José Cruz/Agência BrasilO ministro Joaquim Barbosa, no julgamento do mensalão

O golpe do PT

A denúncia sistemática de um golpe contra o PT é a maneira safada que o partido achou para ocultar seu próprio ataque à democracia brasileira
23.06.23

A história do PT é a de denunciar e se fazer de vítima de golpes de Estado que não aconteceram. O partido tem uma fixação no golpe. Diante de qualquer coisa que o contrarie, seus militantes gritam: “É golpe!”.

Os processos do mensalão e do petrolão envolvendo Dirceu, Genoíno, Delúbio, Vaccari, Ferreira, Palocci, João Paulo, Bernardo, Lacerda, Vaccarezza, Delcídio, Vargas e Silvinho Land Rover — entre tantos e tantos outros — foram um golpe das elites.

O impeachment constitucional de Dilma, presidido pelo lulista Lewandowski do STF, foi golpe de Estado (como declarou repetidamente Lula, inclusive depois de eleito pela terceira vez – e não convocou embaixadores para dizê-lo, mas o fez, inclusive, em solo estrangeiro).

A própria prisão de Lula foi golpe: para tirá-lo da disputa eleitoral (só não se entende porque Lula ainda não entrou na justiça com um processo de reparação pelos 580 dias que esteve preso injustamente).

Fica-se pensando que tudo o que o PT precisaria agora é de uma tentativa crível de golpe de Estado, como aquele que ocorreu na Turquia em 15 de julho de 2016, contra o populista Erdogan, porém fracassou. A investida foi orquestrada por uma facção pertencente às Forças Armadas (sublevando mais de 11 mil militares) e deu pretexto para que Erdogan consolidasse sua ditadura na Turquia. No balanço final, 265 pessoas foram mortas, 15.846 foram presas e o melhor para o ditador: a possibilidade do expurgo mais de 45.000 militares, policiais, juízes, governadores e funcionários públicos foram detidos ou suspensos, incluindo 2.700 juízes, 15.000 professores e todos os reitores universitários do país.

Na falta de uma coisa assim no Brasil a solução é requentar a tentativa periférica de golpe tabajara dos generais de pijama de Bolsonaro e de alguns desavisados golpistas da ativa. Ou até torcer para que os descontentes intentem um novo putsch igualmente fracassável, porém mais crível. Provavelmente, não vai acontecer.

Claro que houve tentativa de golpe bolsonarista, isso é crime e os responsáveis devem ser punidos. Mas o objetivo politico do requentamento constante da frustrada intentona bolsonarista é escalar a polarização: é investir na política como continuação da guerra por outros meios, não na pacificação.

Uma prova de que não há o menor esforço de pacificação por parte dos que venceram o pleito de 2022 é que é visível que o ódio aumentou nas mídias sociais (e em todo lugar). Não é só fruto do ressentimento bolsonarista e morolavajatista, mas também da implacável revanche lulopetista (aos bolsonaristas e aos morolavajatistas). Não há nenhuma pacificação em curso na sociedade brasileira.

Já esgotou a paciência de muita gente ouvir bolsonaristas dizendo que Bolsonaro, como era troncho, nunca seria capaz de dar um golpe de Estado e, por isso, teria sido melhor reelegê-lo.

Claro que Bolsonaro não tinha força político-militar para dar um golpe tradicional (como não deu), mas que ele queria dar, tudo indica que queria. Por outro lado, sua permanência prolongada no governo poderia acabar criando condições para uma confusão institucional de tal ordem que a quebra do regime democrático, quem sabe, ficaria mais viável.

Além do que, mesmo sem poder dar um golpe de fato (à moda antiga), ele estava erodindo a democracia quase todo dia.

Por último, com seu negacionismo, seu armamentismo, seu autoritarismo e seu golpismo, ele representava uma ameaça social à vida civilizada moderna. Ao liderar uma legião de zumbis desmiolados, Bolsonaro remexeu a lama da cultura patriarcal que estava decantada no subsolo das consciências e isso é um perigo danado, nem propriamente político, mas social (à convivência social pacífica e humanizante).

Por tudo isso, a sua derrota eleitoral não foi a melhor saída. Ele não deveria ter terminado o mandato. Deveria ter sido constitucionalmente impedido, ainda no auge da pandemia. Só não o foi porque o PT queria mantê-lo, usando-o como alavanca para voltar ao poder. E conseguiu.

Sim, se tivesse havido um movimento pelo impeachment, novas lideranças emergiriam. E o PT, muito provavelmente, não voltaria ao governo. Por isso Lula sempre foi contra o impeachment. Os antidemocráticos bolsonaristas acabaram servindo de escada para uma força não convertida à democracia voltar ao poder.

Como assim, uma força não convertida à democracia? É isso mesmo. Lula e o PT não estão convertidos à democracia. Quem está convertido à democracia não apoia ditaduras. Não diz que Maduro é um democrata. Não se recusa a defender a Ucrânia contra a invasão de Putin. Não se alia às maiores autocracias do planeta contra as democracias liberais.

O truque petista atual é eternizar uma polarização pretérita com Bolsonaro, insistindo, requentando e repetindo ad nauseam notícias sobre o golpe (na verdade, sobre a tentativa de golpe) bolsonarista como se ainda fosse uma ameça real atual. É tudo para fazer o governo Bolsonaro durar até 2026. Quando a imprensa cai nessa (ou adere conscientemente ao truque, como estamos vendo) vira assessoria de imprensa do governo. E se for pelo que diz a imprensa chapa-branca, ainda teremos de aguentar mais 1.288 dias de governo Bolsonaro dando golpe de Estado toda semana.

