Reprodução/redes sociaisManifestações contra o regime iraniano na semana passada: movimento espontâneo e sem lideranças

A primavera persa

Estudantes vão às ruas do Irã para protestar contra a teocracia, mas há dúvida se a sua força é suficiente para derrubar os aiatolás
17.01.20

Assim que o governo do Irã admitiu ter lançado um míssil contra um avião ucraniano, matando 176 inocentes, estudantes retomaram protestos pedindo o fim do regime e a morte do líder supremo Ali Khamenei. As manifestações causaram curto-circuito na propaganda oficial, que buscava unir os iranianos após a morte do general Qassem Soleimani, atingido por um drone americano. Há grande dúvida, no entanto, sobre a possibilidade de os descontentes conseguirem derrubar o regime dos aiatolás. Não há, dentro do país, grupos organizados da sociedade civil nem partidos de oposição, tampouco militares dissidentes, que possam ser os protagonistas de uma nova revolução.

“Dentro do Irã, as vozes e organizações que pedem reformas e mudanças significativas são duramente reprimidas pelas forças de segurança”, diz a americana Farideh Farhi, da Universidade do Havaí, especialista na política iraniana. “A oposição que gostaria de derrubar o sistema está localizada principalmente fora do Irã, é altamente dividida, não consegue se organizar ou entrar em acordo sobre quem seria sua liderança.”

A teocracia enterrou a oposição ainda na década de 1980, durante a guerra com o Iraque. Se hoje no Brasil alguns membros da esquerda bajulam os aiatolás, é certo que nenhum deles sobraria para contar a história se fossem iranianos nos primeiros anos da Revolução Islâmica. Um movimento inspirado na Revolução Cubana, o Mojahedin-e Khalgh (MKO), foi trucidado pelo regime. Eles defendiam uma leitura socialista do islamismo e apoiaram os aiatolás em 1979. Acabaram todos fuzilados. Em apenas três meses de 1988, o regime sob as ordens do aiatolá Khomeini matou entre 4 mil e 5 mil pessoas. O expurgo incluiu vários partidos, entre os quais o comunista, Tudeh.

Flickr Cyprien HauserFlickr Cyprien HauserRua na cidade de Qom, no Irã: cinco milhões deixaram o país
Os julgamentos dos presos políticos, segundo Shirin Ebadi, Nobel da Paz em 2003, em seu livro O Despertar do Irã, tinham poucas perguntas: “Você é muçulmano? Qual é a sua organização? Você reza? Você vai publicamente se retratar sobre o materialismo histórico?”. Em caso de uma única resposta negativa, a pessoa era mandada para o pelotão de fuzilamento. Os comunistas nem sequer foram enterrados em cemitérios porque o regime não permitia que corpos de ateus ou apóstatas ficassem ao lado de covas de muçulmanos.

Além dos fuzilamentos, entre 4 milhões e 5 milhões de iranianos deixaram o país nas duas primeiras décadas do regime. Muitos deles cérebros que seriam importantes para o desenvolvimento do Irã. Hoje, quando um iraniano famoso levanta a voz contra o regime, ele já saiu do país. Na semana passada, a lutadora de taekwondo e medalhista olímpica Kimia Alizadeh desertou, alegando “hipocrisia, mentiras, injustiça e bajulação” do regime. Quando postou sua mensagem nas redes sociais, ela já estava exilada.

Com tantos iranianos no exterior, a esperança é que eles possam de alguma maneira ajudar a conduzir os que permaneceram no país. Mas nenhuma das opções parece factível. Shirin Ebadi defende que a ONU organize um referendo dentro do Irã perguntando se seus habitantes querem a extinção do cargo de líder supremo. Algum burburinho tem sido gerado em torno do príncipe herdeiro Reza Pahlevi, filho do xá deposto em 1979. Mas a sua autoridade é contestada por muitos iranianos. Para confundir o cenário, o Irã tem criado ao longo dos últimos anos diversas organizações para defender de maneira enviesada seus próprios interesses e deslegitimar ONGs no exterior.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem se solidarizado com as manifestações dos iranianos, que em várias ocasiões se negaram a pisar em bandeiras dos Estados Unidos e de Israel. Se de um lado evitou a guerra, de outro Washington dá sinais explícitos de que fará todo o possível para minar o regime por dentro. Mas sem grupos com força suficiente para depor e substituir os aiatolás, a tirania teocrática no Irã não deverá terminar tão cedo.

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  1. Um regime teocratico q mata millhoes de pessoas e'uma contradicao de um lado e e'ridiculo do outro. Governar um pais com base em leis religiosas e governado por religiosos q decretam pena de morte nao cabe mais nesse mundo.

  2. Não faz nenhum sentido no planeta que existam Estados e/ou nações que sejam governadas por grupos religiosos. O mundo carece de modernização intelectual em algumas de suas regiões, mormente na Asia e Oceania. Esse amalucados aiatolás, por exemplo, nada mais são do que um grupelho fantasiado de ditadores imbecís, inescrupulosos e sanguinários, que arrasaram com o Irã, antes deles, uma nação organizada e que se modernizava a olhos vistos.São os mesmos vilões de sempre. Alvaro Costa/df

  3. O que ocorre em torno da uma teocracia do oriente, por aqui ocorre em torno de uma cleptocracia, ambos deixando como consequências o atraso e a pobreza de seus povos.

