AlexandreSoares Silva

Viver sob um governo que você despreza é o estado natural do homem

11.11.22

“A gente perdeu a alegria e muitas vezes a gente perdeu a esperança”, disse Gregório Duvivier, aos soluços, naquele programa lá dele que uma vez posto no ar é visto por menos pessoas do que antes de ter sido feito. Ou de até ter sido concebido na cabeça de alguém.

Menos visto que um espirro na cabine de um banheiro de oficina mecânica. Menos visto que a morte de uma formiga na borda de uma janela de cozinha, perto do pote de mel mal-fechado, numa manhã tranquila de abril.

Mas continuemos com Gregório Duvivier: ”A gente teve que fazer um esforço pra não adoecer de tanto trauma”.

Se referia ao mundo depois de 2018, ou na verdade depois de 2016, quando essa tribo ficou traumatizada com um reles impeachment.

“O pesadelo acabou”, li várias vezes no Instagram — nos perfis de escritores, chefs, atores, etc.

Sim, deve ser um pesadelo viver sob um governo que não é o que você escolheu.

“Não é isso, Alexandre! Não se faça de desentendido! Foi muito mais que um governo que não fui eu que escolhi, foi um governo que…”

Sim, todo governo que você não escolheu está perpetuamente pespegado da Vertigem do Mal Absoluto.

“Não é verdade, Alexandre. Nos governos tal, tal, tal, não era o que eu queria, mas eu sabia que eram pessoas fundamentalmente decentes…”

Não é o que você dizia na época, seu tonto que se engana com uma facilidade abismal.

Não simpatizo muito com essa gente que “teve que se esforçar pra não adoecer de tanto trauma” porque ser conservador é viver quase todo o tempo sob governos que não escolhemos. Acho normal, até confortável. A ideia de considerar os próximos quatro anos “um pesadelo” me parece uma fragilidade psíquica desprezível.

Nas primeiras horas depois da eleição do Lula senti um certo desânimo. Mas logo depois percebi que uma parte de mim estava até contente.

Eu estava, e estou, mais relaxado. Viver sob um governo que você defende (ou, no meu caso, que você mais-ou-menos defende, de vez em quando) causa uma tensão constante, como se você andasse por aí durante quatro anos com a barriga comprimida à espera de uma chicotada de toalha molhada.

Mas viver sob um governo que você despreza? Ora, é gostoso. Defendam vocês o seu governo aí. Eu só tenho que sentar numa poltrona e assar uns marshmallows enquanto observo vocês suando frio, tentando justificar os futuros Portos de Mariel e demais petezices que virão nos próximos anos.

Viver sob um governo que você despreza é o estado natural do homem. É pelo menos o estado natural de um conservador e, ainda por cima, cristão e tal (no momento, o máximo de definição religiosa que consigo dar de mim mesmo é “cristão e tal”). Não digo que não seja útil assumir o governo. Mas digo que é muito agradável quando ele nos escapa.

Mas digo isso porque sou otimista por natureza, e acredito naquela tese de que o Brasil não vai se venezuelar todo porque os outros governos de esquerda da América Latina precisam de um Brasil rico para lhes pagar a mesada. Esperemos que sim. Posso estar errado, mas, enfim, a longo prazo foi sempre sábio da minha parte apostar no adiamento dos apocalipses.

Sim, sei de mães de amigos meus que passaram mal com a eleição do Lula, e tiveram que ir pro hospital até. Mas são senhoras. Elas rezam terços com fervor e botam todo o coração no resultado de uma eleição. São naturalmente preocupáveis, alarmáveis, abaláveis. São, em outras palavras, senhoras, podem se sentir como quiserem. Mas Gregório Duvivier não é uma senhora. Não tem justificativa nenhuma pra ter passado os últimos quatro anos “fazendo esforço pra não adoecer de tanto trauma”. Isso é ridículo.

