A batalha por São Minas
Na primeira semana da campanha eleitoral oficial, tanto Jair Bolsonaro quanto Lula visitaram Minas Gerais.
Na terça-feira, 16, o presidente foi a Juiz de Fora, palco do atentado a faca que quase o matou em 2018. “Estamos dando a largada de onde tentaram nos parar”, disse ele, que em seguida defendeu as ações de seu governo e relembrou os casos de corrupção associados ao PT.
No dia seguinte, quarta-feira, Lula deu uma longa entrevista a uma rádio mineira. Preparação para o comício de estreia realizado nesta quinta em Belo Horizonte, a capital do estado, durante o qual o petista disse que nesta eleição se opõem “democracia e barbárie” – uma variação da “luta do bem contra o mal” propalada pelo seu adversário.
As incursões pelo solo mineiro não foram, obviamente, um acaso.
A despeito do ambiente carregado e de todas as preocupações com a saúde da democracia brasileira, estas eleições têm muito mais traços de normalidade que as de 2018. O sentimento antipolítica refluiu. Bolsonaro não é mais um outsider e, como qualquer candidato que busca a reeleição, desta vez será julgado por tudo que disse e fez na presidência. Como na grande maioria dos pleitos, a situação da economia preocupa muito mais os eleitores do que questões ideológicas.
A pesquisa Datafolha divulgada no final da tarde desta quinta-feira confirmou algumas expectativas. Ela mostra que as chances de uma vitória de Lula no primeiro turno vão se tornando menores. A diferença entre os dois candidatos, que era de 21 pontos percentuais em maio e de 18 pontos percentuais em julho, caiu agora para 15. O petista tem 47% das intenções de voto, contra 32% de Bolsonaro, que cresceu 5 pontos em um mês – provavelmente, por causa da melhora nas estatísticas de emprego e da distribuição de bondades como o Auxílio Brasil turbinado e os vouchers para caminhoneiros e taxistas.
Uma campanha mais “normal”, protagonizada por políticos que já fincaram suas bandeiras em amplas áreas do país (o Sul para Bolsonaro; o Nordeste para Lula) e cujas intenções de voto começam a se aproximar, faz com que a maioria dos analistas antecipe um cenário clássico, em que Minas Gerais se apresenta palco da maior batalha. Daí as agendas no estado logo no início da corrida.
Ao lado de Minas, surge também São Paulo. Ao contrário de 2018, quando Bolsonaro venceu o petista Fernando Haddad de lavada no estado, por uma diferença de 8 milhões de votos, desta vez cada eleitor paulista terá de ser conquistado com suor.
São Paulo tem 34,6 milhões de eleitores e Minas, 16,2 milhões. Os dois respondem, juntos, por quase um terço do eleitorado brasileiro, composto por 156 milhões de votantes.
Menos conhecida é a matemática do voto mineiro. Os resultados no estado costumam espelhar bem de perto os resultados gerais da eleição. Em 2002, 2010 e 2014, por exemplo, o posicionamento dos candidatos em Minas, no fim do primeiro turno, repetiu exatamente a ordem da votação nacional. Desde 1989, a coincidência entre o perfil da votação em Minas e o perfil da votação no Brasil foi de surpreendentes 74%.
Isso acontece porque nenhum estado reflete melhor a diversidade do próprio Brasil do que Minas Gerais. O norte mineiro tem características semelhantes às da região Nordeste. O Triângulo Mineiro tem parentesco com o Centro-Oeste. A Zona da Mata, a leste, reflete o Rio de Janeiro, enquanto o sul faz lembrar São Paulo. A região metropolitana de Belo Horizonte tem suas próprias peculiaridades, mas seus habitantes enfrentam os mesmos problemas dos moradores de outras grandes cidades brasileiras. O Indice de Desenvolvimento Humano de Minas Gerais é de 0,731, muito próximo do índice médio do país, de 0,727.
Quando querem testar um novo produto, é normal que empresas façam o trabalho em Minas, em vez de multiplicar as pesquisas pelo Brasil. Da mesma forma, um candidato à presidência que conquista os mineiros provavelmente encontrou mensagens adequadas para todas as regiões do país. Para uma campanha política, decifrar o “irrevelável segredo chamado Minas” (segundo o verso do mineiro Carlos Drummond de Andrade) equivale à descoberta do Santo Graal.
Embora tenha mostrado um estreitamento da diferença nacional em relação a Bolsonaro, a pesquisa Datafolha trouxe boas notícias para Lula em Minas. Ele aparece 20 pontos percentuais à frente do principal adversário: 49% a 29%. Outra vantagem de Lula é que ele fechou uma aliança no estado com o candidato ao governo Alexandre Kalil (PSD). O ex-prefeito de Belo Horizonte, que subiu ao palanque com Lula nesta quinta-feira, aparece em segundo lugar na eleição estadual, com 23% das intenções de voto, contra 47% do líder Romeu Zema (Novo). Kalil e Lula têm força em segmentos diferentes do eleitorado mineiro, o que significa que um pode ajudar o outro a conquistar novos votos: o petista é popular no norte, enquanto Kalil tem sua base na região metropolitana de Belo Horizonte.
