Prefeitura de Itapevi

Ônibus de graça

Mais de 60 cidades brasileiras já adotaram a tarifa zero, e São Paulo pode se tornar a próxima. Pode dar certo?
17.03.23

Uma ideia que antes só circulava entre urbanistas e políticos mais sonhadores está ganhando tração entre governantes e deve dar muito o que falar em breve. Trata-se da concessão gratuita de passagens de ônibus para a população. No Brasil, mais de 60 cidades já adotaram a “tarifa zero” em ao menos uma linha. Em São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes já confessou que fará isso se “for possível”, e a SPTrans, empresa municipal de transportes, afirmou estar “liderando o estudo” sobre o assunto. Se vingar, não será pouca coisa. Com 52 empresas operando uma frota de 13.265 veículos por 1.347 linhas, a capital paulista se tornaria o maior experimento mundial da tarifa zero. Os riscos são igualmente grandes, mas, se der certo, o teste poderá servir de exemplo para outras cidades do país e do mundo.

O que mais tem empurrado o prefeito de São Paulo a pensar no assunto é o sumiço dos passageiros. Em janeiro deste ano, 150 milhões de passageiros foram transportados na capital paulista, uma queda de 24% em relação a janeiro de 2020. Desde 2013, é como se uma em cada três viagens tivesse deixado de acontecer. O fenômeno acontece porque, principalmente após a pandemia, muitos moradores da cidade mudaram seus hábitos e passaram a trabalhar de casa. As empresas, então, foram reduzindo gradualmente o tamanho da frota, que já encolheu 13% desde 2013. Em tese, os custos deveriam acompanhar a queda, mas não foi bem isso o que aconteceu. Os ônibus passaram a circular com menos passageiros, e os custos com o diesel subiram 18% desde 2022. Como as empresas recebem um valor por passageiro transportado, ficou difícil fechar a conta.

Uma das soluções pensadas é a prefeitura assumir integralmente os custos. Atualmente, o governo municipal já subsidia cerca de metade da passagem. Neste ano, o gasto com isso deve ser de 7,4 bilhões de reais. Estima-se que, para arcar com todos os custos, esse valor teria de dobrar. Há uma sobra no orçamento municipal que poderia dar conta disso. Em 2021, a prefeitura teve um superávit — a diferença entre arrecadação e gastos — da ordem de 8,9 bilhões de reais. Em tese, portanto, haveria espaço para pagar o transporte.

O problema é que isso deixaria a prefeitura sem uma margem de segurança. Qualquer imprevisto, como alta repentina dos combustíveis ou o surgimento de outras despesas não previstas, poderia deixar as contas no vermelho. Mesmo assim, ainda restaria para a prefeitura o recurso de usar sua caixa de 31 bilhões de reais. Em uma situação mais extremada, seria possível contrair dívidas. “Essa poderia ser uma solução paliativa. Como o transporte público tem se mostrado um fator crucial de qualidade de vida nas cidades, em São Paulo não seria diferente”, diz Alexandre Pires, professor de economia do Ibmec.

Outras prefeituras do Brasil que zeraram o preço das passagens tinham fontes de recursos extras. Uma delas é Maricá, no Rio de Janeiro. A prefeitura se gaba do sucesso de suas linhas públicas, mas se vale de um polpudo royalty da exploração de petróleo. Em 2022, foram 2,5 bilhões de reais. A cidade mineira de Mariana tem 61 mil habitantes e usa o prêmio da exploração de suas minas de ferro para bancar suas linhas.

