Foto: Divulgação, UNECaras-pintadas durante as manifestações populares de 1992, que culminaram com renúncia e impeachment de Collor

A força do povo das ruas mudou o Brasil

O que o sistema mais teme é o povo na rua; mobilizações populares têm o poder de derrubar ditadores e até presidentes democraticamente eleitos
02.06.23

As mobilizações de rua já foram responsáveis por mudanças emblemáticas nos rumos do país, com impactos que perduram até os dias atuais. No atual cenário, a importância dessas manifestações é ainda mais evidente, pois exercem pressão sobre os atores políticos que determinam o caminho que seguimos. Ao analisarmos eventos marcantes, como o fim da ditadura militar e o impeachment de Dilma Rousseff, é essencial explorar os impactos que a participação popular nas ruas teve em nossa sociedade, delineando os caminhos percorridos até o presente momento e influenciando as possibilidades futuras.

Em 2016, presenciamos a presidente Dilma enfrentando um processo de impeachment que recebeu o apoio de 367 deputados. Essa votação histórica foi apenas a ponta do iceberg de um processo que teve suas raízes no espaço mais democrático que existe: as ruas. Meses antes, o Brasil testemunhou as maiores manifestações da história, com 3,6 milhões de pessoas ocupando as ruas em centenas de cidades em todas as regiões do país. Tudo isso foi resultado da crise econômica que se instaurou após 12 anos de governo do PT, agravada pelo desenvolvimento da maior operação de combate à corrupção da história, a Lava Jato. Nas manifestações, os participantes expressavam não apenas críticas a Dilma e ao seu antecessor, Lula, mas também ecoavam gritos de apoio à Lava Jato e ao juiz Sergio Moro.

Vale ressaltar que tudo isso foi o desdobramento de um processo que teve início três anos antes, precisamente há 10 anos, nas manifestações de junho de 2013. Naquele mês, aproximadamente 1,25 milhão de pessoas ocuparam as ruas em mais de 130 cidades por todo o país. Embora o aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus tenha sido o estopim, na realidade ele serviu como um pretexto para que milhões de brasileiros expressassem diversos anseios, permeados por diferentes ideologias. Presenciamos a atuação de protagonistas de grupos radicais, como os black blocs, associados ao anarquismo e, mais especificamente, à ala de esquerda, assim como grupos que se tornaram precursores de movimentos relevantes para o impeachment de Dilma, associados à ala de direita. Como resultado, observamos principalmente a queda acentuada da popularidade da então presidente Dilma, que em março havia alcançado um recorde de 79% de aprovação e, após as manifestações, caiu para 31%. Nesse ano, ressurgiu no povo brasileiro o senso de democracia e responsabilidade em relação ao interesse público.

Isso porque a última grande manifestação popular havia acontecido cerca de 20 anos antes, com os caras-pintadas. Ela resultou na renúncia seguida do impeachment do primeiro presidente democraticamente eleito após a ditadura militar: Fernando Collor. A queda de Collor já evidenciou um sintoma da frágil e prematura democracia brasileira; no entanto, foi importante para ressaltar a força da mobilização popular. Como característica diferencial, tivemos um movimento liderado pela juventude, que se vestiu de preto e pintou as cores da bandeira nacional nos rostos, levando centenas de milhares de pessoas às ruas. Isso foi resultado de uma gestão marcada por graves problemas, como o confisco de poupanças, e culminou em um escândalo de corrupção envolvendo tráfico de influência e cobrança de comissões de empresas em obras públicas. A manifestação deixou claro ao mundo que o brasileiro não tolera a corrupção.

Nossa recente democracia também se originou de mobilizações populares que, mesmo durante a ditadura militar de 1964, se mostraram como uma base fundamental para a sociedade brasileira. Há 30 anos, em 1983, ocorreu a emblemática campanha conhecida como Diretas Já, com o principal objetivo de lutar pela eleição direta para Presidente da República. Milhares de cidadãos ocuparam as ruas e clamaram por uma abertura democrática, após um longo período de controle político exercido pelas Forças Armadas. Embora a aprovação imediata de uma lei que garantisse a redemocratização não tenha ocorrido, o movimento trouxe uma nova configuração para o país, concedendo maior liberdade na participação política e engajamento cívico — o que, anos depois, culminou no retorno da democracia.

