ReproduçãoTreinamento do Exército israelense: o país é uma das 32 democracias-liberais que se opõem ao eixo autoritário

O novo divisor de águas da segunda Guerra Fria

Os que insistem em um cessar-fogo querem fragilizar a Ucrânia invadida ou o Israel atacado
27.10.23

A invasão da Ucrânia por Putin e o ato terrorista do Hamas em Israel são, no seu conjunto, um divisor de águas no mundo contemporâneo. Três consequências desses conflitos, até certo ponto inesperadas, apareceram:

1) Elas revelaram tendências autocráticas, algumas totalitárias e racistas (inclusive antissemitas), que estavam escondidas ou adormecidas no coração de forças políticas consideradas progressistas.

2) Elas levaram grandes meios de comunicação a abandonar os critérios que até aqui caracterizaram o jornalismo profissional, confundindo notícia com propaganda e reproduzindo acriticamente fake news e narrativas que favorecem as autocracias.

3) Elas precipitaram a tomada de posição de governos populistas ditos de esquerda que, em nome da neutralidade, adotaram falsos discursos de paz e propostas de cessar-fogo que, objetivamente, os colocam ao lado das autocracias contra as democracias liberais.

Tudo isso é bem mais grave do que se poderia imaginar. São evidências de que a chamada “esquerda”, em grande parte, não é democrática, de que meios de comunicação profissionais, sob a influência do jornalismo militante ou chapa-branca, dito de esquerda, tomaram partido a favor das autocracias contra as democracias na netwar que está em curso e que governos autoritários ou populistas  estão se alinhando, objetivamente, ao eixo autocrático composto por Rússia e seus satélites, Irã, Síria e seus braços operacionais (como Hezbollah e outras milícias xiitas no Iraque, Hamas e Jihad Islâmica em Gaza e na Cisjordânia).

Examinemos a primeira evidência. Não há como negar que forças políticas até então consideradas progressistas tomaram partido contra a resistência ucraniana à invasão russa e contra a reação de Israel aos ataques terroristas do Hamas. Basta examinar o que foi publicado nas mídias sociais nos últimos tempos para ver que é ainda pior do que parece. A Ucrânia foi tratada como nazista, Volodymyr Zelensky como um palhaço e a Otan, os EUA e a coalizão europeia das democracias liberais (e não Putin, o ditador expansionista) como as forças invasoras, supostamente fazendo uma guerra por procuração. Israel (e não o Hamas, o grupo terrorista) foi considerado o país invasor, um colonizador que está praticando o genocídio contra a população palestina.

A segunda evidência. Também é inegável que grande parte do jornalismo profissional tomou um lado. Mesmo depois da checagem cuidadosa dos fatos, que desmentiu o falso ataque de Israel ao hospital Al-Ahli, grandes meios de comunicação continuaram citando o “Ministério da Saúde” de Gaza (na verdade, uma célula do Hamas) como fonte confiável para anunciar que três, quatro, cinco, seis mil civis foram mortos por Israel, com destaque para duas mil criancinhas ou mais (daqui a uma semana passarão das dez mil). O jornalismo militante ou, no Brasil, aquele jornalismo já conhecido como chapa-branca, deixou de reportar a guerra para entrar na netwar que está em curso a favor das autocracias contra as democracias. E continua fazendo isso.

Enfim, a terceira evidência. Governos populistas de esquerda (como os de Lula, Evo, Obrador, Petro, Lourenço e vários outros) se alinharam aos regimes autocráticos (como os de Maduro, Ortega, Canel, Erdogan, Orbán, Putin, Xi Jinping, Kim Jong-un, Khameney e Assad) contra o direito de defesa da Ucrânia e de Israel. Com um agravante: no caso brasileiro, Lula começou a falar em nome da paz para promover a guerra.

Personagens do livro 1984 de George Orwell reaparecem em 2023 gritando: “cessar-fogo imediato”. A proposta oportunista do cessar-fogo é típica de populistas que querem se passar por humanitários. Quem pode ser contra um cessar-fogo? Quem pode ser contra a paz? Os que insistem nisso para fragilizar a Ucrânia invadida ou o Israel atacado, não querem realmente a paz porque sabem que tal proposta não pode ser aceita por países recém-agredidos. O que seria o cessar-fogo para a Ucrânia? Deixar a Rússia se reorganizar para, em seguida, avançar e varrer do mapa a nação ucraniana. O que é o cessar-fogo para Israel? Não fazer nada e esperar o Hamas cometer o próximo ataque terrorista. Paz é guerra. Os populistas (agora disfarçados de humanitários) falam em paz para, na verdade, promover a guerra das autocracias contra as democracias liberais.

Fica claro que não é de direita x esquerda que se trata nesta segunda Guerra Fria em que já estamos vivendo e sim de democracia x autocracia. O ditador turco Erdogan, considerado de extrema-direita, declara que o Hamas “não é um grupo terrorista“, mas apenas “um grupo de patriotas que lutam para terem um país“. Está pronto para assinar uma resolução do PT.

Esse é o novo divisor de águas que separa quem defende as democracias liberais e quem se coloca ao lado das autocracias.

Eis a segunda grande Guerra Fria. Só porque a segunda Guerra Fria é diferente da primeira não significa que não seja também uma Guerra Fria. O modelo EUA x URSS não se replica na polarização EUA x China (cuja economia integrada ao Ocidente não permitiria – diz-se – nada parecido com a primeira Guerra Fria). Mas não se trata mesmo só de China e sim de Rússia e seus satélites, Irã, Síria, China e Índia, dezesseis ditaduras no Oriente Médio (incluindo Gaza e Cisjordânia) e em numerosos países africanos. É um eixo autocrático muito mais poderoso que se forma, o maior já articulado no planeta, cujo sentido aponta, objetivamente, para a extinção das democracias liberais. São (segundo o V-Dem 2023) 89 autocracias e um número ainda não avaliável de regimes eleitorais parasitados por populismos contra 32 democracias liberais (dentre as quais Israel, a despeito de Netanyahu ser um populista-autoritário – pois ele é apenas um governante autocrático cadente, não um legítimo representante do regime político israelense, que é democrático-liberal).

A guerra da Rússia contra a Ucrânia e a guerra do Hamas contra Israel são exemplos de que a nova Guerra Fria está em curso. Não, ela não se parecerá com a primeira. Mas tudo está indicando que poderá ser pior.

 

Augusto de Franco é escritor

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  1. Aula. Desenhou. Para usar termo que o "caso psiquiátrico" que foi o primeiro a chamar Zelensky de "palhaço" e saiu correndo tentando salvar Pingão, bradando o escândalo que LulE estaria exibindo comportamento "impecável" na guerra de Israel contra os terroristas do Hamas, coluna "irretocavel". Parabéns

  2. Excelente texto, e a mais pura verdade. E lamentável que o governante da vez no Brasil, esse MERDA cujo nome não vou dizer aqui, esteja alinhado com o lado errado dessa guerra fria.

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