CBF OficialVini Jr não faz mal a ninguém — com exceção das defesas adversárias

O sol tem de ser para todos

Para além do racismo, só a disputa ideológica explica que alguém se disponha a relativizar uma discriminação escancarada
25.05.23

O presidente de La Liga, Javier Tebas, admitiu que errou ao criticar Vinicius Junior no momento em que o atacante brasileiro precisava de apoio, após sofrer repetidas ofensas raciais. Após o ensaio de uma crise diplomática, mensagens de solidariedade de todos os lados e da prisão de sete pessoas que cometeram atos racistas contra o craque do Real Madrid, sobrou apenas um vilão identificado nessa história: Magno Malta (PL-ES). O senador foi denunciado ao Conselho de Ética e ao Supremo Tribunal Federal (STF) por tropeçar nas palavras enquanto tentava defender o atleta.

O senador criticou as emissoras de televisão por reverberar o assunto e “revitimizar” Vini Jr, com a intenção de sustentar a audiência e “ganhar mais patrocinador”. Na sequência, Malta disse que o antídoto contra picada de cobra é feito com veneno do próprio animal e questionou onde estão os “os defensores da causa animal, que não defendem o macaco?” —o jogador do Real Madrid foi chamado de “macaco” por torcedores do Valencia. “Eu, se fosse um jogador negro, entrava em campo com uma leitoinha branca nos braços, ainda dava um beijo nela. Falava assim: ‘olha como eu não tenho nada contra branco, ainda como’.”

Por fim, Malta disse que as ofensas a Vini Jr. são fruto de inveja e que o jogador merece ser celebrado. Enfim, o senador fez uma defesa, mas ela soou como ataque. Por quê? Além de se expressar mal, o discurso do senador parece se opor a uma forma de combater o racismo, um comportamento que se consolidou nas últimas décadas, a partir das universidades americanas. O discurso da igualdade, de Martin Luther King Jr., deu lugar ao da reparação histórica, a partir de teorias como o racismo estrutural, que tem no ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, um dos principais patrocinadores no Brasil.

Assim como outros problemas sociais, a questão racial virou território de disputa por poder. A mudança de perspectiva embasou algumas medidas práticas, como a adoção de cotas raciais em universidades, mas também passou a alimentar ressentimentos. A causa racial foi apropriada pela esquerda e espantou a direita — para além do próprio racismo, só a disputa político-ideológica explica que alguém se disponha a relativizar uma discriminação escancarada. Na ânsia por nivelar as disputas, a militância incentiva discursos ofensivos, como o de que não é possível ser racista contra um branco, por exemplo, porque o racismo dependeria de uma dinâmica de poder. O caso de Vinicius Junior desmente essa lógica: mesmo sendo um dos maiores jogadores de futebol da atualidade, ele está vulnerável a legiões de zés-ninguém. Para ser racista, basta tratar alguém de determinada forma baseando-se em sua raça ou origem.

A nova cartilha reza que não basta mais não ser racista, é preciso ser “antirracista” e evitar palavras como “denegrir” e expressões como “mercado negro”, sob a alegação de que teriam origem em discriminação. São mentiras que poluem o debate e atrapalham a resolução do problema, em meio a outras estratégias desonestas, como a banalização de acusações sobre racismo ou a criação de versões mais convenientes da história, para atribuir culpa, constranger, subjugar e controlar, sob o pretexto de ajudar um grupo desfavorecido. Tudo importado dos Estados Unidos e pasteurizado para consumo interno.

Mockingbirds não fazem nada além de música para nós curtirmos. Eles não comem os nossos jardins, não fazem ninhos em silos de milho, eles não fazem nada além de cantar com todo o coração para nós. É por isso que é pecado matar um mockingbird”, diz Miss Maudie à pequena Jean Louise Bullfinch em To kill a mockingbird (Harper Perennial), de Harper Lee. O livro, escrito na década de 1960, foi publicado no Brasil sob o título de O sol é para todos (José Olympio).

Para seguir nas alusões ao mundo animal, Vinicius Junior é o pássaro que dá título ao clássico sobre a segregação dos anos 1930 no Alabama (curiosamente, um passeio pelo material disponível sobre o livro na internet mostra que nem ele sobrevive à acusação de racismo). O atacante brasileiro não faz mal a ninguém — com exceção das defesas adversárias. Pelo contrário, encanta o mundo inteiro com sua habilidade — mais uma vez, excetuados quem leva o drible e os torcedores que podem apenas ver os jogadores de seus times serem humilhados dentro de campo. Proteger Vini Jr. ou qualquer vítima de racismo é proteger todo mundo, independente de cor ou ideologia.

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