos designados como "ofensivos" e, por isso, eliminados do vocabulário. O que será ótimo, facilitando a comunicação do povo iletrado, que terá muitos vocábulos a menos para ignorar ou falar/escrever errado. Tudo para "construir uma sociedade mais justa igual". O objetivo é só esse, muy nobre! Se tivermos de cortar umas cabecinhas pelo caminho, lá terá de ser...

  3. Parafraseando o poeta: "Rimos, isto é, choramos, porque, em suma, rir da desgraça que de nós ressuma, é quase a mesma coisa que chorar."

  4. Esta coluna e seus artigos salvam a imprensa brasileira do mar de idiotices que nos afoga todo santo dia. Parabéns Ruy. Parabéns CRUSOÉ.

    1. Sim Iara, e quando prefeito de s.b.do campo, foi um desastre que acabou com a cidade. agora Ministro 😤

    1. ... É o que sempre faço: fico pito. ... Eu não tenho raiva de pessoas ou coisas. Tenho NOJO.

  5. Se os cassetas seriam cancelados, imaginem o Zorra Total, A Praça é Nossa, os Trapalhões e o próprio Jô Soares com seu Capitão Gay?

    1. Sim. Merecedor de tofo o nosso despreso com mérito!

  6. Para essa gente virtuosa, xingar uma pessoa de burralda deveria ser tão ultrajante como chamar uma mestiça de mulata. Ambas as palavras derivam de mula ou burra, resultado do cruzamento entre o cavalo e a jumenta ou do jumento com a égua.

  7. O politicamente correto enchendo o saco do povo. Depois que passaram a chamar dono de cachorro de tutor, desisti. A turma, realmente, é muito "muderna".

  8. Acrescente-se na sua lista o "jumento" tão utilizado em certas plagas. Conforme música cantada por Luiz Gonzaga ' padre Vieira falou o jumento é nosso irmão", o Descondenado mais uma parte dos ptralhas acreditam nisso, vide o Luis Marinho, e ficaram os pés no chão. Os quatro.

  9. Enquanto isso, o governo não apresentou nenhuma proposta de trabalho. São só viagens, polêmicas inúteis, no famoso dividir para conquistar.

  10. Como se não tivéssemos tanto com que nos ocuparmos… aliás, em se tratando do Giverno, essa é uma estratégia: criar polêmicas secundárias para tirar o foco da realidade

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