Lula estourou a margem de erro
Há quem diga que o coração do eleitor é o bolso. Depois do problema do Pix, há razões para acreditar nesta afirmação
Para Gilberto Kassab, presidente do PSD, legenda com três ministérios no governo, dizer que Lula dificilmente será reeleito, é porque o caldo entornou. O ex-prefeito paulista tem fama de analista talentoso. Mas não precisa muito para ver que a situação é difícil.
Pesquisa do site Poder 360, divulgada nesta semana, mostra que apenas 24% dos eleitores consideram o governo ótimo ou bom. Aqueles que julgam o terceiro mandato de Lula ruim ou péssimo somam 40%. Para se ter uma ideia do que isso significa, considera-se na Ciência Política que a margem de segurança para uma reeleição gira em torno de 45% de avaliações positivas. O ex-presidente Jair Bolsonaro tinha 39% em 2022, e todo mundo sabe o que aconteceu.
A pesquisa da Quaest, que ocupa o lugar oficialista que um dia foi do Ibope, também trouxe dados assustadores para o governo. Os principais foram os recuos de popularidade entre os evangélicos — público que o Planalto vem assediando —, entre moradores da região Nordeste e pessoas que ganham até dois salários-mínimos.
É o bolso?
É difícil saber exatamente o que muda a percepção das pessoas sobre um líder carismático como Lula. Sua reputação já superou escândalos de corrupção, associações com ditadores e um longo período da prisão. O que pode ter acontecido para abalar essa fortaleza política?
Há quem diga que o coração do eleitor é o bolso. Depois do problema do Pix, há razões para acreditar nesta afirmação.
Confesso que não prestei tanta atenção na polêmica do Pix até ser interpelado por dois vendedores ambulantes na rua. Quando fui pagar pelo picolé e pela pulseirinha, perguntei se podia usar o sistema de pagamento instantâneo. De forma quase idêntica, ambos comentaram que, por enquanto, estariam aceitando, mas não podiam dizer até quando, considerando que Lula queria cobrar imposto sobre ele.
O exemplo mostra que o mais simples dos eleitores entende quando seu interesse está em jogo. Por qual motivo o governo estaria tentando monitorar a movimentação das pessoas? Para a Receita Federal mandar-lhes uma caixa de bombons quando as movimentações atingissem o valor de 5 mil reais, como dizia um meme que circulou na internet?
Quebrou o cristal de Lula?
O governo foi para cima dos informais e recuou. Com o cruzamento de dados, muita gente iria receber uma cartinha do Leão para se explicar e as pessoas não perdoaram essa intenção mal disfarçada. Na própria pesquisa da Quaest, quando perguntados sobre qual a principal notícia que haviam ouvido sobre o governo, a modificação do Pix apareceu muito à frente de qualquer outro evento.
Na ocasião da implementação do plano Real, há mais de 30 anos, quando não havia redes sociais e nem telefones com aplicativos de conversão, uma das dúvidas que a equipe econômica tinha era saber se a população entenderia a conversão dos preços para a Unidade Real de Valor (URV), uma moeda fictícia para ancorar o preço das coisas.
Conta-se jocosamente que, quando alguém definiu que um coco na praia custava 1 URV, acabou o medo da incompreensão e a economia girou. José Casado, jornalista veterano, ao fazer uma reportagem nos rincões do Brasil sobre as eleições de 1994, descobriu que moradores do interior não apenas sabiam como funcionava a nova moeda, como também identificavam em Fernando Henrique a autoria da ideia.
Quebrou o cristal de Lula? Para Kassab ter tomado a posição que tomou, arriscando os cargos dos seus três ministros e, talvez, sair na frente de um afastamento os partidos do centrão da órbita do governo, é porque o prejuízo de imagem do velho líder petista, dessa vez, estourou a margem de erro.
Leonardo Barreto é cientista político e sócio da Think Policy
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Comentários (1)
Albino
2025-01-31 07:42:37Excelente! Lula, se tivesse um mínimo de bom senso, deveria aproveitar o momento, em que anda com a saúde meio abalada, e renunciar em prol de Alckmin, saindo assim para entrar para a história, desta vez sem trauma; o problema seria o que fazer com a Janja no "day after"...