Foto: Adriano Machado/ O AntagonistaLula: tudo que não estiver 100% sob controle lulopetista será atacado

¿Por qué no te callas?

Cada vez que abre a boca, Lula provoca uma crise desnecessária. E acumulam-se evidências de que ele não tem muito amor à democracia
10.02.23

Começo com uma pergunta aos meus amigos democratas liberais, fiéis torcedores para que o governo Lula dê certo (aliás, todos nós torcemos, como se diz, pelo bem do país). Como vocês estão fazendo para fingir que não estão vendo, nem ouvindo, os ataques diários de Lula ao princípio liberal da democracia: a sociedade controlar o governo, não o inverso?

Nestes dias, Roberto Benigni, no discurso de abertura do festival de Sanremo, fez uma análise da Constituição italiana de 1948. Assim ele resumiu a ideia central do princípio liberal da democracia que orientou aquela carta: “Uno schiaffo sulla faccia del potere” (um tapa na cara do poder). Esse é o princípio liberal da democracia. Na versão de pesquisadores do V-Dem, da Universidade de Gotemburgo, “o modelo liberal adota uma visão ‘negativa’ do poder político na medida em que julga a qualidade da democracia pelos limites impostos ao governo. Isso é alcançado por meio de liberdades civis constitucionalmente protegidas, forte domínio da lei, um poder judiciário independente e freios e contrapesos efetivos que, juntos, limitam o exercício do Poder Executivo”.

O Brasil sob Lula está na contramão desse caminho. A velocidade com que o governo Lula 3 está se afastando de uma posição de centro democrático em direção à esquerda populista mais autoritária e contraliberal é impressionante.

Quem poderia prever isso? Tudo indicava que poderia, sim, acontecer, mas que seria um processo mais lento, como na transição dos dois primeiros mandatos do PT para os dois últimos (com exceção do atual, é claro). Tudo foi acelerado e vai se aproximando da dinâmica de um golpe (justificado sempre como um contragolpe).

Na fala de Lula na posse de Mercadante no BNDES, acusando os ricos de serem responsáveis pelo 8 de janeiro por não aceitarem sua eleição, houve uma ameaça golpista. Lula disse, em síntese, que se não fizermos as suas vontades, haverá uma revolta popular, quando o pobre cansar de ser pobre e resolver mudar as coisas no país. Atenção! Lula não está dizendo que os pobres vão votar em outro presidente. Meio veladamente, não se sabe se todos perceberam a gravidade do discurso, ele está ameaçando a institucionalidade com uma revolução dos pobres contra os ricos.

Vamos examinar suas palavras, literalmente:

“O que aconteceu no Palácio do Planalto, no Congresso e no STF foi uma revolta dos ricos que perderam as eleições. Nós não podemos brincar, porque um dia o povo pobre pode se cansar de ser pobre e fazer as coisas mudarem nesse país.”

Ora, numa democracia representativa as coisas mudam quando os eleitores escolhem novos representantes, não com uma insurreição dos pobres contra os ricos. Isso, sim, seria um golpe contra a democracia. A ameaça é golpista.

O que significa “nós não podemos brincar” no contexto da fala presidencial? “Brincar” seria não baixar os juros por decreto (como fez Dilma, forçando a barra, o que de nada adiantou pois os juros foram para 14,25% no final do seu governo, patamar superior ao de hoje)? “Brincar” seria não adotar uma política desenvolvimentista mandando a responsabilidade fiscal para as cucuias? “Brincar” seria o BC não obedecê-lo?

Um Banco Central não deve mesmo obedecer ao poder político. O que nada tem a ver com o fato de a pessoa que o preside ter suas preferências políticas. Campos Neto fazer parte de um grupo de WhatsApp com membros do governo que o indicou, ou vestir a camisa da seleção para ir votar, não significa que as políticas que aplicou no BC sejam bolsonaristas. E nada tem de antirrepublicano. A ser assim, nem os membros do STF se salvam. “Ah! Mas ele, Campos Neto, deve ter votado em Bolsonaro.” E daí? Era proibido? Mais de 58 milhões de pessoas votaram em Bolsonaro, quase o mesmo número das que votaram em Lula.

