RuyGoiaba

Uma campanha pra lá de propositiva

19.08.22

Enfim a campanha eleitoral começou oficialmente, e você não pode dar um passo nas redes sociais sem que alguém venha esfregar um santinho digital na sua cara. Até uma galera que parecia razoavelmente normal — gente que toma banho todo dia, passa no psicotécnico, consegue vestir as calças sem tropeçar nelas etc. — resolveu se candidatar neste ano. O que entendo totalmente, considerando certas figuras que se elegeram em 2018: como diria Ciro Gomes, a democracia é uma delícia, tão deliciosa que premia com cargos eletivos até pessoas que jamais passariam incólumes pelo mata-burro.

Como são só seis semanas de campanha, os candidatos e seus marqueteiros se empenham em vender seu peixe com a menor sutileza possível — ou seja, espancando o eleitor com esse peixe metafórico, cuja oferta é inversamente proporcional à do pescado verdadeiro nos mercados. Desta vez, conquistar aquela cobiçada cadeirinha no plenário da Câmara está mais difícil do que fazer o camelo entrar pelo buraco da agulha: em 2022, teremos 10.303 candidatos disputando as 513 vagas, ou 20,08 candidatos/vaga, um recorde. É um vestibular em que o candidato depende inteiramente dos outros: ganha a vaga não o mais preparado, mas o que consegue arrebanhar a maior quantidade de trouxas.

Com tudo isso, é natural que a campanha no Bananão já tenha começado 100% propositiva, puro suco do debate de ideias: por exemplo, com Jair Bolsonaro dizendo que a disputa contra Lula é a “luta do bem contra o mal” e o petista respondendo que o presidente está “possuído pelo demônio”. Vou ficar muito decepcionado se as agências de checagem não contratarem um exorcista para verificar se a afirmação de Lula sobre Bolsonaro possuído é VERDADEIRA, EXAGERADA ou FALSA. E, de todo modo, quem disse que o brasileiro curte “debate de ideias”? Isso é frescura escandinava: o que o povo gosta mesmo é de ver o pau comer na casa de Noca. Ademais (sempre quis usar “ademais” num texto do Ruy Goiaba; quase me sinto um editorialista do Estadão. Daqui a pouco meto um “outrossim” também), o voto presidencial da maioria parece estar bem decidido: as pesquisas dão um número baixo de brancos/nulos e indecisos.

O fato é que “renovação”, essa palavrinha mágica a que os comentaristas políticos atribuem sentido positivo, só serviu nos últimos anos para colocar estrupícios novos em todas as instâncias de poder, o que quase faz a gente sentir saudades de, como direi?, profissionais tarimbados do calibre de um Romero Jucá. Ao mesmo tempo, como já escrevi por aqui, os dois candidatos presidenciais mais populares só têm propostas de passado: Lula quer voltar ao governo dele, aquela época em que leite e mel jorravam das pedras, principalmente para empreiteiras amigas e “campeões nacionais”; Bolsonaro quer voltar ao regime militar ou, dependendo do caso, à Idade Média. É o que um amigo chama de disputa entre Restauração Lulon e Eterno Governo Figueiredo.

Diante disso, tenho duas coisas a dizer — na verdade, três. A primeira: desafio você a encontrar algo mais deprimente do que olhar para a foto de Michel Temer, Lula, José Sarney e Dilma Rousseff juntos na posse de Alexandre de Moraes na chefia do TSE, com seus 323 anos somados, e se dar conta de que você está olhando para o futuro do Brasil. Talvez só Bolsonaro sentado na cadeira de presidente; o fato é que aquele “museu de grandes novidades” do Cazuza segue atualíssimo. A segunda é que está demorando para Deus entrar no TSE processando geral por usar o santo nome d’Ele em vão. E a última, citando o grande brasileiro que é Eduardo Cunha — aliás candidato, já que a Lei da Ficha Limpa hoje vale menos que nota de R$ 3: Deus tenha misericórdia desta nação.

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Fechei a coluna da semana passada na véspera do covarde ataque a Salman Rushdie, na última sexta (12). Felizmente, o escritor se recupera das facadas, ainda que fique com sequelas. Que ele sobreviva para continuar mostrando que responder a palavras com palavras — e não com violência — é uma das coisas mais fundamentais para manter vivo o pouco de civilização que ainda nos resta.

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A GOIABICE DA SEMANA

Que falta faz um Departamento do “Vai Dar Merda” para a Nike: a empresa se viu no meio de uma polêmica por causa da “personalização” das camisas da seleção brasileira que seu site oferece (quem compra uma camisa do Brasil pela internet pode personalizá-la com nome e número). Alguém descobriu que o site permitia escrever “Jesus” na camisa, mas não “Exu”; na sequência, a Nike anunciou que proibiria também o uso de “Jesus”, bem como de “palavras que possam conter qualquer cunho religioso, político, racista ou mesmo palavrões”. Pelo visto, os devotos do satanismo ficaram de fora dessa proibição, já que continuava possível — eu mesmo constatei no site — personalizar a camisa do Brasil com “Satã”, “Belzebu”, “Baphomet” e “Cramulhão”. Pior: com “Ghiggia”, “Zidane” e “Sete a Um” também. Ainda bem que “Paolo Rossi” tem mais de dez toques e não coube.

Divulgação/NikeDivulgação/NikeA nova camisa número 2 do Brasil, um misto de abadá com uniforme da Telefônica

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