Raylson Ribeiro/MREA coroação de Dom Pedro I, pintada por Debret: o brasileiro é hipnotizado para venerar o invenerável

Por que nos tornamos um Império, e não um Reino

Nome forte, desafio lidar com as potências europeias e vontade de se colocar como um líder eleito influenciaram a escolha de D. Pedro I
28.10.22

Em 12 de outubro de 1822, o príncipe tornou-se D. Pedro I, Imperador do Brasil. Muita gente pensa que esse título veio com o 7 de setembro, nas margens do Ipiranga. Mas não. Até 12 do mês seguinte, dia de seu aniversário, D. Pedro continuou a assinar apenas como regente de seu pai, D. João VI, rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. A ascensão ao Império foi o momento de início efetivo do Estado brasileiro, complementar ao 7 de setembro, em um processo muito mais complexo, incerto e caótico do que costumamos imaginar. Há muito mais a se descobrir de nossa Independência do que conhecemos. Duzentos anos depois, um tema interessante a se lembrar é uma pergunta que normalmente não fazemos e passa muitas vezes sem reflexão: por que se criou um Império e não um Reino?

A questão não foi, na época, apenas um formalismo ou uma escolha sem consequências. Alguns conselheiros de D. Pedro teriam resistido ao título, por achar que poderia sofrer críticas das potências europeias, dado que o grande Império daquele momento havia sido aquele declarado por Napoleão Bonaparte, derrotado em 1815, exatamente pelas monarquias daquele continente.

De fato, em 1825, quando o jovem Brasil (criado em 1822 e não existente desde 1500) buscava o reconhecimento das potências europeias, havia por lá um incômodo importante com a escolha de D. Pedro e pressões para que o título fosse revertido ao de rei. A medida era essencial, pois a existência de um Estado independente também requer que os demais (e na época o importante eram as potências europeias) o reconheçam como igual. Sem isso não há relações diplomáticas, comércio ou mesmo aceitação do passaporte daquele país. Para uma jovem nação, ser reconhecido poderia significar, ademais, um apoio internacional a seu projeto.

A escolha pelo Império foi, assim, um ato político com significado e um elemento relevante sobre a forma como ocorria o processo de emancipação brasileira. A ideia, segundo algumas versões, teria surgido na maçonaria, espaço de encontro e debate político relevante do período. Outro relato, de Vasconcellos de Drummond, político alinhado ao Patriarca da Independência, José Bonifácio, como a fonte do projeto de Império, deixando de lado a opção de um “Reino do Brasil”.

O Brasil, aliás, já era um Reino, unido a Portugal, desde 1815, não sendo mais colônia desde então. Bonifácio teria se decidido sobre o título antes de setembro de 1822 e teria dito a Drummond que “um título pomposo se acomodava mais com um nobre orgulho dos brasileiros do que outro qualquer”.

Outra explicação foi apresentada na época em uma instrução enviada ao diplomata brasileiro na França pelo chanceler Luís José de Carvalho Melo que, em dezembro de 1822, substituiu José Bonifácio no Ministério, dado problemas entre o Patriarca e o Imperador (que provocariam a ruptura entre os dois). Havia, segundo esse documento, três razões para a escolha: por “certa delicadeza com Portugal”; “por ser conforme às ideias dos brasileiros”; e “para anexar ao Brasil a categoria que lhe deverá competir, no futuro, na lista das outras potências do continente americano”.

Em outras palavras, preferia-se o Império pela situação com Portugal, criando uma forma de diferença ou novidade que evitaria a ideia de quebra do Reino português. Também se justificava a decisão pelas dimensões do território do Reino do Brasil, que o Rio de Janeiro pretendia que fossem totalmente incorporadas ao novo Estado. Essa área enorme inspirava algo mais grandioso, que poderia se tornar um dos grandes impérios da História.

Mais interessante ainda era a segunda razão, a afirmação de que o Império era “conforme às ideias dos brasileiros”. Historicamente, um imperador era escolhido, ou seja, eleito, para o cargo. O rei, ao contrário, seguia uma legitimidade dinástica. D. Pedro, herdeiro da coroa, mas que havia optado por “ficar”, aliando-se a grupos que resistiam às cortes constitucionais de Lisboa, buscava transmitir uma imagem de adesão às ideias liberais. Ele equilibrava diferentes projetos e visões, mas sua inspiração vinha de fato de Napoleão, que sempre ressaltara o caráter “eletivo” de sua ascensão ao Império.