Não foi a primeira fala golpista de Lula. No dia 24/02/2015, na sede da ABI, no Rio, Lula afirmou também literalmente:

“Também sabemos brigar. Sobretudo quando o Stédile colocar o exército dele nas ruas.”

Em que sentido essa fala não é golpista?

Mas Lula continua falando e atrapalhando, inclusive, o seu próprio governo. Cada vez que abre a boca, provoca uma crise desnecessária. Parece que é hora de repetir a frase dita pelo rei Juan Carlos l da Espanha ao presidente da Venezuela Hugo Chávez. ¿Por qué no te callas?

Talvez essa compulsão de Lula não seja involuntária, o que torna tudo muito mais grave. Acumulam-se evidências de que Lula não tem muito amor à democracia. Em passado bem mais recente, por exemplo, Lula avalizou o caminho revolucionário da ditadura cubana:

“Eu não acredito que Deus é contra a América Latina. Porque não é possível que nenhum país da América Latina tenha se desenvolvido, tenha crescido economicamente, tenha crescido industrialmente, tenha crescido na melhoria da qualidade de vida do seu povo. O único país que conseguiu dar um salto foi Cuba. Eles resolveram o problema da dignidade, eles resolveram o problema da cidadania. E a única coisa que eles estão pedindo é que deixem os cubanos cuidar dos seus problemas e os americanos cuidam dos problemas deles. Fora de Cuba qual foi outro país que resolveu os seus problemas?”

O leitor duvida? Tem vídeo no Youtube.

Ora, Cuba é uma ditadura cruel e assassina. Pelo mesmo caminho foram Angola, Nicarágua e Venezuela. No meio do caminho estão os governos populistas de esquerda da Bolívia, do Peru (agora incerto) e, tomara que não, da Colômbia. E ainda num caminho não tão claro, a Argentina de Cristina e Fernández e o México de Obrador. Esses são os regimes que Lula admira. Para não falar dos que já passaram, como o do Equador de Correa e Moreno, o de El Salvador de Funes e Cerén, o do Paraguai de Lugo, o de Honduras de Zelaya (reeditado com sua mulher Xiomara). Todos são regimes estatistas.

Hoje o inimigo é o Banco Central, amanhã serão as agências reguladoras. Tudo que não estiver 100% sob controle lulopetista será atacado. O fato é que a frente populista de esquerda que governa o Brasil tem, entre todas as suas características distintivas, uma ressaltante: o estatismo.

O estatismo é um comportamento político que se caracteriza por uma desvalorização da racionalidade da sociedade (julgada, não raro, inexistente ou apenas um epifenômeno) em relação à racionalidade do Estado (para o estatismo a sociedade é uma espécie de dominium do Estado, quase no sentido feudal do termo) e por uma desconfiança na capacidade de autorregulação do mercado (e da própria sociedade).

Assim, o estatismo é um estadocentrismo. Mas o problema (que os adeptos das doutrinas do liberalismo econômico não percebem) é que o estatismo não se opõe apenas ao mercadocentrismo (a atribuição ao mercado de um papel regulador não só da economia, mas da sociedade: o que é um transbordamento ou um deslizamento da regulação que funciona em um campo de eventos para outro campo de eventos, regidos que são por lógicas distintas) e sim à autonomia da sociedade, à sua subsistência por si mesmo, com racionalidade própria (e não derivada ou emprestada do Estado ou do mercado) e é por isso, fundamentalmente, que todo estatismo é antidemocrático: não porque seja contra uma impossível regulação mercantil da sociedade (já que é a economia que tem ser de mercado, não a sociedade) e sim porque é contra uma regulação social (ou societária) da sociedade.

