Rafael Ribeiro/CBF via FlickrSe Dorival não conseguir vingar à frente da seleção brasileira, será exatamente por imitar Zagallo

O treinador inexistente

O técnico do Brasil precisa ganhar, como qualquer outro das maiores seleções do mundo. Quando não ganha, tem de encontrar outra forma de convencer a torcida
12.07.24

Dorival Júnior se explicou. O treinador da seleção brasileira de futebol disse, em entrevista à ESPN, que nunca participou de rodinhas preparatórias para disputas de pênaltis, nem quando jogador, para não “incomodar jogadores em momentos como esse”. Segundo ele, foi o que ocorreu ao fim do tempo regulamentar nas quartas de final da Copa América 2024 contra o Uruguai.

“Estava procurando o próprio [goleiro] Alisson para ter uma conversa mais detalhada com ele, o quarto árbitro havia me chamado um pouco distante da roda, pedindo para que fizesse o corte de um atleta, já que o Uruguai havia perdido um jogador por expulsão, que ele não deveria fazer parte [das cobranças]. Eu não sabia o número do Arana, para cortá-lo, então estava o procurando para ver o número dele apenas”, justificou-se o treinador.

Dorival cobrou respeito e lamentou “que as pessoas façam avaliação de uma foto, colocação, gesto, atitude”. Mas nada do que ele diga será capaz de apagar a imagem do treinador da seleção brasileira de futebol de fora da roda dos jogadores que estavam prestes a ser eliminados da competição, ainda mais no contraste com a reverência dos uruguaios a Marcelo Bielsa.

Dorival usou durante a Copa América um agasalho em homenagem a Mário Jorge Lobo Zagallo, o maior campeão do mundo de futebol — duas vezes como jogador, uma como treinador e outra como auxiliar —, e não resistiu a repetir a expressão que imortalizou o homenageado, mas a seu modo ameno, sem a mesma convicção:

“Daqui a dois anos, essas mesmas pessoas que estão falando demais, e desnecessariamente, sem responsabilidade, talvez terão que engolir novamente uma grande conquista da nossa seleção.”

Se Dorival não conseguir vingar à frente da seleção brasileira, será exatamente por esse “talvez terão que engolir”. Ele já provou que é um bom treinador. Após o bicampeonato da Copa do Brasil, com Flamengo e São Paulo, e o triunfo na Libertadores da América com os rubro-negros, o técnico se tornou uma opção óbvia, entre as alternativas brasileiras, para o lugar de Fernando Diniz, já que Carlos Ancelotti não veio.

Mas o desempenho da seleção brasileira na Copa América sugere que é preciso ser mais do que um bom treinador para comandar um time como esse. É preciso saber se impor, principalmente nos momentos de maior fragilidade, nas derrotas, e o acanhamento de Dorival não parece se adequar ao cargo. Parece que ocorreu o mesmo no Flamengo, que tem a maior torcida do Brasil, e talvez por isso se faça necessário na seleção um treinador estrangeiro com vasto currículo, capaz de se impor mesmo quando as coisas não forem bem.

Ironicamente, Fernando Diniz, que protagonizou derrotas históricas no comando da seleção enquanto dividia suas atenções com os treinamentos no Fluminense, parecia se encaixar melhor no cargo, com a aura de revolucionário — mas, sob a sombra da promessa de Ancelotti, o também ex-treinador do Fluminense não teve tempo nem de conseguir começar a vencer, de tão impetuosos, ousados e arriscados que são seus métodos.

O técnico do Brasil precisa ganhar, naturalmente, como qualquer outro das maiores seleções do mundo. E, quando não ganha, precisa convencer a torcida de alguma outra forma. Tite o fazia falando — Diego Lugano o classificou como “encantador de serpentes” —, enquanto Dunga e Felipão simplesmente reclamavam.

A cena em que Dorival aparece erguendo o braço para pedir a palavra aos comandados sem receber qualquer atenção é fatal: amplificou a limitação do futebol da seleção, piorou a eliminação e carimbou negativamente sua passagem pelo comando do time. Vai ser muito difícil se livrar da imagem de um treinador que não existe.

“Cavaleiro, resistiu por tanto tempo só com sua força de vontade, conseguiu fazer sempre de tudo como se existisse: por que se render de repente?”, questiona Rambaldo ao cavaleiro Agilulfo Emo Bertrandino dos Guildiverni e dos Altri de Corbentraz e Sura, cavaleiro de Selimpia Citeriore e Fez, que dá título ao Cavaleiro Inexistente, de Italo Calvino.

Rambaldo fala isso diante de uma armadura vazia, “não vazia como antes, esvaziada também daquele algo que se chamava o cavaleiro Agilulfo, e que agora se dissolveu como uma gota no mar”.

O cavaleiro inexistente, que consistia apenas numa branca armadura vazia, decide sumir de vez após concluir que o feito que lhe rendeu o título — a proteção da virgindade de uma donzela — não tinha ocorrido como se imaginava, pois a mulher protegida não seria mais virgem à altura do salvamento.

Descobriu-se tarde demais para Agilulfo que a virgindade da donzela tinha sido mantida por 37 anos, graças a ele. O Brasil saberá em 5 e 10 de setembro, nas partidas contra Equador e Paraguai pelas Eliminatórias da Copa do Mundo, se Dorival Júnior tem condições de conseguir algum feito para justificar sua existência na seleção.

 

Rodolfo Borges é jornalista 

 

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    1. Enquanto a selecinha trazer mercenários da Europa será esta eterna vergonha.

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