Ricardo Stuckert/PRO ministro com Lula: o governo não acredita muito no caminho que ele propõe e mina seus esforços

A solidão de Haddad

Nos seus sonhos, 2026 será uma transição suave, com a população satisfeita e Lula disposto a vestir o pijama e a deixá-lo em seu lugar
27.10.23

É improvável que Fernando Haddad não olhe para Sérgio Massa e projete seu futuro. O ministro da Fazenda brasileiro deve ver, no seu colega argentino, um espelho do futuro, mesmo que em circunstâncias diferentes. Massa tem que “suar sangue” para se manter competitivo diante do desastre econômico que ele administra, contando com a fidelidade peronista e a esquesitice de Javier Milei para seguir em frente. Nos sonhos do brasileiro, 2026 será uma transição suave, com a população satisfeita e Lula disposto a vestir o pijama e a deixá-lo em seu lugar.

Mas a vida de Haddad também é complicada. Se já não não fosse desafiador o bastante conduzir a economia e chegar popular em 2026, ele tem que enfrentar uma concorrência interna ferrenha entre seus colegas dentro de um modelo de gestão política autofágico administrado por Lula, no qual seus ministros tentam constantemente jantar o colega. Ao montar um gabinete com todas as estrelas do PT e dos partidos aliados (Haddad, Rui Costa, Wellington Dias, Camilo Santana, Geraldo Alckmin e Simone Tebet), o presidente estimula seu entorno – e pretensos sucessores – a competirem entre si por protagonismo, criando sucessivos impasses entre as pastas que, no ápice do impasse, ele próprio soluciona.

O problema é que esse modelo precisa de uma calibragem fina para funcionar. Se passar do ponto, o acúmulo de conflitos desanda e o governo paga um preço caro, como parece ser o caso quando se avalia a dificuldade que a agenda econômica tem para andar no Congresso.

Por um momento, abandone a repetição monocórdia de boa parte da imprensa de que o problema da paralisia da agenda do governo é apenas uma questão de distribuição de recursos controlados pelo Executivo (é também). Imagine, depois, que você é um deputado eleito por um partido de centro que apoiava o presidente anterior mas, por obra do presidencialismo de coalizão, hoje você se encontra na base de Lula e do PT, partido pelo qual você nutre desconfiança.

Numa terça-feira qualquer em Brasília, você e outros líderes tomam café da manhã com Haddad que, muito simpático e aberto ao debate, pede um esforço de aumento de tributos da ordem de 10% da arrecadação anual para que o país feche suas contas no azul. Sensibilizado, você promete pensar com boa vontade no assunto. Depois do almoço, no entanto, você descobre que, no Senado, Randolfe Rodrigues, líder do governo naquela Casa, aprova uma PEC que promove um verdadeiro trem da alegria, incorporando alguns milhares de servidores estaduais e municipais à folha da União, representando um gasto adicional de mais de 6 bilhões de reais. Na Câmara, onde o mais bobo ganhou uma eleição para deputado, como diria o outro, você logo pensa: “pera aí, Haddad quer que eu aumente impostos para que outros políticos do governo, muitos deles meus concorrentes, desfilem por aí anunciando gastos e premiando seus eleitores com fatias do Orçamento?”.

Um levantamento feito pela consultoria Vector Research mostrou que as disputas entre os ministros que querem gastar e Haddad, que quer segurar, somam mais de 180 bilhões de reais (saque aniversário do FGTS, aplicação do piso constitucional da Saúde e da Educação, redução do preço dos automóveis, desoneração da folha de pagamento, aumento da faixa de isenção do IRPF e incorporação federal de servidores dos ex-territórios). Obviamente, esse conflito tem uma razão mais profunda, isto é, Haddad toca uma agenda em que o PT não acredita de verdade. Rui Costa, por exemplo, teme que a fórmula de zerar o déficit fiscal possa comprometer as chances do PT nas eleições municipais, e ele pode ter razão.

Nesse sentido, pode-se ver claramente a criação de uma armadilha dupla para Haddad, que está numa situação de isolamento dentro do seu próprio campo e sem força de agenda no Congresso, sabendo que o governo não acredita muito no caminho que ele propõe e vive minando seus esforços por meio de sinais contraditórios.

Do jeito que está, a tendência é que a coisa piore para Haddad. A agenda arrecadatória possivelmente vai ficar pela metade, a economia está desacelerando, a arrecadação está em queda e, com isso, haverá uma briga séria pelo Orçamento entre Executivo e o Legislativo. Quando a coisa parecer fora do trilho, sem poder criticar Lula, é natural que Haddad se torne alvo fácil do seu partido, numa história mais do que repetida. Por isso, mesmo que Sergio Massa tenha uma inflação de 100% ao ano para domar, pode ser que Haddad o inveje em pelo menos um aspecto. Seu colega argentino depende mais dos próprios esforços do que sua contraparte brasileira.

 

Leonardo Barreto é cientista político e diretor VectorRelgov.com.br

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. A solidão dele aumentará... os BRASILEIROS estão morrendo aos milhares nas nossas guerras internas de assaltos, de violência generalizada em todas as modalidades e de todas as vertentes, nas ruas, no interior de casas e prédios, nas escolas, nos locais de trabalho.... não sobrarão muitos BRASILEIROS e os q sobrarem serão tomados de um ódio irreconciliável pelo total abandono - já por 2 décadas - da EDUCAÇÃO, da SAÚDE, da SEGURANÇA PÚBLICA e, de um ódio multiplicado pelos marginais desgovernantes

    1. Tomara que toda essa subespécie desgovernante e desgovernada seja vítima dos mesmos latrocínios que comete contra o POVO BRASILEIRO.

    2. Enquanto isso, o grunhidor de sandices-adorador de terroristas e sua facção criminosa, claro, não tomam providência alguma contra seus pares interna corporis e a favor do POVO BRASILEIRO DECENTE, vítima cotidiana do verdadeiro genocídio que, à solta e impunemente, grassa o país.

  2. Lembrai-vos do mau exemplo da presidenta Dilma! A gastança desenfreada leva inevitavelmente ao impeachment dos incompetentes da hora.

  3. A fala contraditória do Lula, hoje, que fritou o Haddad, já foi precificada pelo mercado, piorando o cenário econômico imediato.

Mais notícias
Assine agora
TOPO