Foto: Lula Marques/Agência BrasilVotação da MP dos Ministérios na Câmara; petistas tentam vender capitulação de Lula como vitória do "gênio político"

Narra que eu te escuto

02.06.23

Quando é que começou isso de chamar de “narrativa” qualquer historinha mentirosa? Se a gente resolver escavar um pouco, podemos achar Friedrich Nietzsche, o maior bigode da Prússia, escrevendo que “não há fatos, apenas interpretações”, o que o tornaria uma espécie de bisavô da pós-verdade (reconheça-se: o Bigode também escreveu que o homem “não científico” se caracteriza por “tomar uma opinião como verdadeira se ela o agradar e o fizer parecer bom”). O fato é que hoje o lugar-comum está disseminado, da esquerda à direita, e que a política se tornou uma espécie de disputa de narrativas: a mais convincente — não a mais verdadeira, mas a que engane mais otários — vence.

Tivemos dois bons exemplos envolvendo o nosso querido presidente na semana que passou. Sua Lulidade, que na reunião do G7 deu aquele migué para não cumprimentar Volodymyr Zelensky, presidente legitimamente eleito de um país invadido, derramou-se em rapapés ao amigão Nicolás Maduro, ditador da Venezuela, na última segunda-feira (29). Também disse que cabia a Maduro “mostrar sua narrativa” para fazer as pessoas mudarem de opinião sobre a ditadura (“a sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que o que eles têm contra você”). Ou seja: a “narrativa” de que a Venezuela é uma terra maravilhosa e livre, de onde jorram leite e mel, é tão válida quanto as denúncias da ONU sobre tortura e prisões políticas, o desabamento do PIB per capita e os 7 milhões de venezuelanos refugiados, nada menos que um quarto da população do país.

O outro exemplo acabou de acontecer:a votação da MP dos Ministérios pela Câmara, na última quarta-feira (31). Lula e sua espetacular desarticulação política ficaram muito perto de ver a MP caducar e ser obrigados a desfazer seus 37 ministérios para voltar aos 23 da gestão de Jair Bolsonaro. Na undécima hora, Arthur Lira e sua turma votaram a favor da medida. Bastou isso para petistas, filopetistas e companheiros de viagem nas redes sociais e na imprensa tentarem vender a coisa toda como grande vitória de Sua Lulidade, o “craque do jogo”. O nome real disso é ceder a chantagem: o suposto gênio da política precisou liberar quase R$ 2 bilhões em emendas represadas desde o início do ano para não ver os seus ministérios virarem pó. Além disso, a tal “vitória” inclui o esvaziamento de pastas como Meio Ambiente e Povos Originários — mas tudo bem, o Deus-Sol só quer mesmo os índios e a Marina Silva como adereços para ficar bem na foto.

Mas o exemplo recente mais engraçado sem deixar de ser trágico, ou trágico sem deixar de ser engraçado, foi uma narrativa com números. A Unafisco, entidade dos auditores fiscais da Receita Federal, divulgou com bandas e fanfarras um estudo dizendo que a renúncia fiscal do governo chegará a R$ 641 bilhões neste ano — número grandão, daqueles que impressionam. Aí você vai ler o estudo e descobre que eles estão, para citar apenas um exemplo, incluindo nesse número gigante R$ 73 bilhões relativos à “ausência do imposto sobre grandes fortunas”. A “renúncia fiscal” a um imposto que NUNCA EXISTIU deve ser o conceito mais genial dos últimos tempos. É o caso de perguntar por que os auditores não estão contando também os trilhões que qualquer governo poderia arrecadar se começasse a tributar a respiração das pessoas. Por que não? O céu é o limite!

Num mundo em que muita gente se acha entitled to their own facts — com direito aos próprios fatos, mesmo que eles não sejam corroborados pela ciência nem pelo resto da humanidade —, tudo é narrativa. A próxima, que vocês já devem estar vendo por aí, será dizer que Lula faz muito bem em indicar seu advogado pessoal para o Supremo porque, afinal, “Bolsonaro fez a mesma coisa” (não fez: André Mendonça foi advogado-geral da União. Lula nomeando Cristiano Zanin seria equivalente a Bolsonaro levando o lombrosiano Frederick Wassef ao STF). Suspeito que o bigodudo prussiano do primeiro parágrafo tenha antevisto tudo: vai ver foi por isso que Nietzsche pirou e entrou naquela de abraçar cavalo.

***

A GOIABICE DA SEMANA

A política brasileira é o espetáculo grotesco que nós conhecemos há anos, mas a expressão “disputa de tamanho de pinto” costumava ser usada em sentido metafórico. Não mais: Marcos do Val, o glorioso senador da Swat, publicou nas redes sociais nesta quinta (31) uma foto de sunga branca para comparar seu, digamos, equipamento ao do ministro da Justiça, Flávio Dino. Já devo ter escrito aqui que, no Bananão, Karl Marx precisaria adaptar aquela sua frase: a história se repete como tragédia, depois como farsa e, por fim, como pornochanchada.

Vou nem dizer o que rima com “Marcos do Val”; DJ, pode soltar o tema da Swat

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  1. O Lula é sua Sancha Pancha Janja só não são nulidades porque causam muitos prejuízos ao Brasil, financeiros e morais. Além de muita vergonha de tê-los no poder máximo do País.

  2. Excelente artigo sobre as narrativas. Um dos assuntos mais presentes e mais influentes na nossa realidade atual e pouquíssimo explorado na sua essência e suas consequências desastrosas. A negação dos fatos. A superposição da "interpretação" sobre os fatos.

  3. Feliz comentário. A realidade foi sequestrada há muitas décadas, Somos um país do "faz de conats", do "jeitinho", " da malandragem". O que se pode esperar disso tudo?Sentar no meio fio e chorar lágrimas de esguicho.

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