Lula Marques/Fotos PúblicasEduardo Bolsonaro, reeleito para um terceiro mandato: "sim" ao fundão eleitoral

O que esperar do ‘Congresso mais à direita da história’ na economia

Particularmente, tenho pouca confiança de que o Congresso irá resistir à tentação de se aliar ao presidente de plantão, em nome de princípios e valores
27.01.23

O novo Congresso nasce mais forte do que nunca, com poderes sobre o orçamento e um Executivo enfraquecido. Resta saber o que fará com isso.

Coube a Joaquim Murtinho, um engenheiro e banqueiro mato-grossense, a tarefa de realizar as primeiras reformas da história do Brasil República.

Murtinho assumiu o cargo de ministro da Fazenda em novembro de 1898, com um país em frangalhos. Os mil-réis que em 1889, durante a proclamação da República, compravam 27 libras, haviam perdido 73% do valor. Em contexto, a inflação média do império foi de 1,08% (em 67 anos do Brasil Império, tivemos 200% de inflação, menos do que fevereiro e março de 1990 somados).

Nosso primeiro surto de inflação foi fruto de uma política chamada de encilhamento, onde o governo criava dinheiro do nada e emprestava aos empresários a juros menores do que a inflação. Foi o tataravô do Bolsa Empresário do BNDES.

Apesar do ambiente caótico, também eram tempos mais simples. O PIB, por exemplo, só seria inventado dali a 38 anos. O dólar se tornaria a moeda global apenas 45 anos depois. E o ICMS se tornaria um grande avanço em política tributária 65 anos após Murtinho assumir (para 123 anos depois virar o vilão).

Nesses tempos simples, Murtinho foi a Londres conversar com o “Sr. Mercado“, ou o mais próximo disso que já existiu na história: o Banco Rothschild. Numa época onde não existia BID, FMI, ou Tesouros nacionais bancando dívida de país emergente, Murtinho prometeu fazer um ajuste, e deu a alfândega do Rio de Janeiro de garantia.

De volta ao Brasil, esse período seria marcado pelo que o sociólogo Fernando Henrique Cardoso descreveu em 1975 no seu História Geral da Civilização Brasileira, como a “Pax Oligárquica“. Foi a primeira vez na história que o presidente, os governadores e o Congresso passaram a discutir um problema juntos.

E deu certo. Despesas públicas foram cortadas, ferrovias privatizadas, o mil-réis se valorizou e o orçamento voltou a ser realista.

Campos Salles, o presidente, e Murtinho, seu ministro, receberam uma carta elogiosa dos Rothschild, além de sonoras vaias da população, indignada com aumentos de impostos, e dos industriais, revoltados com o câmbio valorizado.

Duas décadas após escrever tal livro, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, aquele mesmo que pediu para esquecermos o que ele escreveu, viraria presidente.

Partiria de FHC a criação do conceito de “presidencialismo de coalizão“, novamente com o intuito de garantir reformas.

Esse conceito seria legado a todos os demais ocupantes da caixa de concreto desenhada por Oscar Niemeyer, o Palácio do Alvorada. Mesmo Jair Bolsonaro, o antissistema, teve de negociar.

Após FHC, o Congresso Nacional ganhou uma relevância muito maior. Mas, ainda assim, nenhum presidente foi tão generoso com o Poder Legislativo quanto Michel Temer, o ex-presidente da Câmara entre 1997-2001 e 2009-2010.

O Congresso legado por Temer se tornaria um órgão muito mais relevante do que em outros mandatos presidenciais.

Se, durante FHC, o Congresso fazia parte do governo, com o presidente tendo poder e relevância, com Temer ele se tornaria o próprio governo.

Pedidos de impeachment e fake news da imprensa sugerindo que havia algo de errado num mero churrasco entre o presidente e seu amigo açougueiro contribuíram para que Temer tivesse de ceder mais e mais.

Por sorte, um fator não muito usual no Brasil, tivemos ali alguns avanços importantes. As estatais voltaram a ser saneadas, marcos regulatórios se tornaram pauta, reformas avançaram, no ensino e nas finanças públicas. Em suma, deixamos para trás a crise de confiança legada por Dilma e sua grande obra: a Grande Depressão Brasileira de 2014-2016.

Sob Jair Bolsonaro, o Congresso que havia ganhado protagonismo antes, teve de encarar um diálogo truncado por um presidente que acreditava ser função do Congresso aprovar aquilo que o presidente eleito com 57 milhões de votos decidiu ser certo.

Na prática, muitos eleitores do presidente concordavam que a função do parlamento era dar vazão à demanda popular expressa na eleição do Executivo. O presidente da Câmara virou o centro dos ataques por “não deixar o presidente trabalhar“.

