Alan Santos/PRTrump com Bolsonaro: nos EUA, até presos podem concorrer à Casa Branca

Trio em apuros

A situação legal de Jair Bolsonaro, Donald Trump e Boris Johnson mostra um padrão que também ocorre na esquerda
23.06.23

O ministro Benedito Gonçalves, do TSE, apresentou seu parecer como relator nesta quinta (22) pela inelegibilidade de Jair Bolsonaro por abuso de poder político e uso indevido de meios de comunicação. O julgamento será retomado na próxima terça-feira (27). Se for condenado, Bolsonaro estará fora das eleições presidenciais de 2026 e das municipais de 2024 e 2028. O julgamento envolve a reunião com embaixadores no Planalto em julho do ano passado, na qual o então presidente atacou o sistema eleitoral sem apresentar provas e forçou a EBC a transmitir o vexame. Ainda que a inelegibilidade seja vista como o resultado mais provável considerando o clima em Brasília, advogados como André Marsiglia, em artigo nesta edição de Crusoé, acreditam que a pena é exagerada. Seja como for, a decisão sobre a sina de Bolsonaro ocorre quase ao mesmo tempo em que o americano Donald Trump e o britânico Boris Johnson enfrentam problemas com a Justiça após deixarem seus cargos.

Trump se tornou réu na esfera federal dos EUA na semana passada por ter mantido documentos confidenciais da Casa Branca sem autorização em sua residência pessoal na Flórida, o resort de Mar-a-Lago. O FBI apreendeu pilhas de arquivos no chuveiro de um dos banheiros do local, em agosto. O republicano também virou réu na Justiça de Nova York no início do ano por falsificação de registros comerciais no caso do suborno à atriz pornô Stormy Daniels. Do outro lado do Atlântico, no Reino Unido, a decadência do ex-primeiro-ministro Boris Johnson é mais espalhafatosa. Ele mentiu ao Parlamento sobre suas festas clandestinas na residência oficial do primeiro-ministro, Downing Street, nº 10, em plena pandemia de Covid-19. Johnson, que caiu do comando do governo em setembro, renunciou ao seu mandato parlamentar antes do desfecho da investigação, concluída pelo Parlamento nesta semana. O ex-primeiro-ministro está barrado até de entrar em Westminster.

Essas represálias não surpreendem o cientista político Edward Koning, da Universidade de Guelph, para quem os três têm uma característica em comum, o populismo. “Uma característica fundamental entre populistas é o desdém pela supervisão legal independente”, diz Koning. Por se acreditarem como os únicos representantes verdadeiros do povo contra uma elite corrupta, eles fazem pouco caso dos freios e contrapesos que existem em uma democracia. Assim, quando deixam o poder, eles acabam expostos ao escrutínio do Judiciário ou do Legislativo.

Outro elemento comum entre os populistas é o narcisismo decorrente do culto à personalidade. “Isso oferece uma explicação psicológica de por que esses indivíduos pensam que as regras para ‘pessoas normais’ não se aplicam a eles”, afirma Koning. Os casos de Bolsonaro, Trump e Johnson têm precedentes. Em 2013, uma condenação por fraude fiscal resultou na cassação do mandato de senador de Silvio Berlusconi e em sua inelegibilidade por dois anos.

Os casos não são exclusivos da direita. Na Bolívia, Evo Morales foi barrado de se candidatar ao Senado em 2020, apesar de ter aparelhado o Judiciário em seu mandato presidencial. No Brasil, com o mensalão e o petrolão, Lula também demonstrou desdém pela lei. No primeiro grande escândalo, comprava os votos dos parlamentares. No segundo, ele interferiu na Petrobras para encher os cofres do PT e partidos aliados. Condenações por corrupção passiva e lavagem de dinheiro barraram Lula das eleições de 2018 e o mantiveram preso por um ano e sete meses. O petista tem os mesmos traços dos demais personagens da direita apontados nesta reportagem, como o desprezo pelos freios e contrapesos da democracia e o narcisismo.

Comparado a Bolsonaro, Trump tem um cenário mais tranquilo, porque os EUA não têm Lei da Ficha Limpa. Mesmo se fosse preso, ele poderia disputar as eleições do ano que vem. Duas investigações em estágio inicial, sobre a invasão ao Capitólio e a tentativa de fraude eleitoral na Geórgia, poderiam enquadrá-lo no critério de inelegibilidade por insurreição. Todavia, detalhes desse dispositivo constitucional podem ser usados para manter Trump elegível. Ele anunciou sua pré-candidatura ainda em novembro do ano passado. Johnson, por sua vez, está inelegível na prática por causa do sistema parlamentarista britânico. O ex-primeiro-ministro só pode voltar ao jogo via eleições locais para o Parlamento e, para isso, precisa do apoio de sua legenda, o Partido Conservador, que divide a hegemonia política com o rival Partido Trabalhista. “Não basta apelar para a sua base. Ele precisa se articular com os seus pares de partido”, explica Eduardo Galvão, cientista político do Ibmec-DF. Johnson não deve ter esse apoio, afinal, foram os conservadores que o derrubaram do poder em setembro e conduziram a investigação concluída nesta semana.

As diferenças nesses três casos apontam algo importante. O fato de lideranças populistas serem expostas ao escrutínio legal — pelo menos onde há Estado de Direito — não indica um enfraquecimento do populismo no Ocidente. Enquanto conservadores e trabalhistas parecem fartos com o populismo no Reino Unido, Trump lidera com folga as pesquisas das primárias do Partido Republicano. “Quanto mais esses processos legais se arrastam sem tirá-los do jogo, esses líderes se fortalecem através da narrativa do perseguido político”, afirma Galvão. Trump explora isso em sua pré-campanha. Inelegível ou não, Bolsonaro ainda mantém apoio de sua base. Segundo pesquisa Locomotiva deste mês, 20% dos eleitores dele continuam fechados com o ex-presidente. E Lula conseguiu se candidatar novamente com uma mãozinha do Supremo Tribunal Federal, que voltou atrás em uma decisão sobre a prisão em segunda instância. Sejam de direita ou de esquerda, populistas podem continuar com capital eleitoral e ter uma sobrevida na política. O que vai definir se eles terão ou não uma segunda chance é o rigor dos demais poderes em julgá-los.

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  1. Esses 3 trastes são uma overdose de indigência mental da mais alta toxidade para o planeta. A sorte é que são também over mequetrefes e serão pegos. De uma maneira ou de outra. Como 2 e 2 são 4.

  2. Nenhum dos 3 fará falta. Todavia preferia que fosse o eleitorado a tirá-los da corrida por optar por alternativas válidas e credíveis, e não o judiciário. Pro caso do Brasil isto parece vir a ser muito pouco provável

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