Sem uma regulação social da sociedade não poderia ter surgido a democracia, de vez que a polis não era a cidade-Estado e sim a koinonia (a comunidade) política e que a polis – como sacou genialmente Hannah Arendt, em A Condição Humana (1958) – não era Atenas (a entidade abstrata, o Estado) e sim os atenienses (a rede concreta de pessoas que geraram a democracia por meio das suas conversações na Ágora, uma praça publicizada, tornada, pela interação dos atenienses livres, um espaço público, quer dizer, não privatizado pelo autocrata).

Os que acham que só a partir do Estado se pode promover transformações na sociedade são estatistas (no sentido político do termo). O mesmo vale para os que exaltam e reificam a noção de nação (já que quase todas as nações contemporâneas são Estados-nações). Assim, a questão do estatismo, antes de ser um tema econômico, é matéria da política.

O estatismo, em termos estritamente políticos, é um comportamento (político) que não se caracteriza apenas, nem principalmente, pelo fato do Estado se meter na economia. A questão central, para a democracia, é o padrão de relação Estado-sociedade e não o padrão de relação Estado-mercado. Isso, por certo, é também muito importante, mas não pode elidir a questão central. Estatistas, em termos políticos – convém repetir – pensam que cabe ao Estado promover transformações na sociedade, conduzir a sociedade, educar a sociedade.

Resumindo: o estatismo é definido como um tipo de comportamento político conforme a uma visão estadocêntrica do mundo que não reconhece, para além do Estado, a autonomia – e, em alguns casos, a legitimidade – de outros modos de agenciamento, como o mercado e a sociedade civil. Aquela sociedade que, nos regimes democráticos liberais, deve controlar o Estado.

Ou se é liberal ou não se é. É um direito de cada um ser ou não ser liberal. Mas quem é estatista acaba sendo contraliberal. É o caso de Lula.

 

Augusto de Franco é escritor

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. Lula é só um pelego muito hábil. Nada de camaleão, só esperteza ladina. Seo pvo se revoltar contra os ricos, a linha a ser exterminada em primeiro lugar será a família do luladrão que enriqueceu sem trabalhar.

  2. Se tem um cara amante de golpes, esse cara é o Lula. Ele mesmo. O "Defensor da Democracia". Farsante!

  3. Particularmente, eu sabia antes da eleição que a ascensão de Lula ao poder, depois de tudo que se passou na vida dele, só poderia dar nisto aí! Ele veio para se vingar! O mais interessante é que, muitos eleitores devem ter votado nele por causa disto. Queriam dar a ele uma recompensa...

  4. Quando Lula fala causa crise: crise para quem? Para o mercado? O que o mercado contribui para a pobreza e a fome? "Follw the money" !!! Crise para os bancos? Sem a crise qual tem sido o LUCRO DOS BANCOS?

  5. Esse texto retrata fielmente o que penso PT e de chefe, lula. Uma tragédia para o Brasil. Assim como bolsonaro foi um louco, ou é, Lula é um malandro querendo ser ditador. P.s. essa foto do luta não nega: ele está com um litro de 51 na cabeça. Mas pode, contanto deixe o Brasil em paz.

  6. Parabéns pelo texto! Enquanto não houver investimento maciço em EDUCAÇÃO, o Brasil só elegerá populistas.

  7. Não tem “muito” apreço? E os pobres vão “cansar” de ser pobres? Ué, mas o PT não tinha acabado ou ao menos reduzido a pobreza?

  8. Eu compreendo essa devoção do povo brasileiro por maus políticos . A baixa escolaridade e a falta de cultura do povo propiciam políticos como Lula, Bolsonaro, Dilma e outros que atravancam o progresso da nação.

    1. Acho que o problema é mais profundo. A academia de forma maciça adere e adora o populista Lula. Idem a educada classe artística. A educada elite econômica aderiu ao projeto liberal de Guedes, parceiro do populista Bolsonaro. A educação é, por certo, um pré-requisito para melhorarmos nossa produtividade, renda, auto-estima e qualidade de escolhas, inclusive eleitorais. Mas não é suficiente. Nosso sistema de representação política é ruim, mal desenhado. Não privilegia o interesse da sociedade.