Após anos em que o Brasil tem demonstrado a força da mobilização popular, nos deparamos hoje com um cenário político crítico, caracterizado por intensa polarização e cerceamento de liberdades. É chegada novamente a oportunidade de nos unirmos e nos manifestarmos em defesa da democracia, liberdade e justiça. O sistema político consolidado nos incentiva a ficar em casa, e até mesmo protagonistas que supostamente estão do “mesmo lado” desmobilizam os manifestantes. Isso porque o que o sistema mais teme é o povo na rua. A história nos mostra que as mobilizações populares têm o poder de derrubar ditadores e até mesmo presidentes democraticamente eleitos. Temos hoje uma nova oportunidade de moldar o curso da nação de maneira ainda mais impactante para as gerações futuras.

Anne Dias é advogada, presidente do LOLA Brasil e líder do Livres

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  1. Passados 10 anos das grandes manifestações oque temos de resultado? O sistema garantidor da impunidade segue firme e forte; nós continuamos pobres, semi analfabetos, matando um leão por dia e correndo risco sempre que metemos a cara na rua. Assim eles nos vergam, quebram nosso espírito, mostrando que nossa indignação se inflama num instante, mas o poder deles é perene e a sede de vingança uma constante

  2. Não tolera a corrupção? Não só tolera como pratica, em vários atos do dia a dia, como subornar o guarda, cavar atestados médicos falsos, desrespeitar regras de trânsito, etc. Terra do jeitinho e da Lei de Gerson, essa aqui.

  3. Domingo fui na Av. Paulista c/ minha bandeira do Brasil. Por sorte encontrei um grupo do partido NOVO do qual sou membro com alguns folhetos c/ título JUSTIÇA/DEMOCRACIA/LIBERDADE: Pelo fim do "Abuso de Autoridade do STF e do TSE" e ainda: "CONTRA A JUSTIÇA A SERVIÇO DO PT": --> Abusos do TSE durante as eleições; -->Inquéritos e decisões arbitrárias; -> Censura ao Google e ao Telegram; --> Cassação de Deltan Dallagnol - VIVA o NOVO e Viva a Lava Jato!

  4. Prezado Pedro das 12:21, concordo c vc em parte. Acho até q estamos piores. Mas talvez, espero, não tenha sido em vão as inúmeras vezes em q eu, meus amigos e meus filhos, fomos às manifestações na Paulista. Dilma mereceu o impeachment e Lula mereceu (e ainda merece) a cadeia. Vamos ver como vai acabar essa merda d governo do PT. Pode ser q a democracia renasça das cinzas. Amanhã retorno à Paulista c minha bandeira do Brasil. Lula está perdido, incompetente, não sabe o q fazer. Viva a Lava Jato!

  5. Concordo plenamente. É a arma que temos em mãos, que mostra nossa insatisfação. Pode demorar, mas se não fizermos estaremos concordando com os absurdos que são ditados pelos pseudo-democratas. Na Venezuela não dá mais, em Cuba também não. Na China, Coréia do Norte, Nicarágua já faz muito tempo que não se pode dar uma opinião sequer, capaz de você ser delatado por seu pai, amigo, avó. Dia 04/jun estarei lá.

  6. Prezada Anne Dias. Permita-me discordar: 2013 lembrou na verdade a música do Vandré" pelas ruas marchando indecisos cordões e acreditam nas flores vencendo canhões". A manifestação foi intensa e volumosa, mas nada produziu de fato. Veja o Congresso , balcão de negócios . Veja o judiciário partidário, politizado, ideológico. Veja o Executivo morando nos anos sessenta e setenta. Mudanças pra valer são para sempre. Mais uma música: "Ôh, ôh, ôh, ôh, nada mudou"(Léo Jaime).

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