Reprodução/Instagram)Patrick Mahomes, o quaterback do Kansas City Chiefs

NFL, a maior liga do mundo, já implorou por atenção

10.02.23

A areia da praia onde Tom Brady estava sentado ao anunciar, em vídeo, sua decisão de parar de jogar futebol americano está sendo leiolada — e o preço já chegou a 100 mil dólares. Mais conhecido no Brasil por seu relacionamento com Gisele Bündchen, Brady é o maior jogador da história da National Football League (NFL), a liga esportiva mais lucrativa do mundo. Neste domingo, os Estados Unidos param mais uma vez para acompanhar o Super Bowl LVII, a final do campeonato, entre Philadelphia Eagles e Kansas City Chiefs. Cem anos atrás, contudo, os fundadores da NFL estavam praticamente implorando por atenção.

Mistura de futebol com rugby, o futebol americano surgiu nas universidades dos Estados Unidos, onde desenvolveu uma aura de rito de passagem. No popular, era onde os homens se separavam dos meninos. Essa perspectiva alimentou nos torcedores uma resistência à profissionalização, já que o dinheiro poderia perverter a nobreza do esporte amador. Ironicamente, após décadas de prejuízos, humilhações e persistência, hoje em dia uma temporada da NFL gera em torno de 17 bilhões de dólares em receita e proporciona até a venda de areia da praia.

A virada se deve a cinco empresários de ramos diversos que se uniram na década de 1930 para criar a liga, conta John Eisenberg em The League (2018). Art Rooney, George Halas, Tim Mara, George Preston Marshall e Bert Bell eram rivais dentro de campo, mas souberam moldar o esporte ao gosto dos fregueses até superar o beisebol, o boxe, as corridas de cavalo e até o imaculado futebol universitário no coração dos americanos.

O ritual que marcava a transformação de meninos em homens acabou se popularizando pela brutalidade de que apenas os homens são capazes, constata Eisenberg. Antes mesmo da profissionalização, os promotores do futebol americano foram impelidos pelo presidente Theodore Roosevelt a fazer alterações na regra, depois de 19 jogadores morrerem em campo ao longo do ano de 1905 — no ano anterior, foram 18 óbitos. Stephen Crane, autor do grande clássico sobre a Guerra Civil americana The Red Badge of Courage, declarou que, como nunca tinha estado em uma guerra, desenvolveu sua compreensão sobre o ódio que alimenta os conflitos dentro do campo de futebol americano.

Mesmo advogando para seus próprios times com fervor, os donos do New York Giants, do Chicago Bears e do Washington Redskins, entre outros pioneiros, mudaram as regras para aumentar a possibilidade de pontuação (até então, não era permitido lançar a bola para a frente, como no rugby), adaptaram o formato de bola, para ser mais fácil de manejá-la, adotaram tabelas de jogos que permitiam às equipes mais fracas permanecer vivas na competição por mais tempo — os piores times se enfrentavam nas primeiras rodadas — e criaram um sistema de recrutamento de jogadores universitários que contribui até hoje para equilibrar as disputas — o sistema de draft foi copiado pela NBA.

O resultado dessas adaptações se mede em dólares. O time mais valioso da liga, Dallas Cowboys, é avaliado em 8 bilhões de dólares — o menos valioso, Cincinnati Bengals, vale 3 bilhões de dólares. Para se ter uma ideia, o Cruzeiro foi vendido no ano passado por R$ 400 milhões (o que daria 80 milhões de dólares), mas tinha uma dívida de R$ 1,1 bilhão — sendo bem generoso, digamos que o Cruzeiro custou R$ 1,5 bilhão (300 milhões de dólares). Já o Vasco vendeu 70% de sua Sociedade Anônima do Futebol (SAF) por R$ 700 milhões — valeria cerca de R$ 1 bilhão (ou 200 milhões de dólares). São estimativas, mas dá para ter uma boa ideia da distância.

O futebol brasileiro namora há algumas décadas a ideia de criar uma liga alternativa à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), mas esbarra em interesses aparentemente irreconciliáveis: os direitos de transmissão das partidas. Hoje, há duas propostas de liga sobre a mesa, com grandes grupos econômicos por trás: a Liga Futebol Forte reúne 26 clubes, enquanto a Liga do Futebol Brasileiro (Libra) conta 18, entre elas as maiores agremiações do país, como Flamengo, Corinthians e São Paulo.

Animado pela alma yankee do Super Bowl, dirijo aos cartolas brasileiros o recado dado por Walt Whitman aos bardos americanos: que sejam marcados pela generosidade e afeição e por encorajar os competidores… Sem monopólio ou sigilo… Felizes em passar qualquer coisa para qualquer um… Famintos por noites e dias iguais. Que não tenham cuidado com riquezas e privilégios… Que sejam riqueza e privilégio.

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  1. As ligas esportivas americanas são um negócio, o esporte é o produto. O futebol é encarado de maneira distinta. Mesmo com um enorme aumento de clubes-empresa, a organização ainda é esportiva, vendendo-se a competição, não o esporte. Lá muda-se até as regras do esporte para agradar os clientes, algo bastante frequente na NBA, por exemplo, para dinamizar os jogos e melhorar as audiências. É uma mentalidade diferente, nem sempre pra melhor.

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