    2. Perfeito! Concordo em gênero, número e grau!

  9. Para aqueles fizeram o L achando B um beócio ou de vez em quando aquele cara do bar que bebeu um pouco mais. Comparar o voto útil antibolso com o voto útil antipt não é a mesma coisa: L foi condenado até na terceira instância e os processos ainda valem. Bolso ainda não chegou a tanto. Agora é tarde!

  10. Dois comentários: O Rei Juan Carlos I que, muito oportunamente, mandou o Chaves se calar, fugiu da Espanha para não ser preso por corrupção .. Conselho ao Campos Neto - melhor ouvir o Lula do que ser surdo … 😆

  11. O Descondenado juntamente com o resto da quadrilha ptralha querem venezuelizar o país. As falas golpistas do Descondenado não foram ouvidas pelo escalvado do stf, paladino do EDD, o que parece leniência.

  12. Lula é um vazio ideológico. Sua missão é seu próprio sucesso político. A estratégia é enriquecer cada vez mais os poucos ricos - vide a transferência record de renda em seus governos para bancos, empreiteiras e Campeões Nacionais - e ampliar a massa de pobres, concedendo apenas bolsas de inexpressivos montantes, sem uma verdadeira política educacional. Mantendo os pobres respirando, ignorantes, se multiplicando e votando, tem-se o palco perfeito para sua bem sucedida guerra do nós contra êles.

  13. Lula e Bolsonaro jamais foram democratas. Aliás, conta-se nos dedos de uma única mão o número de presidentes democratas que o Brasil teve em pouco mais de 200 anos de república. Infelizmente nosso país jamais foi uma grande democracia. Ainda temos um longo caminho pela frente à percorrer.

    1. Aula do que?! Apenas tocando fogo no pasto pra jumentada sair zurrando. Inútil e irrelevante!

  14. Lula é daquele tipo de marxista antigo que acredita que deve caber ao estado o papel de transformador da sociedade, impondo essa mudança pelo exercício da força, se necessário, ocupando todos os espaços de voto, dando verniz democrático, se possível. Nada do que está acontecendo é surpresa no conteúdo, apenas pela velocidade. Porém, tendo em conta a idade do cidadão e a sua fúria e sede de vingança, compreende-se melhor.

  15. Tudo que você escreve aqui, Augusto, é o que deveria ser dito em todas as mídias. O povão precisa entender o que significa, de fato, assumir esse "comunismo" que eles acham que será providencial para eles. Ainda mais se falar em taxar os ricos! Deveriam levar esses conhecimento para jovens, futuros eleitores, de forma a saberem optar por um ou outro candidato. Tá certo que nos últimos anos não tivemos muitas opções. Por hora só desejo que cal.em a bo.ca desse populista ana.lfa.beto.

  16. Em que o estatismo de Lula é diferente do de Mussolini, Hitler, Stalin, Mao, etc? Em nada. E ele rapidamente está-se mostrando igual a esses aí em tudo. Nosso futuro é mesmo o abismo.

  17. Pedir para Stedile colocar seu “exército” nas ruas; Zé Dirceu convocar a militância, são atitudes de quem não é democrata. Lula não é e nunca foi. Ele é o inverso do inverso do inverso. Não há explicação para ele. É uma aberração que a natureza nos deu como castigo. Pior são as pessoas que o apoiam e votam nele. Essas também não há sociólogo que consiga entender.

    1. Debater se lula e democrático , ou se é liberal ou estadista ???? O lula e um bobo que pensa o contrário , inflado por uma mídia , que lhe dá a confiança que é bom em alguma coisa , não é bem assim é um analfabeto , empoderado.

    2. Se me permite, completo dizendo que pior é a imprensa que o apoia e, por cegueira ideológica, faz vista grossa a tudo de mal que ele representa.

Mais notícias
Assine agora
TOPO