  4. O jovem iraniano não aceita mais tanto atraso e repressão. O fundamentalismo vai chegar ao fim dentro de duas décadas, no máximo! A globalização colocou uma minhoca na cabeça do iraniano: é possível viver a vida de maneira prazeirosa, sem o aiatolá do lado para perturbar o juízo! Tomara a Alah que consigam a tão sonhada liberdade!

  5. Para um sistema rachar por dentro, as contradições dele devem ficar expostas e patentes. Quais são as contradições da teocracia iraniana. Quem vai substituir quem é o que menos importa. Nesta altura do campeonato, qq nome que surja provavelmente será uma escolha ruim considerando-se o desenrolar dos eventos.

  6. Que tipos de casos foram abafados pelo judiciário iraniano ou a eclesiastia? Quem são os abusadores? Pq os abusados são mais do que óbvios: os no segmento composto pela parcela mais vulnerável e fanática da sociedade iraniana. Quando uma avalanche de escândalos brota, até o maior dos ignorantes é incapaz de continuar ignorando a realidade, ou tem que fazer isto ao custo de se alienar completamente. Dependendo do teor dos segredos guardados, pode até ser que os aiatolás se “convençam”.

  7. Imaginem quantos abusos e crimes não se tornam possíveis quando se mistura religião com o Estado, de um lado o poder de coerção psico-dogmática, do outro o poder de coerção psico-fisiológica. Parte do poder dos aiatolás está exatamente no controle da informação, o que é que eles esconderam ou ajudaram a esconder ao longo dos anos? Que segredos que abalariam ainda mais a confiança da sociedade na teocracia iraniana jazem só esperando serem desenterrados?

  8. Em um regime repressivo que não permite o livre fluxo de informações, quantos abusos, violações, crimes não são cometidos por poderosos e ficam impunes? Quais tipos de crimes podem ter sido cometido por gente ligado aos aiatolás e gente que faz parte do clero religioso no Irã? Uma coisa é a religião, outra são os indivíduos, como se sabe, para que alguém em uma posição de poder se sinta à vontade para perpetrar abusos e cometer crimes basta a CERTEZA DA IMPUNIDADE.

  9. Infelizmente o oriente médio não consegue conviver harmonicamente sem um sistema ditatorial, haja visto o Iraque e a Libia, onde tem diversas facçoes ditas muçulmanas que são extremamente antagonicas e se transfomam messe conflito permanente como são esses paises.

  10. Únicas consequências práticas da morte de Suleimani: retomada do programa nuclear iraniano e morte de 176 inocentes. Valeu a pena, Trump?

    1. Muito inocente esse Eduardo MS, quem garante que o Irã realmente tinha parado com o projeto da bomba nuclear? Quanto ao avião, foi um erro grotesco. E tem que assumir a merda que faz, ou você é do tipo que justifica seus erros colocando a culpa nos outros, ou no sistema cruel e injusto.

    2. Sônia, quando Trump decidiu rasgar o acordo nuclear com o Irã, foram a AIEA e a UE que afirmaram que o Irã cumpria os termos do acordo. Gabriel, não fosse o estado de guerra e tensão criado por Trump o avião não teria sido derrubado. Quantos aviões decolaram de Teerã e foram derrubados pelos iranianos nos últimos, sei lá, vinte anos. Coincidência que isso tenha ocorrido justo após a morte de Suleimani? Causa e efeito, meu amigo, nada tem a ver com valores.

    3. Qassem Suleimani era o condutor da Jihad. E quem derrubou o Avião forem os assassinos que o Khamenej tanto ama. Inversão de valores total o seu discurso.

  11. O Irã é caso praticamente perdido, segue o mesmo caminho torto da Coréia do Norte e similares. Aposta no ódio, no terrorismo dentro e fora d suas fronteiras, empobrece o próprio país, não cumpre tratados internacionais e posa d vítima. Podia ser a maior potência do mundo árabe

  12. Eu acredito firmemente que o governo iraniano dos líderes religiosos xiitas, única autoridade legítima para falar pelos iranianos, muito em breve obterá armas nucleares (se já não as tiver) e assim assegurará a soberania do Irã: tanto contra os inimigos internos quanto contra os externos.

    1. Olhem ao nosso lado, o q temos ? Um Império chavistas/maduristas com poucas décadas de criação...alguém conseguiu derrubar sem guerra ? Agora pensem em um Império Persa de milênios...acham q derrubam com dois “tiros” ? Uma morte ? Eles não tem religião, eles a usam para dominar,pois as guerras milenares das antigas conquistas não mais resolvem. O Criador, seja DEUS ,ALA ou outro instigou a matança para rebanhar ? Não ... a matanças é para impor Medo,Poder e Ganância.

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