Meu amigo que acha que acordou de um pesadelo, você tem problemas pessoais. O que não é vergonha nenhuma. Quem não tem? Até o Tom Brady deve ter as suas angústias incomunicáveis. De quebra, talvez tenha alguns problemas mentais, o que também não é vergonha nenhuma. Essa mania de atribuir toda a sua infelicidade e angústia a um governo que não deixa você ser feliz como uma borboleta de desenho animado só pode ter uma consequência, e bem óbvia: assim que os dias passarem sob o governo que você ama e você perceber que continua infeliz, e que agora não tem ninguém a quem culpar, você vai ficar mais ou menos angustiado? Vai sentir que acordou de um pesadelo, ou que ele teve um plot twist e ficou pior?

Mas por que você não teve essa dose mínima de autorreflexão até agora, a ponto de dizer que “o pesadelo acabou” porque um governo se foi? Até um sapo-cururu tem mais autorreflexão que isso.

Quanto a mim fui feliz em todos os quatorze cretiníssimos e criminalíssimos anos de governo do PT, como fui sob o general Figueiredo e até sob o Sarney, e vou continuar feliz apesar de qualquer mera troca de governo.

Bota lá no governo o cadáver do Mao Tsé-Tung pra ver se eu falo em pesadelo. Mas nem que a vaca tussa. E por quê? Porque não tenho a fragilidade mental de um petista.

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  1. Adorei seu comentário .Passei pelo mesmo processo, voteibno Bolsonaro pq minha consciência não me permitia votar no Lula: cínico, sociopata, corrupto e corruptor. Hj estou numa boa, nem começou o novo governo e já estamos sentindo o que vem por aí., além da palhaçada da tal transição. Típica da esquerda universitária mas agora muito pior.

  2. Eu sei que entrar governo, sai governo, e eu tenho que acordar ás 05h30 min pra ir pegar o buzão cheio e ir trabalhar. Nem tenho tempo pra ficar triste ou doente. Essas opções são pra poucos, pra quem vive de mamar nada tetas governamentais.

  3. Ia até comentar, mas quando o cara misturou politica e religião, acabou, melhor nem dar Ibope pro sujeito, Não tenho a fragilidade mental dele.

  4. Eta recalque! Mais gente assiste ao grenews do que assina essa revista ou lê essa coluna. É clara a falta de assunto ou argumento do colunista, se limitando a achar que é virtude apontar um suposto defeito no outro. Nós versus eles já está ficando bem velho. A fila anda....

  5. Você deixou clara a diferença de um eleitor politizado e preparado para ajudar um país a ser próspero. Infelizmente, a América Latina (e vimos mais acima estes anos) , é um celeiro de políticos, autoridades, empresários e eleitores subdesenvolvidos. Portanto, o futuro do país é este aí mesmo, e o que se vive desde o passado,.

  6. Se o que está dito é verdade, viverei os 4 anos mais gostosos de minha vida... Haverá algo mais desprezivel do que lula e pt (as minúsuculas são propositais e proporcionais a estatura de ambos)? Mais que desprezíveis, repugnantes. Ladrões, uni-vos! Está tudo liberado. Começemos com uma PEC liberadora de 200 bilhões...

  7. Não consigo me satisfazer por ter um governo que odeio exercendo o poder, já que suas péssimas decisões irão afetar a minha vida. Porém, certamente, não precisarei fazer esforço para não adoecer de tanto trauma. Afinal, tenho uma vida para ganhar.

  8. Muito oportuna e bem elaborada sua manifestação. Restabelece a esperança de que não seja tão ruim quanto a gente teme e se algo de bom vier, será ainda mais festejado… mesmo que se tenha de dar o braço a torcer!