Como São Paulo não conta com esses recursos, uma opção para ter mais segurança ao financiar as passagens seria elevar a arrecadação. Lúcio Gregori, que tentou implementar a tarifa zero em São Paulo nos anos Luiza Erundina (1989-1992), diz que é a hora de São Paulo ter um pedágio nas áreas centrais da cidade, ou então um imposto extra em carros privados, com base em seu tamanho e potência, para financiar seus ônibus. Um pedágio por trecho rodado já é testado em rodovias de São Paulo e existe há duas décadas em Londres. “É importante haver variedade de financiamentos, para não sobretaxar nenhum setor”, diz Rafael Calabria, coordenador da área de mobilidade urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Resolvida a questão econômica, ainda seria preciso se precaver para outros problemas que poderiam surgir. Uma possibilidade é que, com a gratuidade, mais pessoas poderiam usar o serviço, que com isso poderia perder qualidade. Em Palmas, no Tocantins, a cidade testou a gratuidade por 30 dias. Mas três em cada dez motoristas contratados para operar o serviço nesse período não compareceram. No início do mês, usuários descontentes com a superlotação bloquearam avenidas. Ao final, a cidade voltou a cobrar a tarifa, mas manterá o transporte grátis aos finais de semana e para maiores de 60 anos.

Outra possibilidade é que passageiros deixem de usar o metrô. O metrô de São Paulo tem quatro linhas operadas pelo governo e duas pela iniciativa privada, que precisam da passagem de seus usuários para custear a caríssima operação.

Nem isso garantiria o sucesso da operação. Anthony Ling, urbanista e editor-chefe do site Caos Planejado, lembra o caso de Tallinn, na Estônia, que é a única capital a adotar a tarifa zero.“Até onde eu saiba, o objetivo de reduzir emissões de Tallinn não foi alcançado. O principal efeito foi a migração e redução das viagens a pé, e não a migração e redução nas viagens de carro”, explica. “Motoristas, na sua imensa maioria, não são incentivados por preço, pois o ônibus já é muito mais barato que o carro, independente de a tarifa ser zero.”

No Brasil, a maior cidade a adotar a tarifa zero foi a cearense Caucaia, com 330 mil habitantes. Cuiabá, Fortaleza e Florianópolis estão realizando estudos. No mundo, a maior cidade a testar o modelo foi Kansas City, nos Estados Unidos, com 500 mil habitantes. São Paulo, por sua vez, tem 12,4 milhões de moradores, o que a tornaria, por larga vantagem, o maior experimento do tipo na história.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. Não estou comparando, só comentando. Em Luxemburg todos os transportes públicos, exceto avião e taxi pois não públicos, são totalmente gratuitos para todas as pessoas: moradores, turistas, visitantes. Dizem que sai mais barato do que manter centenas de funcionários. Além disso lá é a terra do dinheiro, principalmente vindo do estrangeiro. Perguntem aos nossos nossos homens públicos, eles com certeza sabem.

  2. Interessante que o debate volta a baila não pela necessidade de prestar esse serviço a população, ou por eventual vontade ambiental, mas para viabilizar o negócio das transportadoras Nunca mude, Brasil!

  3. Não existe nada de graça. Todos pagaremos essa conta, incluindo com o desemprego, porque, os impostos aumentarão e pequenos empreendedores não aguentaram a carga tributária. No final era melhor cobrar preço justo a dizer para meia dúzia que o transporte é gratuito.

  4. Não existe almoço grátis! Os contribuintes terão seus tributos aumentados. Nessa conta do prefeito de São Paulo não entrou a despesa com vandalismos? Por que quando é de graça as pessoas tendem a destruir. Não estamos na Estonia, Suécia ou Alemanha, vamos ser francos!

  5. De graça é que não vai ser. Todos os paulistanos vão pagar a conta, mesmo os que andam a pé, de bicicleta, de moto, de carro, os que não saem de casa, e claro os que andam de ônibus “de graça”.

  6. De graça é que não vai ser. Todos os Paulistanos vão pagar a conta, os que andam a pé, de bicicleta, de moto, de carro, os que não saem de casa, e claro, os que andam de ônibus "de graça".

  7. Por princípios sou contra ônibus com tarifa zero: esse será mais uma fonte de corrupção. E não contará com a fiscalização do usuário: a cavalo dado não se olha os dentes. Quer subsidiar? Subsidie os salários.

Mais notícias
Assine agora
TOPO