Foto: Carlos Moura/SCO/STFPlenário do STF: é justificável abrir mão da sergurança jurídica para preservar democracia?

Supremocracia

Para preservar o que ainda restava da nossa democracia, o STF alegou que deveríamos abrir mão do pouco que ainda tínhamos de segurança jurídica
17.03.23

Num evento no Rio de Janeiro, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que “a Constituição não garante uma liberdade de expressão como liberdade para agressão, discurso de ódio, ou para discurso contra a democracia”. E ele está coberto de razão. Mas nossa Carta Magna também não garante censura prévia, inquéritos com prazo indeterminado e sem grau de jurisdição e muito menos obstáculos burocráticos para que os advogados não tenham acesso aos autos para saber quais as acusações feitas a seus clientes.

Há um certo incômodo com o protagonismo político exercido pelo STF na última década. No vácuo deixado pelos outros Poderes, incapazes de oferecer respostas à corrupção, à impunidade, às injustiças e desigualdades sociais do nosso país, o Supremo Tribunal Federal foi ampliando sua ação no campo das políticas públicas, a partir do papel determinado à Corte pela Constituição de 88, que não trata apenas de princípios, mas de inúmeras regulamentações políticas, sociais, administrativas e econômicas. As disputas entre os Poderes Executivo e Legislativo também passaram a ser travadas no plenário da Suprema Corte, dando muitas vezes ao STF um papel de poder moderador, algo que não está previsto no texto constitucional.

Provavelmente a consagração do STF como protagonista político tenha se dado com a Ação Penal 470, o julgamento do mensalão, quando os ministros se tornaram personalidades recorrentes no noticiário político brasileiro. Com quase toda a classe política comprometida com os escândalos de corrupção, as pessoas passaram a depositar suas esperanças nos magistrados, que, à época, eram vistos como super-heróis, como ocorreu com o ministro Joaquim Barbosa, retratado com sua longa capa preta, e também o juiz Sergio Moro, transformado em boneco inflável com as roupas do Superman.

Mas os escândalos de corrupção chegaram ao Supremo após o impeachment de Dilma Rousseff, com o “grande acordo nacional para estancar a sangria”, proclamado pelo ex-senador Romero Jucá. Então, o próprio STF tornou-se alvo da Operação Lava Jato, com alguns ministros sendo expostos em relações políticas nem sempre republicanas.

Muitos argumentam que a situação do país era grave o bastante para taparmos os olhos — e o nariz — às decisões “excepcionalíssimas”, como classificou a nossa ilustre ministra Cármen Lúcia no julgamento do TSE em 2022 que inaugurou a temporada de “experimentação regulatória” e restaurou a censura prévia no Brasil. Para preservar o que ainda restava da nossa democracia, alegaram que deveríamos abrir mão do pouco que restava de segurança jurídica.

E é realmente um paradoxo. Porque, no fundo, sabemos que todos os ministros têm bom senso e bom coração. Obviamente não existem motivos políticos nas suas deliberações, só a ânsia de fazer justiça. O problema somos nós, povo desconfiado que, diante de tanta boa vontade, acaba sempre deixando margem para insinuações maldosas. Para o nosso bem, diversos julgamentos foram anulados a partir de um novo expediente jurídico, a “competência fluida”, na qual se fixa e se muda o juiz natural conforme a conveniência do momento. O conceito é elástico o bastante para garantir a impunidade a diversos réus confessos que, claro, já se arrependeram de seus crimes e estão encorajados a nunca mais sucumbirem à tentação de surrupiarem os cofres públicos. Na verdade, foram apenas vítimas da degradação moral que se tornou a política brasileira; afinal, se Hobbes nos ensina que o homem é o lobo do homem, Rousseau que a sociedade nos corrompe e Maquiavel que o homem que se presume bom arruína-se entre os que não são, quem somos nós para discordar?

Mas, na verdade, um país civilizado é aquele que pune os criminosos e protege os cidadãos, embora o Brasil tenha sempre escolhido o contrário, usando e abusando de uma liberdade para interpretar o caput do artigo 5º da Constituição, que pretende estabelecer que “todos são iguais perante a lei”. Na realidade, a cada julgamento anulado, aumenta-se o abismo entre os privilegiados e aqueles que pagam pelos privilégios. Já dizia Sólon, o grande estadista da antiga Atenas: “as leis são como teias de aranha: boas para capturar mosquitos, mas os insetos maiores conseguem escapar de sua trama”. O Brasil, incorrigível, parece já não ter mais leis, aranhas e nem mesmo teias.

 

Diogo Chiuso é escritor e autor do livro “O que Restou da Política”, publicado pela editora Noétika em 2022.

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  1. Bom coração? Bem intencionados??? Querem fazer justiça Ah? Ah, tá bom ! Só se fala assim p não ser incluído naqule inquérito q criaram p censurar os contrários da supremacia

  2. Somente intervenção conceitual nas instituições (tipo STF), iria regular moral e tecnicamente, essa bagunça chamada Brasil jurídico. Não tem soluções do dia a dia. E nem personalidades suficientes em qualquer área para para mudar no micro/macro universo da política. Tá lascado, esse povo.

  3. A Lava Jato, foi o mais alentador e promissor evento de esperança para um Brasil melhor, que a nossa geração experimentou. Infelizmente foi também a nossa maior frustração e última chance de entregarmos aos nossos descentes um Brasil melhor do que àquele que recebemos.

  4. O Brasil, como república, não existe mais. Não é um país de leis, não aplica mais sua constituição, tem o judiciário que não cumpre as leis quando não lhe interessa e tem um ditador. Aos 66 anos, não tenho mais esperanças e estou feliz que tenho filhos que já foram embora e a última já está a caminho de sair do país também. ACABOU.

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