ReproduçãoAs principais causas dos coros infames do jogo no Mestalla vêm da guerra civil da Bósnia-Herzevogina

Supremacismo branco é bárbaro, covarde e impune

Inveja, crueldade, covardia e impunidade de fascistas em estádios da Espanha têm origem na escravidão e ligações com facções direitistas
25.05.23

Sempre que são registrados episódios radicais e infames de racismo, como o do estádio de Mestalla contra Vini Jr., do Real Madrid, no domingo 21 de maio, em Valência, constata-se a permanência estrutural do ódio originado na escravidão importada da África em navios negreiros. Reforçam essa identificação os insultos contra a vítima dos fanáticos torcedores do time valenciano: monos, em castelhano, macacos, é um substantivo que designa animais e soa muito mais ofensivo do que os mais degradantes palavrões. Convém lembrar que as palavras com sentido degradante e instituições do racismo originário do Sul dos EUA também são berradas da arquibancada. Entre cânticos contra o melhor jogador do mundo alguns citavam explicitamente a marca da mais infame sociedade secreta de matadores de escravos e seus descendentes: a Ku Klux Klan.

Ainda assim, para entender melhor a onda de fúria que ameaça o jovem de São Gonçalo, na Grande Rio, urge adicionar elementos políticos atuais na cruzada empreendida pelas vítimas do Real Madrid, seu clube, na história e na atualidade do futebol. O Madrid, como é tratado de forma corriqueira, simboliza a nobreza de uma monarquia parlamentarista, a exemplo do Reino Unido. Real não significa o oposto de imaginário, mas a coroa do rei. A unidade sob Castela é contestada em várias províncias. Valência, como Barcelona, fica na Catalunha, que tem língua, literatura e cultura próprias e até hoje sonha com a libertação do reino central, fundado na fusão de Castela e Aragão no século 15. Daí se origina o castelhano, celebrado pelo pioneirismo daquele que é considerado o primeiro romancista da literatura universal, Miguel de Cervantes. Ramon Llull, o mais influente escritor, filósofo e poeta do catalão, como o idioma de Castela e nosso português caboclo derivada do domínio latino na península ibérica pelo império romano, é consagrado em sua pátria, mas não chega perto da fama internacional do autor de Dom Quixote de la Mancha.

A perseguição ao melhor jogador do maior clube do mundo põe Valência na fama mundial pelo pior dos caminhos: o da intolerância à fama e ao sucesso de um futebolista fora de série. Vini repete o êxito do holandês Cruyff e de outros brasileiros, como o branco Evaristo de Macedo, também cria da Gávea, e os mulatos Ronaldo Nazário, Ronaldinho Gaúcho e Rivaldo. As principais causas dos coros infames do jogo no Mestalla vêm da guerra civil da Bósnia-Herzevogina, no último decênio do século passado e que levaram o Tribunal Penal Internacional de Haia a condenar o general sérvio Slobodan Milosevic por genocídio, há 30 anos. A violência dos “pescoços vermelhos”, cantada e chorada por Billie Holiday no clássico do jazz Strange Fruit (estranha fruta) é mais uma referência que une os dois episódios históricos na prática feroz da intolerância bárbara e da inveja malsã. Não apenas contra o convívio com outra raça, mas ameaçando o sucesso, a glória e a fortuna de um moleque de favela elevado ao panteão de um esporte de massa. Isso ocorre no momento em que o cidadão europeu protesta contra a concorrência de refugiados do Terceiro Mundo fugindo de zonas conflagradas para as calçadas das afortunadas ruas do Velho Continente. Além da sombra da guerra civil nos EUA e da campanha abolicionista no Brasil, somam-se ao caldo fétido a herança do franquismo, vitorioso na guerra civil espanhola, e do holocausto judeu nos campos de concentração do nazismo de Hitler e do fascismo de Mussolini.

O setor sul de Mestalla, que insultou o “bola de ouro” que ainda não foi reconhecido, é propriedade do grupo fascista Yomus, o que explica, mas não justifica, a reação do Valência à punição de fechamento de cinco partidas do setor interditado, pena levíssima por sinal. E a aula de “bom comportamento” que o presidente de La Liga, Javier Tebas (nome da cidade da Grécia Antiga que se rebelou e expulsou os exércitos espartanos de seu território na batalha de Leuctra, em 371 a.C.) é coerente com seu voto anunciado no grupo Vox, da direita radical, nas próximas eleições.

Essa pode até não ser a única explicação, mas certamente é a mais atual para a covardia da direita extremada, cruel e invejosa, representada no Brasil pelo ufanismo bolsonarista e pelas manifestações equivocadas da aliança de esquerda, que se diz “democrática do amor”, por ditaduras colonialistas, bárbaras e fascistóides do russo Putin, do chinês Jinping e do indiano Modi. E a adesão aos mussolinistas de Orban na Hungria e ao capitalismo selvagem do “pescoço vermelho” Trump nos Estados Unidos.

Os brados de “mono” (termo castelhano por um público historicamente oposto a Castela), o boneco com o nome e o número do melhor futebolista em ação no campeonato presidido pelo fascista que preside La Liga são evidências de um colonialismo retrógrado. A ausência de punição digna dessa definição pela 11.ª manifestação de ódio a um inofensivo atacante por sua habilidade inata demonstra claramente que se iludem os inocentes que acreditam na boa fé da cúpula desportiva e do governo socialista da Espanha, infiel até à sua ligação com a maldita herança do generalíssimo Francisco Franco. Pois este, apesar de ter conquistado o poder com ajuda nazista (vide Guernica, de Picasso), refugiou-se na neutralidade na Segunda Guerra.

 

José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor

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  1. Parabéns ao nobre jornalista José Nêumanne pelo belo artigo esclarecedor desse episódio de racismo em estádio de futebol. O esporte mais popular do planeta terra está perdendo a magia para a intolerância.

  2. Liberté, Egalité, Fraternité! - Racismo, intolerância, ódio, inveja, covardia, fanatismo, são próprias de pessoas menores, sem objetivo definido, sem escrúpulos e prontas para formarem grupos que, se não forem severamente contidos, destroem as democracias. Como disse Disraeli: "É preciso que os homens de bem tenham a audácia dos canalhas"

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