Piers Morgan Uncensored via YouTubeNão há homem que não sinta uma pontinha de solidariedade para com os srs. Biden e Waters

Conversando com meus botões — em rede nacional

Os sinais claros e evidentes de que a idade chegou para Joe Biden, moído em um debate presidencial, e para Roger Waters, falando sozinho em entrevista
12.07.24

Jorge Luís Borges gostava muito dos kenningar, o sistema de metáforas usado pelos poetas e rapsodos islandeses em suas canções e poemas épicos antigos que cantavam as façanhas e os azares dos vikings. Dado o tema, logicamente a maioria dos kenningar simbolizava fatos da guerra: a tempestade ou assembleia de espadas, o voo ou a canção das lanças, o festim das águias, e assim por diante. Reli por estes dias o artigo dele a respeito tendo em mente as insuficiências da idade que avança e, visto que os guerreiros de antigamente morriam cedo, só achei um kenning que pode, com boa vontade e força de imaginação, falar da velhice: o que chama a barba do homem de “a floresta do queixo”. É verdade que todo viking era barbudo; se, entretanto, a floresta estiver nevada, será então a barba do velho. Deduzi ou inventei eu, portanto, esse kenning fácil. A metáfora ou alegoria antiga da velhice mais conhecida até hoje, entretanto, está no enigma que a Esfinge apresenta a Édipo: a terceira parte do animal, a que, à tarde, caminha sobre três pernas (suas duas e a bengala). Talvez agora o mundo moderno esteja arranjando uma nova: dar às de Joe Biden. Ou às de Roger Waters. 

Ora, não há homem que, envelhecendo como envelheço eu, não sinta uma pontinha de solidariedade para com os srs. Biden e Waters. E um pouco de medo também: não há homem que envelheça e não veja em Biden ou em Waters uma espécie de augúrio da sua própria condição futura, ou a intensificação de certos sinais de sua condição atual. Não sei se o amigo os viu em suas aparições recentes: Biden sendo moído no debate com Donald Trump, Waters conferenciando com seu duende interior na entrevista que deu a Piers Morgan. Se os viu, fica mais fácil de entender o que quero dizer.  

É que o envelhecimento traz, entre outros males, um embananamento geral para com ambientes, gestos e palavras (Biden), e ainda nos faz pegar a mania de falar sozinhos (Waters) ou de cumprimentar gente que achamos que está lá, mas não está (Biden). E isto em público: no metrô, na rua, na fila do mercado. Ou, no caso deles, diante de câmeras. É coisa que já acontece comigo, em menor escala: minha mulher me repreende todas as muitas vezes em que me flagra falando sozinho. E eu, que ainda sou capaz de fazer piada comigo mesmo, respondo: não estou falando sozinho, estou conversando com gente que você não vê. Meu duplo, meu doppelgänger, meu eu lírico, meu duende interior, tanto faz. E só de birra estendo a mão para cumprimentar esse ente que torno, na marra, existente. Assim, quando vejo Biden cumprimentando o vento, ou Waters murmurando com seus dedos diante de câmeras e do mundo, fico com pena da senilidade e receoso de estar vendo a mim mesmo daqui a dez ou quinze anos: falando sozinho sem saber, sem ser capaz de me auto-avacalhar, e dando pena nos rapazes de quase sessenta anos.  

É verdade que prestar atenção demais em cantores ingleses e em presidentes americanos talvez seja, por si só, sinal de um começo de senilidade da minha parte. Afinal, o momentum dos cantores ingleses passou faz tempo, e a influência dos presidentes americanos está passando, está passando. Melhor seria, talvez, prestar atenção nos cantores coreanos e nos presidentes chineses. Gente, aliás, que parece que não envelhece nunca. 

