Divulgação"Mesmo os movimentos populistas que falam contra as elites dominantes geralmente procuram apenas a chance de substituir a elite mais antiga por uma nova"

As elites parasitas do Brasil

O economista italiano Guido Cozzi, coautor do Índice de Qualidade das Elites, diz que os grupos poderosos do Brasil tiram mais recursos do país do que dão em troca
19.08.22

Há dois anos, os economistas Guido Cozzi e Tomas Casas, professores da Universidade St. Gallen, na Suíça, divulgaram um trabalho inovador sobre o papel das elites nas diferentes sociedades. Eles lançaram o Índice de Qualidade das Elites, IQE, que usa uma metodologia própria e múltiplas fontes de informação para comparar o andar de cima de vários países.

Nos relatórios divulgados anualmente, coordenados pela dupla de economistas, as nações em que as elites produzem riqueza e geram empregos, beneficiando a sociedade como um todo, sobem de posição. Elas dão mais para a sociedade do que tiram dela. No topo do último ranking, divulgado em abril, estão Singapura, Suíça, Austrália, Israel e Holanda. Na rabeira, estão as nações em que as elites são “rentistas”, porque pouco produzem riqueza, sem proporcionar muita coisa em troca. Os cinco últimos do ranking são Iêmen, Síria, Iraque, Líbia e o Sudão.

De 151 países pesquisados, o Brasil está em 81º. Está, portanto, na segunda metade, atrás de Uganda, Quênia, Benin e Paraguai. Cozzi, que nasceu na Itália e já trabalhou no Reino Unido e nos Estados Unidos, conversou com Crusoé sobre as elites brasileiras e comentou a relação delas com o Manifesto em Defesa da Democracia e da Justiça, lançado na Faculdade de Direito da USP, na semana passada.

 

Qual é o papel das elites em um país?
Mesmo nas sociedades mais democráticas, as pessoas comuns são muito numerosas para se organizar de maneira eficiente e governar diretamente os países. Então, surgem as elites. Elas dominam as indústrias, o setor financeiro, a mídia, os militares e os partidos políticos. São, portanto, poderosas. Nenhuma revolução jamais eliminou o papel das elites. Na maioria das vezes, o que as revoluções fizeram foi gerar novas elites.

Há alguns dias, grupos econômicos, como a Federação Brasileira de Bancos, Febraban, e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Fiesp, divulgaram cartas em defesa da democracia. Muitos políticos e membros da nossa elite cultural assinaram o documento. Por que as elites brasileiras estão apoiando a democracia?
O Brasil já é uma democracia, então se pode ficar tentado a dizer que essa carta é apenas propaganda. No entanto, é preciso notar que os representantes políticos do Brasil cometeram vários erros – principalmente durante a pandemia – sem pagar por eles. Assim, uma reação da oposição é inevitável e benéfica para o país.

DivulgaçãoDivulgação“Se as elites não se importam com os jovens, estão arruinando o futuro de seu país”
Por que as elites têm alta capacidade de coordenação? 
Porque é mais fácil organizar algumas pessoas do que muitas. Além disso, geralmente, as elites são mais instruídas e mais ricas. Elites se organizam porque, caso contrário, não ganharão poder. Mesmo os movimentos populistas que falam contra as elites dominantes geralmente procuram apenas a chance de substituir a elite antiga por uma nova.

O Brasil está em 81º lugar no último Índice de Qualidade das Elites, IQE. Por que o país está tão mal posicionado e o Chile está muito melhor, em 41º?
O Chile fez um trabalho melhor ao garantir a segurança alimentar de seu povo. Além disso, a campanha de vacinação chilena e a reação à Covid-19 foram mais efetivas que a brasileira. Finalmente, os pequenos delitos e o crime organizado são muito mais problemáticos no Brasil.

O IQE fala muito sobre elites rentistas. Esse adjetivo, em português, se refere a pessoas que vivem exclusivamente de rendimentos, de rendas. Por que esses grupos prejudicam a sociedade?
As elites rentistas são aquelas que extraem recursos para si mesmas sem produzir o suficiente em novos valores para o país. Um exemplo típico disso é um político corrupto. Outro exemplo é alguém que favorece apenas os amigos ricos e busca reduzir os gastos com educação e saúde para os mais pobres e para a classe média. Outra elite terrível é a máfia, cujos chefões prosperam extorquindo os empresários mais produtivos da economia e bloqueando o crescimento econômico.

DivulgaçãoDivulgação“Ajudar os pobres é essencial, mas isso não vem de graça”
Em quais países as elites estão criando mais valor para suas sociedades? Elas estão em países governados por líderes de direita ou de esquerda?
Há boas e más elites em todo o espectro político. Partidos de direita ou de esquerda podem produzir ou extrair valor de seu país. No século XIX, na Inglaterra, as elites esclarecidas criaram a democracia e um sistema eleitoral livre, porque acreditavam que dar mais poder à população levaria a mais redistribuição, melhores padrões de vida para estratos maiores da população e mais produtividade em geral. Na Europa e na Ásia, os países cresceram muito após fazerem reformas agrárias. Obviamente, elas sofreram pressão para fazer isso.

Muitos políticos em todo o mundo estão prometendo taxar os ricos ou os super-ricos. É essa a melhor maneira de fazer as elites econômicas trabalharem para a população?
A melhor forma de coletar impostos nunca é muito extrema, porque isso reduziria os incentivos para investir e produzir. Além disso, devemos verificar se essas pessoas enriqueceram porque apoiaram e beneficiaram seu país ou se estão abusando de uma posição dominante herdada de seus ancestrais e bloqueando o caminho para empreendedores ou inovadores mais jovens.

O último relatório do IQE alerta para o perigo de políticas monetárias expansionistas. As elites deveriam fazer algo contra os programas sociais governamentais para ajudar os pobres?
O economista britânico John Maynard Keynes nos ensinou que a política monetária expansionista é útil durante as recessões, mas perigosa durante os booms, os bons momentos da economia. A mesma coisa vale para a política fiscal. Infelizmente, os políticos sempre se lembram da primeira parte, mas se esquecem da segunda, porque não querem reduzir a oferta de dinheiro e aumentar os impostos. O resultado são pressões inflacionárias muito intensas e uma perda no valor das poupanças dos idosos. Ajudar os pobres é essencial, mas isso não vem de graça. Se alguém quer contribuir com os que sofrem, então precisa tributar os que estão bem. Os políticos também se esquecem disso e financiam os gastos públicos acumulando dívidas e tributando as gerações futuras.

O que as elites brasileiras deveriam fazer para ajudar a sociedade como um todo?
As taxas de criminalidade no Brasil estão entre as piores do mundo. Essas taxas poderiam melhorar rapidamente por meio de mais prevenção e mais repressão. O crime organizado prospera às custas da sociedade e nenhum governo foi capaz de erradicá-lo totalmente, mas é possível limitá-lo. O investimento em infraestrutura também é importante. Por último, mas não menos importante, o governo deve promover a mobilidade social ascendente, algo que está faltando, e reduzir o desemprego, especialmente entre os jovens. Se as elites não se importam com os jovens, estão arruinando o futuro de seu país.

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