ReproduçãoMonark: pirraça contra o STF tem algo de heróico

Meu plano de domínio político completo

Se eu fosse estabelecer uma ditadura, começaria perseguindo pessoas ridículas
23.06.23

Se eu fosse estabelecer uma ditadura, começaria perseguindo pessoas ridículas.

Perseguiria cretinos, bocós, bocos-mocos e lorpas de todas as espécies; e pessoas com ternos mal-cortados, defensores de teorias evidentemente obtusas, senhorzinhos com os dentes amarelados que falam de óvnis e assim por diante.

Porque as pessoas veriam essa gente ser perseguida, e quem iria defendê-las? Num país de pessoas não muito sutis, defender a liberdade de uma pessoa ridícula é se contaminar do ridículo. É dizer que defende a cretinice, que é praticamente um crente fanático dela.

Um grupo muito pequeno de pessoas defenderia essas pessoas ridículas da minha perseguição, mas por covardia social gastariam um tempo enorme avisando que também acham essas pessoas ridículas. Em cada artigo de jornal de dez parágrafos defendendo a pessoa ridícula, os três primeiros e parte do último seriam gastos também atacando essa pessoa. De modo que até quem achasse que está fazendo oposição a mim estaria na verdade se juntando a mim para perseguir o coitado em questão; e no final das contas tudo que ficaria da leitura, na cabeça das pessoas, é que nenhuma injustiça foi cometida por mim, porque o injustiçado é super-ridículo.

Se esse plano desse certo (daria), eu iria expandindo a minha noção do ridículo até perseguir pessoas que são só um pouco ridículas — ou seja, todo mundo.

Esse, enfim, é o meu plano de domínio político completo, e não vejo falha nele.

Isso se fosse eu o autor do plano que estamos vendo se desenrolar lindamente. Como não sou, acho que seria bom parar de prefaciar cada defesa do podcaster Monark com uma garantia de que você acha que ele disse bobagens.

Já sabemos, você vive em círculos intelectuais exigentes. Qualquer conversa que não seja entre Hannah Arendt e Norberto Bobbio lhe dá engulhos. És um príncipe das análises sutis. És incapaz de falar sem erguer uma sobrancelha e sem juntar as pontas dos dedos das mãos, e às vezes dos pés.

Entendo que vocês não gostem do Monark, que parece um maconheiro boa-gente que seria um coadjuvante numa comédia com o Seth Rogen, e não duvido que se fizerem compilações dele falando bobagens isso daria um vídeo longo de tolices ininterruptas — como é o caso de qualquer pessoa falando muito tempo em qualquer podcast, aliás (eu inclusive).

Mas a simples insistência dele em não arredar pé do conflito com o STF tem alguma coisa de heroico. Insisto nisso, porque é verdade. Heroico, aquele carinha barbudinho? Sim, na medida dele, na medida que é possível na nossa época chinfrim e até que numa boa e surpreendente medida.

É isso que ele disse depois de ter tido todas as suas contas suspeitas e ter virado, para todos os efeitos, uma não-pessoa:

– Você não pode mais falar o que você pensa. Você tem que ser um robozinho que aceita os dogmas da religião política vigente. Que tem como seu Jesus Cristo o Xandão, que é um anticristo do c*****. E se você for contra os dogmas dele, você é destruído.

E sobre o ministro da Justiça, Flávio Dino:

– Esse gordola quer te escravizar. Você vai ser escravizado por um gordola (…) E você vai deixar esse cara que na vida real é um b****, você vai deixar esse cara ser o seu mestre e você vai ser o escravinho dele, é isso que você quer? É por isso que seus pais lutaram pra te dar educação, casa, comida? Que eles te criaram? Eles se sacrificaram pra você servir esse fdp?

“Mas é só pirraça”. Talvez, mas às vezes a pirraça é indistinguível da coragem. Ou vá você ser pirracento com uma onça.

E ver pessoas que nunca demonstraram uma partícula dessa coragem começando toda defesa dele com “é um imbecil, mas”, ou “falou bobagens, mas”, ou o ainda mais pusilânime “não concordo com nada que ele falou, mas”, começa a dar nos nervos.

Você e suas frases politicamente ajuizadas é que fizeram o Alexandre de Moraes falar em “subversão”, como um juiz fascista dos anos 70 secretamente amante de um travesti chamado Magda num filme do Almodóvar? Não, foi um moleque meio lerdo mesmo. É o Frodo que merecemos, um Frodo maconheiro. Vamos parar de esperar mais do que isso, porque é isso que temos e é na verdade surpreendente que tenhamos isso.

Eu, que sou extremamente corajoso, que sou um herói para o meu próprio cachorro, sei reconhecer outro herói quando vejo um.

 

Alexandre Soares Silva é escritor

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  1. Perfeito! Alexandre de Moraes não só cala outros como Monark. Cala ameaça também que consegue ver o que esses ministros do STF estão fazendo contra a sociedade, para poder aprontar muitas barbaridades

  2. Primeira e quase única coluna que procuro quando a Crusoé é publicada. Ainda bem que temos o Alexandre, o Soares Silva (não o outro), que resiste na ilha da lucidez.

  3. Sempre excelente e essencial neste tristes tempos bicudos. P.S. sempre reclamo: O Alexandre (se me permitem a intimidade) deveria escrever semanalmente.

  4. Concordo, perseguido e o único que enfrenta os picaretas, nem os Senadores e Deputados tem coragem, tds com o rabo entre as pernas!

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