A regra é clara: se você não faz o L já no primeiro turno, se não posta a foto de uma pilha de 13 livros vermelhos para sinalizar sua virtude e influenciar de maneira decisiva o resultado das eleições, você é fascista. Pelo menos é o que vem sendo dito nas redes sociais por militantes do PT, essa turma que é craque em persuadir potenciais eleitores pelo método do xingamento (spoiler: não funciona). O discurso é o do “voto útil”, e o objetivo, claro, é eleger Sua Lulidade o mais rápido possível, para acabar logo com toda a barbárie que está aí.

Sim, Jair Bolsonaro é uma abominação: um sujeito completamente desqualificado para o cargo que exerce, que comete crimes de responsabilidade semanais, se não diários, e que já deveria ter sido ejetado da Presidência há tempos. Mas espere aí: ele já não era assim em 2021? E em 2020, 2019, 2018? E desde muito antes de ser eleito para a chefia do Executivo? Um fanboy de torturador, que já defendeu o fuzilamento de Fernando Henrique Cardoso e o fechamento do Congresso, não é antidemocrático desde sempre? O que o PT — que grita que o país não pode esperar quatro semanas até o segundo turno, porque a democracia precisa ser salva com urgência — fez nestes quatro anos em que o Brasil foi submetido ao negacionismo e às atrocidades bolsonaristas?

(Abro o parêntese só para lembrar, já que muitos parecem não saber, que em caso de derrota o atual presidente só sairá em 1º de janeiro de 2023; perder no primeiro ou no segundo turno não faz a menor diferença. Acredito ainda que uma eventual vitória de Lula já em 2 de outubro não tem como não ser apertada e, por isso, mais passível de contestação. É claro que Bolsonaro vai encher o saco de qualquer jeito — trata-se da mesma pessoa que apontou “fraude”, sem jamais provar, até numa eleição que ganhou —, mas perder para um oponente com, digamos, 50,5% dos votos facilitará bastante essa sua missão. Fecha parêntese.)

Eu digo o que o PT fez: trabalhou ativamente para que Jair Bolsonaro fosse seu antagonista no pleito que se aproxima. Não é uma comparação entre esses dois senhores que disputam a Presidência agora, antes que vocês (não vocês aí, outros vocês) comecem com os gritinhos de “falsa simetria”. Lula não moveu um dedo para tirar o rival do cargo por impeachment, embora tenha mandado um “fora, Bolsonaro” aqui e ali para não ficar muito na cara; além disso, petistas boicotaram ativamente nas redes sociais manifestações convocadas “pela direita” para destituir o presidente. Claro: Bolsonaro já era atroz e já era uma ameaça à democracia, mas impeachment àquela altura faria a Presidência cair no colo do general Mourão ou de qualquer outro não portador da carteirinha do partido — e isso importava muito mais do que remover o antivax garoto-propaganda da cloroquina, enquanto a pandemia da Covid corria solta e matava muita gente.

Há mais: os parlamentares petistas votaram em peso a favor da recondução de Augusto Aras à PGR, o mesmo Aras que engaveta qualquer coisa que possa se converter em problema para Bolsonaro. Também ajudaram a aprovar a PEC Kamikaze, aquela que permite ao presidente despejar dinheiro em benefícios, e obter dividendos eleitorais com isso, sem ser punido pela manobra. Não preciso nem lembrar, mas lembro: em 2018, figuras notórias do PT, como Breno Altman, admitiam abertamente que queriam Bolsonaro como adversário. E não tenho nada a favor de Ciro Gomes, mas sabe-se que pesquisas da época indicavam que ele poderia ter vencido o segundo turno; Lula, porém, preferiu perder para o “fascista” a tocar segundo violino para Ciro e perder a hegemonia na esquerda —vai ver que nessa época a democracia não estava tããão em perigo assim, veja bem. É um cálculo político em que o Brasil entra só como detalhe, e olhem lá.

Portanto, toda essa grita de que é questão de vida ou morte para a democracia resolver a eleição no primeiro turno é 100% fingida: os petistas estão, isso sim, morrendo de medo de que Bolsonaro ganhe terreno nas quatro semanas até a segunda etapa, graças ao Auxílio Brasil turbinado que ELES MESMOS ajudaram a aprovar. É como a torcida do time que está ganhando de pouco e começa o coro de “acabou, juizão!” aos 35 do segundo tempo. Não caiam em conversa de cara de pau que só berra “ameaça à democracia!” se a única alternativa pós-fiasco da Terceira Via for votar no Deus Sol. Espero que, na próxima, essa turma argumente com a possibilidade de fazer um churrascão e encher a cara em 30 de outubro se não houver segundo turno: é mais digno e bem mais convincente.

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A GOIABICE DA SEMANA

Nesta semana, a disputa foi acirrada. Eu pensei em dar o troféu para alguns dos muitos momentos vergonhosos proporcionados por Bolsonaro e seus fiéis nas passagens do presidente por Londres e Nova York — por exemplo, o ridículo Carnaval em meio aos funerais da rainha Elizabeth II ou os bolsominions gritando que repórteres brasileiros da BBC não eram “bem-vindos”, como se Londres fosse a Barra da Tijuca ou Rio das Pedras. Mas acho que o título vai mesmo para ACM Neto, que se autodeclarou “pardo” em seu registro no TSE. Tenho certeza de que ele olhou bem no fundo de si mesmo e descobriu sua negritude profunda, essencial; como dizia Antoine de Saint-Exupéry, o essencial é invisível aos olhos.

ReproduçãoACM Neto, o pardo, dando aquela turbinada na sua produção de melanina