Foto: DivulgaçãoDinheiro apreendido pela PF; combate à corrupção e punição de empresas têm comprovado efeito positivo na economia

O combate à corrupção não prejudica a economia

Muita gente trata a corrupção como um crime especial e sem danos visíveis, já que a vítima é difusa — ou seja, toda a sociedade é prejudicada
02.06.23

Era uma referência no seu segmento e até motivo de orgulho nacional. Foi banido. Não estou falando de uma empreiteira, mas de um atleta recordista, campeão mundial e banido pelo Comitê Olímpico depois de ser pego pelo exame antidoping. Tudo isso porque violava as regras desportivas e ganhava vantagem competitiva pelo uso de drogas, permitindo que vencesse os demais competidores. Muitos de seus compatriotas questionam se a decisão foi justa e alegam que o esporte não seria mais o mesmo sem ele. O ponto é que regras valem para todos e, para ter legitimidade para ganhar, precisa ser no base do fair play; não adianta culpar a regra.

Após a assinatura de muitos acordos realizados como parte da Operação Lava Jato, muitas empresas envolvidas em esquemas de corrupção concordaram em pagar multas pecuniárias, como uma das condições para fechar acordo com as autoridades de investigação. Questionar e recorrer de decisões não é errado, é direito, mas é certo dizer que combater a corrupção, punir empresas e indivíduos, faz mal à economia do país? Creio que tal afirmação é incorreta.

Primeiro, sobre a devolução ou indenização dos danos causados pelas empresas e empresários corruptos: a meu ver parece indevido, ou até desonesto, apontar que a devolução do dinheiro desviado ou pago a título de indenização deveria ser revista. Afinal, quem comete o dano tem o dever de indenizar a vítima. Essa é a lógica e, em tese, ninguém deveria estar fora dela.

Segundo, sobre as multas: no Brasil, assim como em diversas outras nações desenvolvidas, esse pagamento é sempre feito levando em conta a capacidade econômica da empresa e sua real possibilidade de desembolso. Ou seja, elas não têm natureza confiscatória. Somente em casos gravíssimos e irremediáveis é que sanções poderiam ser aplicadas para comprometer a existência da empresa. Nesta linha, há todo um cálculo econométrico que embasa a penalidade aplicada e a capacidade de pagar das empresas penalizadas.

Terceiro, há que se reconhecer que empresas e empresários acostumados a vencer licitações públicas em razão do pagamento de propinas — e não necessariamente em razão da qualificação técnica e empresarial —, ao se depararem com a necessidade de se diferenciar de forma honesta, podem não conseguir fazê-lo, ao menos no curto prazo. Pois, obviamente, é mais complexo e difícil ser bom naquilo que se vende do que simplesmente comprar a decisão do contratante.

Interessante que muita gente trate a corrupção como um crime especial e sem danos visíveis, já que a vítima é difusa, ou seja, toda a sociedade é prejudicada. Assim, uns pensam que nem é crime por achar que não há vítimas, ao contrário do roubo ou do sequestro, por exemplo, em que se tem claro quem é a vítima e o tamanho do dano. No entanto, a professora Susan Rose-Ackerman, da Universidade Yale, nos EUA, pesquisou e detalhou inúmeros casos concretos em que a corrupção afetou a vida de pessoas de uma forma tangível e direta. Um deles é o caso de uma escola na China que, após sofrer com um terremoto em 2008, ruiu e provocou a morte de mais de 5 mil crianças. Uma investigação concluiu que houve corrupção no projeto de construção do estabelecimento, que ignorou exigências técnicas e viu parte de seu material ser revendida ilegalmente. Casos como esse acontecem todos os dias, mas ou eles não são mapeados ou não se consegue atribuir sua causa à corrupção.

A corrupção desestimula a inovação. Afinal, para que inovar ou ser mais eficiente se no final a escolha por uma empresa não será por mérito ou preço, mas por ela ter feito um pagamento indevido a um agente público? Para que pensar em ter melhor qualidade, se pouco importa o que acharam do produto ou serviço entregue? Para que pensar em otimização de recursos ou pontualidade, se isso não impacta a empresa comercialmente, uma vez que o agente público corrupto irá contratá-la de qualquer forma? Esse ciclo gera serviços públicos de baixa qualidade, tolhe o desenvolvimento de negócios, desencoraja pequenos empreendedores e contamina toda uma cadeia produtiva. Combater esse mal traria prejuízos para a economia?

É fato que países com menor nível de corrupção apresentam economias mais robustas e estáveis. A OCDE tem demonstrado consistentemente que países com altos níveis de transparência e governança têm desempenho econômico superior. Essas nações possuem instituições fortes, sistemas jurídicos eficientes e um ambiente favorável para a realização de negócios. Por outro lado, países com altos índices de corrupção enfrentam dificuldades para atrair investimentos, sofrem com a falta de infraestrutura adequada e enfrentam maiores desafios no desenvolvimento econômico.

Sem usar exemplos extremos de países paupérrimos e endemicamente corruptos, podemos mencionar a Itália. Foi lá que ocorreu a Operação Mãos Limpas, que, num movimento muito similar ao da Lava Jato, escancarou esquemas bilionários de corrupção envolvendo políticos. O PIB do país nas últimas décadas mostra que a Itália não tem o mesmo desempenho econômico de vizinhos europeus como Alemanha, Espanha ou até mesmo Portugal. A professora Maria Cristina Pinotti, autoridade no tema “corrupção e economia”, fez uma análise muito relevante do caso. Notou que, mesmo com sua entrada na zona do euro, queda dos juros e do risco soberano, a Itália não foi capaz de alavancar sua economia, cujo PIB em 2018 estava no mesmo nível que em 2004, e ainda apresenta constante queda de produtividade. A Itália despencou nos indicadores de governança em comparação aos seus vizinhos, de acordo com dados do Banco Mundial. Coincidência? Não parece ser o caso.

É preciso parar com o papo de bar futebolístico, em que o torcedor prefere atribuir a derrota do seu time ao juiz que aplicou cartão vermelho a um jogador e marcou um pênalti, e não à irresponsável e irregular conduta do zagueiro que derrubou violentamente o atacante na área no último minuto do jogo.

 

Felipe M. França é sócio do KMN Advogados e coordenador do GT Corrupção, Corporate Governance e Compliance da Rede Brasileira de Estudos e Práticas Anticorrupção. Foi diretor global de Compliance Anticorrupção no Twitter. 

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  1. O exemplo citado da Itália tem tudo a ver como o Brasil, inclusive no que se refere à violenta reação do sistema da corrupção que derrubou todas as conquistas obtidas no combate à corrupção. Aqui, como lá, a corrupção venceu e triunfa soberana.

  2. Este texto precisa ser lido por muitos advogados e comentaristas políticos que atacam a Lava Jato e a culpam pela falência de algumas empresas corruptoras que foram identificadas e tiveram punição.

  3. Muito bem explicado. Pena que o acesso a essas informações são restritas, em outras palavras, também, intuitivamente, é o óbvio e desde que a pandemia e o evento bolsonaro me fizer ler sobre política, fiquei sabendo que a maioria não pensa assim.

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