  9. É dura a vida do cronista condenado que está a levar cacetadas independente do assunto abordado. Quem liga? Um gordo contracheque no final do mês cura qualquer crise existencial; ficou triste, angustiado, de mau humor, suando frio? Viaje para a Itália. Dizem - os que padecem destes males - que a Velha Bota cura até indigestão, frieira e paumolescência. Sobre o texto, soou como música aos meus ouvidos embora eu tenha dúvidas sobre uma única afirmação: “Duvivier não é uma senhora”. SERÁ⁉️🤔🤔

    1. Se tem duvida a respeito do DUVIVIER, vá conferir, passe a noite com ele... simples

    2. Porém, em caso de falta de dignidade, de pudor e/ou de hombridade no desempenho das funções, escapar para países do primeiro mundo pode não resolver as mágoas cotidianas, antes, pode agregar dissabores como provam as agruras pelas quais passa nosso querido sinistro G. Mentes quando em Portugal (que nem é primeeeeeiro mundo). Até o sinistro Embarreado provou da fúria de populares aqui mesmo em SC. Portanto, “jornativistas”, muita calma na escolha do destino: Caracas e Havana podem ser + seguras.

  10. Fraco. Defender um governo + ou - é foda! Saia de cima do muro. Deixe o humorista em paz. o pior é o Antagonista + ou - reproduzir post da "Colunista Social".

  11. Ótimo texto! kkk É a vida que segue para os que não fazem parte dos “doidinhos” da direita que batem continência ao léu e se grudam na frente de caminhão e que se espantam em se deparar com o ressurgir (não como a fênix)!) das cinzas vermelhas os “maluquinhos” woke de esquerda renascem como uma versão distorcida e muito piorada da graúna do Henfil. Pobre Brasil abastecido dia sim e dia sim novamente, por oportunistas espertalhões de direita e de esquerda cultuando políticos de estimação!

  12. Sou professor. Defendo q a escolarização muda as pessoas pra melhor e lha da mais oportunidades na vida. A falta dela por essas bandas faz o contrário, como estamos acostumados a ver. Ouso dizer q seríamos mais felizes se houvesse politicas públicas de estado e não do governo de plantão.

  13. Gosto de ler textos bem escritos. Não que eu seja algum tipo de crítico, mas é prazeroso ler. Eu aprendo palavras novas, formas de expressar melhor algumas situações...ou seja, inspirador. Ainda mais que nos últimos anos (e talvez nos seguintes) a cognição continue em baixa, ler bons textos é animador. Nem me dou do luxo de fazer juizos, afinal, antes - como disse - isso está se tornando raridades.

  14. Adorei!!!! Adoro seus textos! Exatamente isto! Curto e grosso! Quem não gostou, que vá fazer sua autorreflexão. Muita gente se protege debaixo desta autopiedade. Aguentamos todos os governos, o que vier, e temos que seguir em frente, lutando e feliz de preferência.

  15. Estou abismado a que ponto chegou a Crusoé, tentando ser engraçadinho, criticando uma pessoa que talvez tenha sido infeliz em um comentário, mas no fundo no fundo defendendo um presidente anti-democrático, genocida e muito corrupto. Votei no Bolsonaro em 2018, acreditando que devíamos mudar, mas mudamos para pior, muito pior. Em 2022 votei no Lula para mudar novamente, mas principalmente para tirar o lou.co do desgoverno. A questão não é se vamos viver bem e ser feliz, é viver com tranquilidade.

  16. Muito bom. Com o seu obséquio, tomo para mim as suas palavras.É isso mesmo. Sabedoria dos antepassados. Nem tudo são flores, quando forem regue-as. O que farei mesmo com o petismo no poder.Tudo passa e eu passarinho.Farei o possível às minhas contrariedades, para não ultrapassar o campo das idéias. Será mais uma experiência para sustentar meus princípios e valores humanos.Deve ser também uma prova de obedecer os alicerces da democracia.Ninguem tem o direito de me deixar doente.

  17. Sempre excelente o Alexandre. Minha eterna reclamação: devia ser semanal. Ficar nos privando de seu texto é uma tortura, quase um adoecer de tanto trauma rsrsrsrsrs.

  18. Perfeito, próprio de quem não tem a fragilidade mental de um petista. Aguardaremos, na placidez de quem não terá o governo que queria, a "felicidade de borboleta de desenho animado" de quem será governo.

