Foto: Reprodução/ Flickr/Ambev"O lobby se legitima ao demonstrar que também cria valor para o governo e para a sociedade"

‘O lobby ajuda a melhorar o governo’

O professor de relações governamentais do Insper explica por que a regulamentação do lobby traz outros benefícios ao país, além de inibir a corrupção
09.12.22

Atualmente, há 96 mil profissionais brasileiros que se dedicam ao trabalho de “relações governamentais”. Esse é um nome neutro, ou acadêmico, para uma atividade que não desfruta de boa fama: o lobby. Há bons motivos para que a promoção de interesses privados entre agentes públicos seja vista com desconfiança. Historicamente, ela foi realizada no Brasil com pouquíssima transparência – o que acaba sendo um convite à corrupção. Mas isso pode mudar em breve.

Um projeto de lei que regulamenta o lobby no Brasil foi aprovado na Câmara há cerca de uma semana e agora aguarda votação no Senado. O avanço é celebrado pelo especialista em administração pública Milton Seligman. Professor de relações governamentais do Insper, com passagens por diversos órgãos do governo federal e atuação em grandes empresas privadas, Seligman é um dos organizadores do livro O Lobby Desvendado.  Há anos ele advoga pela  regulamentação da prática, para que seus efeitos positivos também possam ser conhecidos. “O lobby ajuda a melhorar o governo”, diz Seligman nesta entrevista.

 

Por que a fama do lobby é tão ruim?
O Brasil é um país com tradições patrimonialistas, onde há muito compadrio e  interesses privados facilmente se sobrepõem aos públicos. Não bastasse isso, realizamos o lobby como pelada de rua, e não como um jogo de Copa do Mundo. Não há regras claras, muito menos VAR. Nessas circunstâncias, mais do que a desconfiança ser natural, acaba sendo natural igualar lobby e corrupção.

O lobby é uma atividade legítima?
O lobby é uma das principais maneiras que os cidadãos têm para influir na administração do Estado. Houve épocas em que foi preciso batalhar por essa possibilidade. Pode-se dizer que a Independência dos Estados Unidos, por exemplo, nasceu de uma batalha desse tipo. Os colonos diziam que suas petições eram desprezadas pela coroa inglesa, que eles não eram ouvidos. Não por acaso, um dos direitos reconhecidos na Primeira Emenda à constituição americana foi justamente o de peticionar ao governo. No sentido mais básico, fazer lobby é isso, garantir que aqueles que governam e fazem as leis estejam cientes do seu ponto de vista e dos seus interesses. No mundo atual, creio que a legitimidade do lobby requer ainda um outro elemento: a demonstração de que aquilo que se propõe e deseja não responde apenas a interesses particulares, mas também cria valor para a administração pública e para a sociedade.

Além de transparência, a institucionalização do lobby traz algum outro benefício?
Ela dá paridade de armas a todos cujos interesses podem ser atingidos por uma determinada medida do poder público. O acesso aos governantes e legisladores deixa de ser um privilégio e todos têm os mesmos canais pra atuar de maneira profissional. Talvez ainda mais importante, a prática melhora o governo. Ela traz mais informações relevantes para a tomada de decisões e ajuda a evitar problemas – por exemplo, a judicialização de um tema, porque certos interesses não foram levados em conta com antecedência.

Foto: Reprodução/ Flickr/AmbevFoto: Reprodução/ Flickr/Ambev“A regulamentação do lobby ajuda a criar uma cultura de integridade no país”
Fala-se há muito tempo de regulamentação do lobby. Por que ela demorou tanto para acontecer?
A primeira discussão sobre lobby foi proposta por Marco Maciel, ainda na década de 1990. Coube ao deputado petista Carlos Zarattini apresentar um projeto de regulamentação, quinze anos atrás. Passou o tempo e nada aconteceu. Foram os grandes escândalos de corrupção que aceleraram a mudança. Eles criaram uma pressão para que haja maior transparência no relacionamento entre o setor privado e o setor público. As pessoas estão mais atentas à maneira como as políticas públicas são criadas e implementadas, e muitos querem poder influenciar nesse processo.

O texto aprovado pela Câmara é bom?
Como eu disse, Carlos Zarattini apresentou um projeto em 2007. Vários anos depois, ele passou por uma comissão da Câmara e a deputada Cristiane Brasil redigiu um substitutivo. Os dois textos incorporavam os parâmetros da OCDE para a regulamentação do lobby, ou seja, estavam de acordo com os padrões internacionais. Eram bons projetos, com quatro características principais. Primeiro, tornavam obrigatório o registro das atividades de lobby, possibilitando a todos saber quem visitou uma autoridade pública, quais interesses promoveu e se esses interesses se traduziram de alguma forma em leis ou medidas administrativas. Em segundo lugar, eles diferenciavam o trabalho dos lobistas das atividades de movimentos sociais. Em terceiro lugar, fugiam à tentação de criar um “porteiro”, uma autoridade responsável por dizer quem pode ou não fazer lobby. Finalmente, evitavam criar um reserva de mercado, pois não exigiam que os profissionais dedicados ao lobby tivessem uma formação ou um título específicos. O texto que a Câmara aprovou é novo, assinado pelo deputado Laffayete de Andrada. Mas ele não se distancia muito dos projetos anteriores.

Há algo que deveria ser alterado no Senado?
O projeto do deputado Lafayette cria aquele “porteiro” a que me referi. Cada ministério, por exemplo, deverá ter um órgão centralizador das atividades de lobby. Quando algo desse tipo acontece, há o risco de que o ocupante do cargo  queira criar dificuldades para vender facilidades. Há também o problema da burocracia, que sempre tende se expandir. Depois de algum tempo, alguém vai sugerir a criação da Secretaria Extraordinária de Controle do Lobby, ou coisa que o valha, para comandar o trabalho dos órgãos inferiores. A meu ver, o texto tem outros problemas pontuais, como definições muito vagas para alguns conceitos fundamentais. É importante que o Senado faça consultas públicas e discuta o assunto em detalhes. Todos têm a ganhar com isso.

Se houvesse regulamentação do lobby há mais tempo, escândalos como o petrolão teriam sido evitados?
Uma regulamentação desse tipo não pode impedir, sozinha, que haja corrupção. Mas trata-se de um avanço importante para um país onde ainda há muito a fazer, no sentido de tornar a administração pública mais limpa e transparente. A regulamentação dissemina os princípios da boa governança pública e ajuda a criar uma cultura de integridade no país.

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  1. Interessante difusão. O lobby, sendo uma prática já conhecida e, sabidamente com histórico de não atender interesse público é importante copiar as medidas adotadas pela OCDE como expostas pelo professor. Parabéns!

  2. Muito interessante, mas inócuo. O lobby já existe sem transparência e com corrupção, e vai continuar assim, mesmo com o (bom) projeto aprovado. Como acontece com as licitações.

  3. De fato, lobby, a primeira vista é algo errado ou de interesses de determinados grupos em detrimento ao bem comum. Acredito que, uma vez regulamentado, com regras claras a relação do público e privado tende a avançar e melhorar. O texto foi feliz na forma como abordou o tema, parabéns!.

  4. A ideia é boa, o povo é que é ruim. É inevitável que o "porteiro" a que se refere o entrevistado acabe por surgir por geração expontânea e tomar a posição imediatamente anterior ao contato desejado. Num país cheio de espertos como o bananão sempre haverão criadores de dificuldade associados a vendedores de facilidades.

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