* * * 

No terreno dos assuntos domésticos, nacionais, andei ponderando com a minha senhora as vantagens alimentares do pé de frango, em atenção, como bom e temente democrata, à sabedoria espantosa e ao gosto especioso por iguarias do nosso lustroso líder supremo. Antes de tratar do pé do frango, porém, analisamos a picanha, que o iluminado chamou de “carne de padrão alto”. Ora, se assim ele disse, assim é a coisa: padrão alto. Por isso ficamos a favor da taxação da carne de padrão alto. Por coerência: como, no Brasil de hoje, o padrão democrático vigente é “pau no padrão alto” (não só no padrão alto da carne: em qualquer padrão alto, e até no mediano. Se você duvida, ligue a TV, o rádio, abra um jornal ou vá a uma livraria e veja como o padrão alto e o mediano estão sendo enxovalhados neste país), então pau e imposto na picanha. E na fraldinha, no coxão mole, no patinho, no contrafilé e na alcatra. 

Mas de volta ao pé de frango. Diz minha senhora que naquela pele amarela e craquelada de jacaré ele tem colágeno, substância presente nas gelatinas e nas peles das pessoas jovens. E proteína, e gordura, e tutano: é praticamente um mocotó. Não duvido de que seja também rico em fibras, em vitaminas, em sais minerais, em lactose e açúcares e fosfato e magnésio e bicarbonato e antioxidantes e até, quem sabe, antibióticos e probióticos naturais. Se é que não desentope pias, atende à porta, anota recados e realiza pequenas tarefas. Em resumo: é um repositório de excelências o pé de frango, e, dado quem o recomenda, dele não espero senão maravilhas. Com um par de pedras, umas batatas e um livro de receitas do Pedro Malasartes, deve dar uma sopa excelente, de fácil digestão para nós, para Biden, Waters, Silva e todos os Silvas humildes que penam sob as ideias e a caneta do Silva. 

 

Orlando Tosetto Jr. é escritor

 

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  1. Há, nisso tudo, e como bem lembrou Ortega Gasset, a ação das circunstâncias. Se Mr. Biden e Sir Waters fossem súditos do nosso Silva iluminado, vivendo à base de uma rica dieta de pés de galinha, poderiam ser, cada um segundo suas vocações, presidente do Brasil ou imortal chancelado pela Academia Brasileira de Letras. Mas algo me diz que eles preferem a senilidade a isso.

  2. Em 1989, faltou carne no mercado brasileiro. Na época, o problema não era a falta do produto em si pois, como diziam as reportagens “o boi pastava tranquilamente ao lado de sua amada vaca", mas sim o racionamento promovido pelas distribuidoras, que não aceitavam o congelamento do preço promovido pelo governo federal. Num sábado, estávamos parados na porta do prédio onde morávamos, quando uma senhora se aproximou e nos disse: IGUAL O GUERRRRA! IGUAL O GUERRRRA! com um sotaque assim bem arrastado

    1. Continuando … Em face nossa expressão de desentendimento, explicou que havia ido ao mercado que ficava quase ao lado do nosso prédio comprar frango e que lá dentro havia uma disputa a tapas por pés de galinha !!!! Igual na guerra … segundo ela, onde a fome levava a disputa por pés de galinha ! Certamente, na guerra e em 1989, ainda não tinham nos explicado tão maravilhosamente como o fez nosso ungido lider supremo, que o brasileiro come mesmo pé e pescoço de galinha !….

  3. Muito oportuno e a propósito seu texto, já que por nossas bandas o chefe supremo pré octogenário tem pretensões reeleitorais… como dizia sabiamente minha avó: cautela e caldo de galinha não faz mal a ninguém…

  4. Tosetto hoje pareceu mais sério. Acho que está com medo do nosso democrata ditatorial. Seja como for, se dessa vez o povo, que acreditou no SILVA que traria a picanha para a mesa do pobre, ver esse imbecil falando em pé de galinha, tome vergonha na cara e cobre as promessas de campanha. De preferência com uma foice na mão, que é a linguagem que os esquerdalhas entendem.

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