Bolsonaro, pelo contrário, não tem um bom palanque em Minas Gerais. Sua equipe até tentou fazer um pacto com Romeu Zema, que nos últimos anos manifestou apoio ao presidente em algumas ocasiões. Mas Zema não cedeu e não deve mexer um dedo em favor de Bolsonaro, que fará campanha ao lado de seu correligionário do PL Carlos Viana (apenas 5% de intenção de voto).
O arranjo político é menos desfavorável a Bolsonaro em São Paulo do que em Minas. Seu candidato ao governo, o ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas, é competitivo. Ele aparece em segundo lugar na pesquisa Datafolha, com 16%, atrás do petista Fernando Haddad (38%), mas à frente do atual governador Rodrigo García (11%). Apesar de controlar a máquina administrativa potente e bastante azeitada do estado, García pode, sim, ser suplantado por Tarcísio, que assim garantiria a Bolsonaro um palanque em São Paulo no segundo turno.
Do lado petista, a equação é complicada. Como no restante do Brasil, Lula tem menor rejeição em São Paulo do que seu partido, o PT. Portanto, não se deve esperar que Fernando Haddad (derrotado por Bolsonaro em 2018) carregue votos para o candidato à presidência. Também há sérias dúvidas sobre a capacidade de Geraldo Alckmin, o vice de Lula que cumpriu quatro mandatos no Palácio dos Bandeirantes pelo PSDB, conquistar para o PT uma parcela do eleitorado que antigamente lhe era fiel. Marqueteiros e pesquisadores ouvidos pela Crusoé dizem que, por enquanto, Alckmin é um “não-personagem” na campanha paulista (ou, pior, é tachado de “vira-casaca”, quando seu nome surge na conversa).
Ainda assim, o ex-governador tucano deve passar boa parte da campanha no seu estado natal, comparecendo a eventos com Haddad sempre que possível. “Alckmin só vai começar a viajar agora pelo estado”, diz um integrante da campanha petista em São Paulo. “Pelo seu perfil e pela sua história, não temos dúvida que muitas resistências vão cair quando ele estiver no corpo a corpo com eleitores e outros políticos. Um prefeito que não apoia o PT me disse outro dia: não traga o Alckmin para a minha cidade, porque não vou conseguir dizer não a ele.”
E o Rio de Janeiro?
Depois de São Paulo e Minas, o Rio de Janeiro é o terceiro maior colégio eleitoral do Brasil, com 12,8 milhões de votos. Segundo o Datafolha, Lula tem 41% das intenções de voto no estado, contra 35% de Bolsonaro – uma diferença de 6 pontos percentuais. Mas não será fácil para o candidato petista manter essa vantagem. Além de ser o berço político do bolsonarismo, o Rio tem outra particularidade: a forte presença de evangélicos no seu eleitorado.
Segundo o próprio Datafolha, Bolsonaro conseguiu ampliar ainda mais a vantagem de que já desfrutava nesse segmento da população. Ele subiu de 43% para 49%, enquanto Lula caiu de 33% para 32%. Outras pesquisas mostram uma distância ainda maior. Segundo o levantamento PoderData divulgado nesta quarta, 17, Bolsonaro tem 51% contra 31% de Lula entre os evangélicos.
A defesa consistente do núcleo familiar feita pelo presidente, face às posições progressistas da esquerda nas questões de gênero, certamente ajuda a explicar o fenômeno. O fervor evangélico de Michelle Bolsonaro, que resolveu ser mais ativa na campanha, também é um trunfo do presidente. E devem fazer algum efeito os golpes baixos, como aqueles que associam Lula ao “mal” e à intenção de fechar igrejas. Mas esse, justamente, é o campo em que o petista resolveu brigar com o presidente, sobre quem disse nesta semana: “se tem alguém possuído pelo demônio, é o Bolsonaro”. Sinal de que nem Lula nem seu partido têm ideia de como fazer um bom combate em busca do voto evangélico e estão, sim, preocupados com a recuperação de Bolsonaro nesse segmento de eleitores.
Entre os estudiosos da eleição, o cenário mais provável é que no Rio de Janeiro, assim como em São Paulo, Lula e Bolsonaro cheguem a uma situação próxima do empate, com vantagem relativamente pequena para um dos lados. Como reza a tradição, é de Minas que virá a decisão. No momento, a vantagem no estado é de Lula, que tem boas chances de mantê-la. Mas a campanha mal começou.
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