Foto: Mike Peel/Wikimedia CommonsO edifício Copan, no centro de São Paulo, cuja população é superior à de mais de um quinto das cidades brasileiras

Os problemas da concentração habitacional

Documentários brasileiros expõem degradação em grandes condomínios, que chegam a ter população maior que a de 22% das cidades do país
03.03.23

O audiovisual brasileiro, tanto no jornalismo quanto no cinema, representou muito bem um fenômeno que é a origem de vários problemas do nosso país: o adensamento habitacional. No jornalismo televisivo, o exemplo mais eloquente é o episódio “Condomínios” do programa Documento Especial. Criado por Nelson Hoineff, o programa esteve no ar em três emissoras entre 1989 e 1998, mas foi na TV Manchete que os episódios mais famosos foram produzidos. O episódio “Os pobres vão à praia”, por exemplo, é um clássico que até hoje circula em rede social e retrata o deslocamento de grupos da periferia até as praias da zona sul do Rio de Janeiro.

“Condomínios” é um retrato das mazelas que assolam edifícios altamente populosos nas grandes cidades brasileiras. Vemos o caso de mulheres que foram atingidas por objetos jogados de cima de prédios, o problema da prostituição (as casas de massagens instaladas em prédios residenciais em Copacabana), a questão do barulho — moradores reclamam de ouvir vizinhos fazendo sexo —, vazamentos, agressões, falta de higiene e falta de pagamento do condomínio, que leva à degradação dos espaços.

Denise Xavier, no livro Arquitetura Metropolitana, diz que o edifício Copan (foto), em São Paulo, “como um modelo concentrado de cidade, reproduz dentro de sua dimensão limitada de edifício a força do atrito social que se apresenta disperso na cidade, transformando assim o seu espaço em ambiente nervoso, onde a convivência torna-se matéria complexa”. O episódio do Documento Especial é a prova da concentração, numa unidade habitacional, dos problemas da cidade — no caso, o programa se passa no Rio de Janeiro, mas o que não falta são exemplos semelhantes em outras cidades.

O ideal de Le Corbusier — cuja influência foi decisiva no Brasil — eram prédios altos, de uso misto (habitação, comércio e serviços), porém cercados de jardim e distantes de outros prédios altos. Na segunda metade do século 20, o adensamento urbano aumentou vertiginosamente, no Brasil ainda mais que em outros países. Não só as cidades cresceram; as unidades habitacionais também.

No Copan, por exemplo, moram mais de 5 mil pessoas. No Brasil, 22% dos municípios têm menos de 5 mil habitantes. As unidades habitacionais se tornaram tão grandes quanto cidades pequenas — só que não têm Assembleia Legislativa, prefeitos, leis municipais. O poder de um síndico nem se compara ao de um prefeito, mas a responsabilidade é muito grande. A degradação de um prédio pode afetar a vida de todo um bairro e da própria cidade.

No Recife, o edifício Holiday, construído em 1957 para veraneio, com seus 17 andares e 476 apartamentos, foi se degradando até ser interditado. Havia risco de incêndio. Boa parte dos moradores não pagava condomínio, e a infraestrutura do prédio se degradou consideravelmente, até que foi interditado pela prefeitura. Os moradores ficaram sem ter onde morar.

O documentário Edifício Master, de Eduardo Coutinho, mostra o universo social de um edifício em Copacabana, no Rio de Janeiro. Assim como no Documento Especial, vemos os problemas que o síndico enfrenta (ficou famosa a frase em que o síndico do edifício Master diz “comigo é assim: se não funcionar o Piaget, eu uso o Pinochet”), a prostituição, a violência urbana, mas também a socialização dentro do prédio e a vida singular de cada um dos condôminos.

Nesses dois documentários temos um belo panorama da concentração populacional em unidades habitacionais, um problema que não ficou para trás. Até hoje, nas grandes cidades brasileiras, constrói-se cada vez mais em altura em condomínios fechados, com vários blocos. Os problemas administrativos permanecem, mas agora os condomínios têm todo um aparato tecnológico — que traz segurança, mas ao mesmo tempo tira a privacidade. É como se as pessoas não aprendessem com os erros do passado, não sei se motivadas por ganância ou por ignorância, ou por ambas. Infelizmente, no Brasil, nunca se popularizou a frase do arquiteto Balthazar Gerbier, que em 1666 já dizia: “Quanto mais escadas e portas de fundo, mais prostitutas e ladrões”.

Josias Teófilo é cineasta, jornalista, escritor e fotógrafo brasileiro

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  1. Esses megacondominios mostra bem o que tem por trás da especulação imobiliária e como o ser humano é incapaz de viver em sociedade.

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