  19. Sensacional Alexandre! Escrevi algo muito parecedo em grupo de WhatsApp quando começaram as manifestações pós-eleição. Além disso, penso que que as manifestações são problema do presidente eleito. É ele quem tem que convencer os manifestantes de é a melhor opção

  20. Bravo, Alexandre Soares! Eu também não tenho fragilidade psicológica com nada. Mesmo quando culpo a “revolução” hippie do anos 60 pela nossa total idiotia social, eu ainda acho que hoje foi melhor que ontem; que amanhã será melhor que hoje. A minha felicidade depende de mim e não de um bando de gente rude e atrasada.

    1. Exato. A gente fica no máximo preocupada, mas sem drama.

  21. Boas e instigantes reflexões meu caro. Não havia pensado antes dessa maneira, mas ao ler seu artigo descubro que eu também não tenho a fragilidade emocional de um esquerdista qualquer. Sou também um conservador e consigo lidar calmamente por viver sob um governo que não escolhi. Não será diferente dessa vez. Grato pelas reflexões.

  22. Adorei! Gostaria de fazer uma contribuição pessoal que vai deixar o Gregorio Duvivier mais abalado ainda: fui feliz durante os anos 70-80, fui feliz andando livremente pelas ruas do Rio - inclusive de madrugada - fui feliz nas dunas da Gal, no Circo Voador, no Teatro Ipanema, no Jangadeiros, no Maraca, no Zepellin, no Frenetic Dancing Days, no Teatro Tereza Rachel, no de Bolso, e em milhares de outros lugares - e, pasme! - tudo isso durante a Ditadura. Amigos se perderam mas a vida continuou…

  23. Alexandre, muito obrigado, você conseguiu sintetizar e expressar tudo que eu queria dizer dessa turma inútil de "artistas", "sensíveis" e lacradores em geral. Parabéns.

  24. É o pior texto que li nos últimos meses. O que é isso, gente? Tem muita bobagem sem pé nem cabeça, fragmentado e EXTREMAMENTE individualista. Pior que um conservador é um que perdeu a eleição. Aff

    1. Mara Rúbia, talvez você se sinta melhor trocando umas ideias com a Marilena Chauí.

    2. Se o povo tivesse educação de qualidade, com certeza seriamos mais felizes

    3. A vida não se resume a uma atitude política. Ela é bem maior do que isso. A história do Brasil ja demonstrou que nada aqui é pra sempre e nada é igual. Já tivemos governos de todo tipo, moedas de todas as faces, líderes de todos os matizes ideológicos E sobrevivemos.

  25. Primeiro foi o Diogo, que se mandou.Depois, o Sabino. Ambos deixaram nos seus lugares, o Cláudio Dantas, bolsonarista às segundas, quartas e sextas e petista nas terças, quintas e sábados. Lendo hoje aqui este Silva, receio que CRUZOÉ ainda contrata o Tiririca para colunista.

    1. Pare de achar que tudo na vida é política, meu querido. Olhe em volta, na sua própria casa. O que pode melhorar? As vezes miramos muito longe por receio de encararmos o nosso dia a dia. Reflita. MS

  26. Estar a contragosto sob um governo desprezível é normal, porém ser presidido por um criminoso descondenado é inconcebível. Quanto ao fulano que você se refere na matéria não merece maiores considerações.

    1. É patéticamente alienista se sentir feliz ou não, em função de um governo.

  27. Qualquer cadáver - Mao, Kennedy, Lenin... - estaria ótimo. Pelo menos não abrem a boca pra ficar vomitando asneiras, mentiras, justificativas, ódio e elogios egocêntricos. Se alguém não amordaçar esse chato daqui a pouco a rejeição dele supera a do Bozo.

    1. Xandinho (no diminutivo,claro) porque o dono do aumentativo não permite a mais ninguém auto-atribuir-se como tal, dessa vez vc “matou a pau”. Foi o texto mais engraçado e consequente que eu li nos últimos cem anos (um dia, sabe-se lá eu chego lá). Esse tal duviviê, pra mim, tá mais pra “dumorrê” pela carga irreprovável de burrice que ele carrega. Vc quase supre, nesta B.o.s.t/a que se transformou a nossa saudosa Crusoé, a ausência de Sabino e Mainardi. Axé!

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