Os analistas governistas estão se aproximando dos limites da honestidade. Se um petista dissesse que Maduro é um democrata e que deve urdir uma narrativa falsa para prevalecer sobre a narrativa dos seus inimigos, eles diriam: “Ah! Isso é uma franja do PT, não tem influência”. Mas foi o Lula que disse. Aí eles fingem que não ouviram. E passam para o próximo assunto imaginando que a gente vai logo esquecer.

O fato é que os velhos dirigentes do PT – aqueles mesmos que foram responsáveis pelo mensalão e pelo petrolão – estão todos aí de volta. Não fizeram nenhuma autocrítica. Simplesmente urdiram e estão repetindo (como quer Lula) uma “narrativa” segundo a qual sempre foram as pessoas mais honestas e generosas do mundo, injustamente perseguidas. Foi a CIA. Foi um golpe.

A denúncia sistemática de um golpe contra o PT é a maneira safada que o partido achou para dissuadir qualquer restrição ou freio institucional a um novo tipo de golpe, em doses homeopáticas, que o partido quer perpretar contra a democracia brasileira para alterar, por dentro, o DNA do nosso regime. Não colocando tanques nas ruas e sim conquistando hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido. Não destruindo as instituições, mas sim ocupando-as e fazendo maioria em seu interior. Se deixar, o PT tenta fazer maioria em todo lugar, de grêmios estudantis, passando por sindicatos e assemelhados, ONGs e movimentos sociais, até em rodas de samba, terreiros de Umbanda, torcidas organizadas de futebol e assembleias de condomínios.

Uma vez controlando o governo e os órgãos chaves do Estado, o processo de conquista de hegemonia volta-se novamente para a sociedade. Caberá então ao Estado, controlado pelo organismo, educar a sociedade para estabelecer sua hegemonia de longa duração sobre ela.

 

Augusto de Franco é escritor

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  1. Augusto de Franco, achei interessante sua indagação sobre o porque Lula não pediu reparação sobre seus quinhentos e tantos dias na prisão. Porem, mais à frente de sua postagem, você cita que o PT vai ocupando espaço onde for possível, e isso daria condições de Lula pedir a tal reparação e consegui-la, pois o Judiciário brasileiro está bem ocupado pelo PT e esquerda. Basta lembrar do que aconteceu com Deltan Dallagnol, que foi afastado por unanimidade em apenas 1 minuto e 6 segundos

  2. No Estadão de hoje, pág. 2, Lula, c/ apoio de Renan Calheiros e outros vermes corruptos da mesma cepa, já traçam planos para minar as candidaturas de Zema e Tarcísio...e enquanto isso Lula foge do trabalho duro e pesado, perdendo tempo precioso em inúmeras e longas e desnecessárias viagens internacionais para alegria e deleite de...Janja. Mas e o povo, e o Brasil?

  3. Brilhante seu ponto de vista Augusto. Penso igual e acredito que nossa imprensa, que apoiou cegamente este partido para voltar ao poder, já já terá consequências em seus editoriais.

  4. Este artigo me faz lembrar o mote de que, na guerra da Russia com a Ucrânia, ambos são culpados. Quando não se tem o que escrever, melhor guardar a caneta.

  5. O PT faz essa "doutrinação" desde o seu primeiro mandato com Lula. Podemos confirmar em tudo que o autor falou. Também confirmamos com o lamento de Zé Dirceu ao fazer uma autocrítica dizendo que erraram ao não mudar o sistema de ensino das Forças Armadas, permitindo uma "reação" à implantação da esquerda. Sim, esse é o. PT do "gopi" como diz sempre a Deputada Estadual, Federal, "pedagoga" 🤦, e atual governadora do RN. Deus nos ajude!

  6. Parabéns pela análise, radiografia psico-cultural e política. Temos que ter muita consciência, para tomar posição isenta. É uma pena este Pais ter tantos funcionais de carteirinha sem educação cultural.

  7. "Bolsonaro não deveria ter terminado o mandato. Deveria ter sido constitucionalmente impedido, ainda no auge da pandemia. Só não o foi porq o PT queria mantê-lo, usando-o como alavanca para voltar ao poder." Concordo, mas exatamente por isso não votei no PT, mas você votou, embora sabendo q o Bolsonaro não tinha condições de dar golpe coisa nenhuma. Nem daria, se reeleito. E não lhe faltaria oposição. Lula, q você reelegeu, voltou pior do q antes porq conluiado com o STF corrupto. Parabéns.

    1. Concordo totalmente com seu comentário. Votar em Lula sempre foi a pior opção, estava mais do que previsto que, o que está acontecendo, ia acontecer.

  8. Exatamente isso é o que o PT está fazendo! Isso precisa ser repetido continuamente (principalmente os dois últimos parágrafos) até que a maior parte da sociedade e da imprensa não possam mais ignorar o que esse partido faz com nosso país! Esse é o verdadeiro GOLPE em curso a 20 anos!

  9. Parabéns ao escritor Augusto de Franco por esse belo artigo que nos mostra, com tanta lucidez, as narrativas desse PT e desse presidente reeleito de que foram injustiçados com os processos do mensalão e do petrolão. Viveremos dias tenebroso.

  10. Esse é meu medo, que adotem uma estragtégia sorrateira e indolor e tenhamos uma autocracia, não esquerdista, mas exploradora, por muito tempo, minha esperança é que a arrogância e egocentrismo do Lula o façam meter os pés pelas mãos e aí entorne o caldo.

  11. Parei de ler quando fala em lama da cultura patriarcal. Será que um dia os nossos jornalistas vão se livrar da lama marxista que cega os seus olhos?

    1. Lula está com 77 anos. Nao creio que terá muito mais gasolina. Sem ele o PT acaba pois que nao vejo um substituto a altura. É uma chance de mudanca.

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