Ironicamente, em 1º de fevereiro de 2011, na abertura da 54ª legislatura, o então deputado alegou ser um absurdo a quantidade de medidas provisórias do governo, mencionando que o Congresso tinha menos poder ali do que na ditadura.

E, de fato, Bolsonaro devolveu ao Congresso inúmeros poderes, em uma política conhecida como toma lá dá lá, em que o Congresso garantiu o que quis em troca de dar estabilidade ao governo, ainda que o governo não tenha utilizado tal estabilidade para reformas.

O Congresso garantiu que o orçamento da União se tornasse impositivo, com as emendas do relator (o popular Orçamento Secreto), chegando a um terço do orçamento discricionário da União. Mesmo marcos regulatórios ou a privatização da Eletrobras saíram entupidas de jabutis.

E é esse Congresso que Lula, considerado pelos críticos um habilidoso político, terá de manejar.

Diz-se que se trata do “Congresso mais à direita da história“. Menciono aqui, porém, que para a decepção de muita gente, isso não significa grandes coisas.

Somos um país onde princípios que deveriam caber à direita, como responsabilidade fiscal e livre mercado, nem sempre interessam aos tais representantes da direita. Exceto se render views no TikTok.

Se você acompanhou discussões políticas no Twitter nos últimos anos, primeiramente, lamento, em segundo, imagino que tenha visto acusações de que “o Novo votou com o PSOL“, ou “o MBL votou com o PSOL“, ou ainda, desculpas esfarrapadas de Carla Zambelli e Eduardo Bolsonaro, dois dos mais votados da tal direita, para justificar seu voto “Sim” pelo fundão eleitoral.

E há uma boa razão para isso se tornar o “novo normal“. Como dizia a filósofa russo-americana Ayn Rand, a civilização é a busca pela privacidade.

Sociedades onde a privacidade é menos valorizada, como tribos, são “menos evoluídas“. Já sociedades onde a privacidade é uma grande questão seriam mais evoluídas.

Entendo quem discorde do termo “civilizado” ou “evoluído” e valorize o respeito a todas as culturas, como eu mesmo o faço (ainda que não abra mão do ar-condicionado no Rio de Janeiro), mas creio que há algo que Rand possa nos dar de insight:

As redes sociais tornaram a privacidade algo menor. Vazar sua intimidade pode garantir milhares de likes. Expor a nudez, ou se conectar ao eleitor, no caso da política, por meio de memes, virou algo banal.

E assim, é seguro dizer que as redes sociais nos fizeram regredir neste processo civilizatório. Incluindo a política.

Particularmente, tenho pouca confiança de que o Congresso irá resistir à tentação de se aliar ao presidente de plantão, em nome de princípios e valores, mas como eu disse, essa é a minha opinião.

Talvez você esteja confiante de que o tal Centrão será fiel à agenda liberal de Paulo Guedes, algo que não foi nem mesmo no governo Bolsonaro, e que portanto irá fazer jogo duro com Fernando Haddad (não creio que seja o seu caso, caro leitor, pois valorizo o seu intelecto, ainda que não o conheça).

E, no fundo, é essa a discussão que caberá ao novo Congresso, não o mais à direita, mas o Congresso que nasce com maior força na história da República, muito diferente daquele que Lula comprou nos idos de 2003, em um país onde os recursos estão cada vez mais escassos.

O próximo Congresso terá de avaliar se irá se juntar a Lula ou resistir ao canto da sereia.

Por fim, não custa lembrar que esse futuro Congresso “de direitanasce com a obrigação de realizar a reforma tributária. Temos um bom projeto, criado por Bernard Appy, que tramita desde 2008. É um projeto positivo, que poderá ter um efeito relevante na economia.

A CNI, a Confederação Nacional da Indústria, estima que ele possa aumentar em 20% a renda per capita brasileira em 20 anos. Seria um golaço, ainda que não renda likes Instagram.

 

Felippe Hermes é jornalista

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  1. Excelente artigo. Não se pode esperar nada desse congresso, já que, para a maior parte dos congressistas não há fidelidade à valores porque eles não têm sequer intelecto para justificar os valores que carregam. Assim, é fácil trocá-los pela benesse mais conveniente.

  2. A ver o quanto a dita ideologia dessa turma resiste aos $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ . . . Antes do poder, costuma ser de um jeito; mas quando conseguem o poder, perdem a razão!

  3. Infelizmente a direita eleita, salvo raríssimas exceções, não tem conteúdo nem disposição para fazer a coisa certa. Sua especialidade é outra: queimar reputações. Portanto, não espere muito desses parlamentares. A nossa única opção é pressioná-los para trabalharem com responsabilidade.

  4. Com o atual nível de corrupção das instituições brasileiras, não tenho esperança. Conhecemos o Congresso muito bem; quem pagar mais, leva. Lamentável.

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