Fundação contratada por R$ 13 milhões pelo Senado tem histórico de irregularidades

16.07.20 15:00

Uma entidade sob suspeita de superfaturamentos milionários foi contratada por 13 milhões de reais para disponibilizar funcionários para trabalhar na área de comunicação do Senado. Trata-se da Fundação para o Desenvolvimento das Artes e da Comunicação (Fundac), que acumula outros vultosos contratos para a administração de TVs do Legislativo e do Judiciário. Não bastasse a Fundac ser alvo de investigações por operar em parâmetros destoantes do mercado, Crusoé obteve acesso a uma perícia que revela repasses da entidade a uma ONG acusada de ser uma “organização criminosa” e para empresas de seus próprios dirigentes e pessoas ligadas a eles.

Por ter caráter filantrópico, a Fundac deveria seguir uma legislação específica. Ela é proibida, por exemplo, de distribuir lucros entre seus dirigentes. No entanto, a devassa contábil na entidade obtida pela Crusoé revela que os diretores e seus aliados na fundação, por quatro anos, receberam, por meio de suas empresas pessoais, 3,7 milhões de reais dos cofres da Fundac. Entre os apontamentos, está o repasse de 720 mil reais ao Instituto Cidad, ONG pivô de um esquema de fraudes em Osasco, acusada de servir de fachada para desvios. O atual contador da Fundac já foi representante do Instituto e teve seus bens bloqueados na investigação. Segundo a Fundac, os pagamentos foram feitos por serviços de “capacitação de instrutores, oficinas, workshops e desenvolvimento de material didático em 2012, quando o funcionário citado não trabalhava mais para o Instituto Cidad”. “A Fundac não tem qualquer relação com o processo envolvendo o Instituto Cidad e a Prefeitura de Osasco”, diz a entidade.

A perícia foi feita no âmbito de uma ação na Justiça de São Paulo, em que a Prefeitura questiona se a Fundac é, de fato, uma fundação. O objetivo do município é acabar com sua isenção fiscal e multá-la em 27 milhões de reais. Os dados levantados não são novidade para o Ministério Público de São Paulo, que é responsável por fiscalizar as contas da entidade, anualmente, e sempre as aprovou. A Promotoria tem o poder de pedir até mesmo a extinção da fundação, caso encontre irregularidades. No entanto, a Fundac prestou contas, por anos, a um promotor aposentado que hoje é investigado por cobrar propina em troca de vista grossa sobre os balanços das fundações que fiscalizava. Ele foi alvo de buscas e apreensões em dezembro do ano passado. As investigações e os nomes das entidades que pagaram propina ao ex-promotor estão em sigilo. Segundo a entidade, “a investigação do referido promotor não tem qualquer ligação com a Fundac”.

No início deste ano, a uma auditoria revelou que a fundação onerou em 54 milhões de reais os cofres da Prefeitura de São Paulo. Entre as irregularidades, estavam o pagamento por serviços nunca realizados e o sobrepreço em itens do contrato, que, assim como o do Senado, tem como objeto o fornecimento de mão de obra terceirizada. A entidade ressalta que “todos os serviços contratados foram executados integralmente” e que “uma auditoria independente reanalisa o caso”. A entidade acrescenta que “há um processo administrativo ainda em curso, que não questiona os serviços realizados”.

A Fundac tem em seu currículo diversos contratos para operar TVs públicas. Na Assembleia Legislativa de São Paulo, por exemplo, firmou seu primeiro termo com dispensa de licitação em 2010, e lá permanece até hoje. A entidade ressalta que, ao longo dos anos, ganhou duas licitações na casa, em 2013 e 2018. No Supremo Tribunal Federal, a entidade detém o contrato para operar a TV Justiça, no valor de 16 milhões de reais, o segundo maior gasto da corte. No certame do STF, a Fundac concorreu com outras duas fundações – isentas de diversos impostos, essas entidades conseguem dar lances mais baixos e dominam o mercado de TVs públicas.

A licitação, encerrada em junho pelo Senado, foi dividida em seis lotes, e abrangeu a agência, a TV Senado e a assessoria da casa. Além da Fundac, outra empresa levou um contrato de 33 milhões de reais para fornecer a equipe da TV. A Fundação diz que a nova licitação no Senado “confirma sua qualificação técnica e sua excelência nas prestações de serviços”.

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