O título, em conclusão, trazia uma dupla vantagem: representava a força do vasto território que D. Pedro governaria e aglutinava a legitimidade monárquica com a popular. D. Pedro, com isso, procurava significar que seu poder, ainda que mantendo a proeminência da Casa de Bragança, também vinha de uma escolha da população.

A coroação efetiva do novo imperador ocorreu apenas em dezembro de 1822, concluindo um longo processo que se desenrolou no Rio de Janeiro ao longo daquele ano.

 

Hélio Franchini Neto é diplomata e historiador. Escreveu o livro Redescobrindo a Independência: uma história de batalhas e conflitos muito além do Sete de Setembro (Benvirá)

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  1. O Grito do Ipiranga foi um ato marcante, o reconhecimento do Brasil como Estado independente se deu tempos depois, com o reconhecimento do Reino de Benim na África e posteriormente dos Estados Unidos. Portugal só reconheceu a soberania brasileira após a assinatura do Brasil se comprometendo a pagar uma indenização a Portugal, referente à frota naval e o acervo da biblioteca nacional.

  2. O pior veio depois com uma república proclamada nas coxas e de país de primeiro mundo que éramos bno século XIX com o imperador Pedro II viramos o lixo de hoje ... pobre Braziu;

  3. nem a historia brasileiros respeitam.. os Estados Unidos imitaram a Franca e foram muito alem. E ninguem criticam seus lideres como nos brasileiros. so falta falar que Dom Pedro era diderente dos reis da Franca quanto a amantes e a outros quanto a outros por seus rompantes que acabaram nos tornando independentes. com poder Moderador ou nao. Brasileiro fala mal de todos. porisso nao temos nem heroi Nacional... De Goulle tinha razao esse nao e um apais serio...

    1. Em compensação temos dois “mitos” decantados pela mídia subserviente e por historiadores idem (a maioria funcionários públicos) todos contando estórias q, repetidas, se tornam textos oficiais em agradecimento aos “padrinhos”. Ah! Quanto aos “mitos”: um aa Macunaíma revivido q assustaria o original; outro militar afastado por comportamento sociopata. Ambos peladeiros finalistas para a Presidência da República. Realmente, o povo não é serio! AhSe tivéssemos Mandela, Churchill, Lincohn ,Eisenhower…

  4. Na verdade fala-se, presunçosamente, em “conforme as ideias dos brasileiros” (como “garimparam” essas ideias?). D. Pedro, de olho no trono de Portugal e o peesidista mineiro Bonifácio (craque!) de olho no poder de mando, garimpando o poder absoluto, manipulando o papel de “pai” nomeado, em Diário Oficial, do pequeno PedroII. Ou seja: tudo interesse de grupos (maçonaria e etc e de famílias brasileiras e afins). E Bonifácio criou o centrão, sobrevivente imortal da politica brasileira.

  5. Uma boa reportagem,tb ñ sabia da diferença.Acabo d ler um livro sobre princesas (quase todas) totalmente infelizes em seus casamentos c/coroados,uma delas foi a nossa Leopoldina.A imagem d D.Pedro I na Europa passada no livro é igual ou pior q a de JB. Realmente o "gajo" era descontrolado (hiperativo), mau aluno, mal-educado, colérico, rude, sem maneiras, incontrolável, desrespeitoso, infiel e culpado pela morte prematura da jovem imperatriz de 29 anos.Como se não bastasse ainda era epilético.

  6. O conceito de império inclui também o domínio extenso sobre povos diferentes, de diferentes culturas, o que jutificaria o nome de Império Romano, Império Britânico ou Império Russo, o que seria de certa forma explicado pela variedade de culturas regionais e, pelo menos em relação à Cisplatina (atual Uruguai), até mesmo língua diferente.

  7. O conceito de império inclui também o domínio extenso sobre povos diferentes, de diferentes culturas, o que jutificaria o nome de Império Romano, Império Britânico ou Império Russo, o que seria de certa forma explicado pela variedade de culturas regionais e, pelo menos em relação à Cisplatina (atual Uruguai), até mesmo língua diferente.

  8. Já essa matéria que incentiva a permanecer assinante. Fazer o que? Para ler algo bom como essa reportagem, preciso atuar o Villa? Então... paciência.

  9. Muito bom. Os obstáculos que se apresentaram em mudanças do tipo que aconteceram na Independência são ótimos para aprendermos. Muitos acontecimentos se repetem, mesmo com autores ou situações diferentes.

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