Você ri dos coaches. As mães dos coaches devem rir dos coaches. Os anjos nos céus, os sacis nas matas, as náiades nos rios e os zéfiros nos ventos riem dos coaches.

Todos que não riem dos coaches viram automaticamente clientes dos coaches. Como todas as coisas ridículas, ou você não leva a sério de jeito nenhum, ou você leva muito a sério — de modo que a profissão de coach é rentável, porque o doze por cento de pessoas que não os acham patéticos os acham gloriosos, e querem comprar os seus cursos, livros, audiobooks e géis de cabelo que aumentam a potência sexual. São muitas pessoas, esse doze por cento; mas de modo geral é seguro dizer que todos os seres viventes na vasta criação de Deus riem dos coaches.

E eu ria também. Mas daí vieram as enchentes do Rio Grande do Sul, e eu mudei completamente de ideia. Agora eu admiro os coaches — um pouco. Não, não um pouco — bastante, até. Mas é uma admiração esquisita, arrancada contra a minha vontade e o meu instinto, misturada com fascinação, estranhamento, náusea e perplexidade. É uma espécie de admiração enojada.

O fato é que é um choque perceber que há pessoas ridículas e picaretas que mesmo sendo ridículas e picaretas ainda são melhores do que nós.

“Melhores do que nós?”, imagino você reagindo com revolta, suas narinas inflando e desinflando de indignação. “Os coaches, melhores do que nós? Fale por você!”

Bom, sim, falo. Eu não estava no Rio Grande do Sul ajudando ninguém durante as enchentes, resgatando pessoas, levando remédios. Alguns deles estavam. (Sei porque eles se filmaram fazendo isso ou berraram que estavam fazendo isso.) Nem doar dinheiro eu doei, pois sou mesquinho, e eles doaram. (E sabemos que eles doaram porque eles falaram várias vezes que doaram, se filmaram doando, e espalharam o vídeo deles mesmo doando dinheiro por todos os aplicativos possíveis).

“Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens”, está escrito na Bíblia. E é verdade que cada coach neste mês de maio passado tocou uma gigantesca trombeta diante de si; e essa é praticamente a definição do seu trabalho, o tocar de trombetas diante de si. E continua a Bíblia: “quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita, para que a tua esmola seja dada em segredo”; e neste caso a mão esquerda sabe de tudo porque a direita se filmou de todos os ângulos fazendo caridade, colocou uma música que julgou emocionante por cima, e mandou um link do vídeo para a mão esquerda.

Muitas pessoas para as quais elogiei a atuação dos coaches nas enchentes do Rio Grande do Sul me citaram esse trecho da Bíblia. Com razão; não tiro a razão. Os coaches não fizeram o bem seguindo exatamente o conselho bíblico.  É bem possível que tenham feito o que fizeram, como disseram os maledicentes na internet, “só para aparecer”.

Mas eles fizeram alguma coisa. O que é melhor: a mão direita fazer uma coisa boa, mesmo que por motivos ruins, e deixar a esquerda saber o que ela fez, ou não fazer nada e ainda censurar a mão direita dos outros que fizeram alguma coisa? Porque o único bem que a minha mão direita fez esses dias foi tirar a remela dos olhos do meu cachorro.

Eu não sei. Como eu disse, coaches me deixam perplexo. Acompanhei esses dias o perfil de um com mais de um milhão de seguidores, do qual eu nunca tinha ouvido falar. É evidentemente um picaretinha monstruosamente narcisista. Ele se filmava, tremendamente emocionado com a sua própria emoção, abraçando uma menina salva das águas. A menina parecia querer sair do abraço e voltar para a mãe, ou o tio, ou quem lá fosse, mas ninguém escapa do amplexo de jiboia de um influencer comovido com a sua própria humanidade.

Ele postava fotos de si mesmo dormindo exausto entre os mantimentos que estava levando para o Rio Grande do Sul. No áudio dessa imagem tocava a música “We Don’t Need Another Hero”. No mesmo tema, ele publicou um texto em que se perguntava filosoficamente o que era um herói, e no vídeo que acompanhava o texto vinham cenas dele mesmo carregando mantimentos, abraçando velhas desabrigadas, abraçando crianças deficientes, etc.

Era um pouco estranho? Era um pouco nauseante? Era as duas coisas; mas não consigo negar que ele fez o bem, e que eu que não sou tão inconscientemente megalomaníaco não fiz bem nenhum.

E é daí que vem a minha admiração enojada, que é uma admiração mesmo assim.

Não tenho conclusão alguma, exceto a suspeita terrível que o bem só pode aparecer no Brasil misturado de picaretagem, que essa é a forma distintamente brasileira de fazer caridade, uma torpe caridade amorosa de si mesma; e que por mais ridículos que os coaches sejam, eles talvez sejam os melhores de nós.