TV BrasilMargareth Menezes, ministra: entretenimento no lugar da cultura?

O estado cultural brasileiro

A produção artística nacional, além de refém da agenda identitária, se rende cada vez mais à propaganda ideológica e à linguagem publicitária
17.02.23

O Estado Cultural, livro de Marc Fumaroli, nasce de uma indignação genuína com uma aparente miudeza. Lançado no Brasil em 2021, pela Editora Âyiné, com tradução de Pedro Sette-Câmara, o livro parte do questionamento feito pelo autor a um cartaz de grande dimensão espalhado pelos muros da cidade de Provença, na França, em 1990, que dizia: “O Conselho Regional dinamiza as artes plásticas”. Com efeito, não deixa de ser curiosa a mistura de linguagem de propaganda oficial e linguagem publicitária de grandes corporações, como ele escreve.  

É que o sistema de fomento francês à cultura se tornou praticamente um estado à parte, uma burocracia sem precedentes dedicada a produzir obras sobre cuja qualidade Fumaroli tem sérias dúvidas. 

Um livro poderia ser escrito sobre o estado cultural brasileiro, em moldes semelhantes. Só que em vez de começar com André Malraux, começaria com Gustavo Capanema – Ministro da Educação de Vargas, cuja atuação decisiva se deu no campo da cultura. 

Igualmente a história que veríamos no Brasil seria a de um aumento contínuo na burocracia cultural, um inchamento desse estado cultural, sem que a produção de cultura melhore – na verdade, só piora. Mesmo durante os governos militares, o estado cultural brasileiro só cresceu – foram os militares que criaram a Embrafilme, responsável por produzir alguns dos filmes mais relevantes, internacionalmente, do cinema brasileiro. Os dois momentos em que o estado cultural parou de cresceram foram no governo Collor, que acabou com a Embrafilme (e o cinema brasileiro simplesmente parou), e durante o governo Bolsonaro. 

Collor, entretanto, criou a Lei Rouanet, que veio a ser muito importante para a produção de cultura no país. Já Bolsonaro não fez nem o que era de sua obrigação: o Bicentenário da Independência. No vácuo da gestão nula de Mário Frias, a esquerda seguiu gerindo a cultura através do Congresso: com a Lei Aldir Blanc e a Lei Paulo Gustavo. 

Os recursos contingenciados por Bolsonaro na cultura ficaram no caixa do governo e agora estão sendo utilizados pela gestão Lula – o que não chega a ser uma atitude inteligente politicamente. Agora, sob a gestão do Partido dos Trabalhadores, o estado cultural brasileiro está voltando a crescer com tudo. E junto a esse crescimento, uma ferrenha oposição, vinda principalmente da nova direita. 

O problema central de um estudo sobre o estado cultural brasileiro seria o mesmo do livro de Fumaroli: como é possível conceber uma política cultural sem uma definição clara de cultura? E tanto na França como no Brasil a noção de cultura foi sendo ampliada até chegar à indistinção. 

O primeiro governo Lula representou a chegada ao poder da geração da Tropicália – a geração que se opôs aos governos militares, e que atualiza uma visão de Brasil vinda diretamente da Semana de 22, da antropofagia. A música popular brasileira foi alçada a representante máxima da cultura brasileira, foi estudada exaustivamente na academia, consagrada até mesmo nos vestibulares como poesia. 

Nunca passou pela cabeça de um francês colocar Charles Aznavour no lugar de Maurice Ravel como representando máximo da cultura francesa. Mas, no Brasil, a música popular – produzida por esses representantes com atuação política destacada na esquerda – virou o cânone, a cultura oficial, incentivada e exportada. Gilberto Gil cantando na ONU, acompanhado pelo secretário-geral da organização, Kofi Annan, virou a imagem da cultura brasileira para exportação. E isso não começou no governo Lula.

Bruno Tolentino, quando chegou ao Brasil na década de 1990, criticou FHC por citar no seu discurso de posse não Machado de Assis ou Euclides da Cunha, mas Caetano Veloso. A crítica de Tolentino é próxima à de Fumaroli. O poeta critica o entretenimento colocado no lugar da cultura. Eis que no governo Lula 3 quem se torna ministra da cultura? Margareth Menezes, cantora irrelevante, oriunda de um gênero musical com expressão cultural nula, que é o Axé. 

Diz Fumaroli, sobre a França: “Um estado que se torna oligárquico e que subvenciona uma cultura de massas inconfessada acaba projetando uma sombra de tirania sobre um país naturalmente republicano”. Tal afirmação cabe perfeitamente ao Brasil: porém com um componente ainda mais grave, o identitarismo. A posse de Lula, cuja faixa foi entregue por oito pessoas, cada um representante de um grupo identitário, deixou evidente o tom do governo. E a produção cultural, refém dessa agenda, se rende cada vez mais à propaganda ideológica e à linguagem publicitária. O estado da cultura brasileiro se rende à propaganda como Fumaroli jamais pôde imaginar.

 

Josias Teófilo é cineasta, jornalista, escritor e fotógrafo brasileiro

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  1. Exato. Aliando a burocracia como força regedora do impulso cultural à utilização da arte pela política consegue-se o resultado que temos; negligência do passado e promoção da irrelevância artística como se cultura fosse.

  2. Toda cultura de estado, em todo o mundo, foi desastrosa e atrasou a evolução da humanidade. A clientelista, como a que se pratica no Brasi,l é a pior modalidade.

  3. Por que ainda não chamaram o Chico Buarque para liderar essa pasta??? Ora, ele deve estar orgulhoso do novo gobierno. Não pode deixar os prazeres pessoais sobreporem sua batalha pelo Pueblo libre! Viva la revolucion!! PQP

  4. Josias, é um alívio para mim, ler este artigo. Chego a pensar que sou crítica demais quando me revolto com esses "brilhantes" destaques da cultura brasileira. Margareth Menezes, por exemplo. Dessa aí só conheço o nome, e , se fez algum sucesso não fiquei conhecendo. Mas, não só ela. Quando vejo uma artista de novelas assumindo uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, aí meu desapontamento vai aos extremos.

  5. Essa fusão (ou confusão) de Cultura e Entretenimento já era característica do governo Bolsonaro. Me parece típica de governos populistas.

  6. Axé music ou “ sertanojo”, tanto faz… é tudo reflexo da sociedade brasileira. Onde não há Educação de qualidade, não pode haver Cultura.

    1. Aguardem ..... logo logo a coisa vai "evoluir" e a MC Pipokinha vai "dominar" nossa politica cultural. Ai sim teremos uma "cultura putaria" para bem ilustrar o espitito nacional....

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